Vacina da Pfizer: entenda o que acontece após o anúncio de 90% de eficácia

Análise preliminar da empresa mostra resultados muito positivos contra Covid-19, mas ainda há algumas barreiras pela frente
Renato Santino09/11/2020 21h26, atualizada em 09/11/2020 21h40

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Nesta segunda-feira (9), o mundo acordou com a primeira boa notícia real sobre uma vacina contra Covid-19. A americana Pfizer, em conjunto com a alemã BioNTech, anunciou eficácia de 90% em uma análise parcial dos resultados, apesar de não apresentar nenhum artigo científico que embase as informações divulgadas.

A comunidade científica ficou compreensivelmente empolgada com a notícia, mas ainda há alguns pontos importantes sobre a vacina que ainda precisam ficar claros para perspectivas reais de distribuição da vacina. Entenda o que vem pela frente:

Resultados definitivos ainda vão demorar

O anúncio desta segunda-feira é positivo, mas ele é uma análise interina. Ele deriva de 94 voluntários entre o grupo placebo e quem efetivamente recebeu a vacina, que contraíram o coronavírus e desenvolveram sintomas da Covid-19. Como a maioria dos casos se concentraram entre aqueles que não se vacinaram, os pesquisadores se sentiram confortáveis para anunciar os dados preliminares positivos.

No entanto, as pesquisas não estão concluídas. O protocolo da Pfizer prevê que uma análise definitiva apenas quando forem alcançados 164 “eventos”, que são os casos de Covid-19. A empresa planeja seguir as pesquisas até chegar a essa quantidade mínima.

Isso dito, a empresa pode avançar para o registro para o uso emergencial antes de chegar ao fim do protocolo de pesquisas, com base nos resultados preliminares fortes. Para isso, a empresa ainda precisa atingir uma outra marca relacionada a segurança. Pelo menos metade dos voluntários precisa ser acompanhada por dois meses após a aplicação da segunda dose segundo as normas da Administração de Alimentos e Drogas dos EUA (FDA), órgão equivalente à brasileira Anvisa no país. Essa marca só deve ser alcançada após a terceira semana de novembro.

Brasil não tem acordo de distribuição

A vacina da Pfizer é uma das que estão em testes no Brasil, mas não há qualquer acordo de distribuição firmado no país até o momento. A empresa chegou a contatar o governo federal com uma proposta para negociar alguns dos primeiros lotes, mas não recebeu uma resposta, e agora o país perdeu prioridade.

Em entrevista de outubro para a revista Veja, o CEO da Pfizer no Brasil, diz que, se houvesse acordo, seria possível oferecer doses ao Brasil entre o fim deste ano e o começo de 2021. Sem resposta federal, a empresa começou a negociar diretamente com estados e diz ter “conversas avançadas”. No entanto, agora a oferta não prevê mais a possibilidade de entrega no fim de 2020.

A produção é limitada

A Pfizer, até o momento, não fala em transferência de tecnologia. Isso significa que toda a produção destinada ao mundo inteiro será concentrada em suas próprias fábricas, com capacidade produtiva limitada.

Na mesma entrevista com a Veja, Murillo diz que essa estratégia se deve à tecnologia empregada, com um método inédito para vacinas com ampla distribuição: o uso de RNA, que faz com que as próprias células produzam as proteínas do vírus. Ele defende que, por ser uma estratégia nova de vacinação, a transferência de tecnologia seria lenta, incompatível com a urgência da pandemia. A Pfizer não descarta a ideia no futuro, mas no momento prefere concentrar a produção.

Isso terá impacto na disponibilidade da vacina. A empresa já afirmou que deve ser capaz de produzir cerca de 100 milhões de doses ainda neste ano, e, para 2021, pode ter até 1,3 bilhão. Considerando que são necessárias duas aplicações para imunização, isso significa que até o fim do ano que vem, até 700 milhões de pessoas podem receber a fórmula da Pfizer, o que é menos de 10% da população mundial.

Vacinas de RNA são delicadas

Uma dificuldade que precisará ser enfrentada para a distribuição em grande escala da vacina da Pfizer é a logística. A tecnologia de RNA depende de armazenamento muito frio para que o composto não se degrade, com temperaturas abaixo de -75 graus Celsius, o que depende de equipamento potente e especializado.

Esse requisito deve dificultar bastante a distribuição da vacina em regiões com pouca infraestrutura, como acontece em boa parte do interior do Brasil.

Reprodução

Vacina faz o corpo produzir os “espinhos” do coronavírus, enganando o corpo para produzir a resposta imunológica

A empresa diz na entrevista à Veja que tem trabalhado na embalagem da vacina para facilitar a distribuição. A caixa é projetada para manter a temperatura estável por um período de 15 dias; após o prazo, é possível renovar o gelo seco na embalagem por mais 15 dias e repetir o procedimento mais uma vez, garantindo até 45 dias de estabilidade. A empresa também diz que o composto consegue se manter por até 5 dias em condições normais de refrigeração.

O estudo não analisa casos graves

Especialistas dizem que o desenho dos estudos das vacinas contra Covid-19 (e não só da Pfizer), permite entender apenas a eficácia na prevenção dos casos leves e moderados da doença, com perfil sintomático. É possível que ela previna complicações mais graves, mas não é o que os estudos estão acompanhando.

Os estudos contabilizam como um “evento” cada caso de pessoa que manifesta sintomas dentro do grupo de voluntários. Casos severos da doença são mais raros, e tendem a ser minoria entre os participantes, então o estudo não acompanha especificamente essas pessoas.

O resultado disso é que a pesquisa acaba analisando a eficácia da vacina em prevenir especificamente os casos mais leves. Para saber a capacidade de prevenção de casos graves, seria necessário acompanhar especificamente as pessoas que desenvolvem complicações. Para isso, seria incluir um número maior de voluntários, ou então acompanhá-los por mais tempo. As farmacêuticas se mostraram reticentes com as duas opções tanto pela questão de custos quanto pela urgência.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital