Imunidade cruzada pode ser peça-chave no combate à Covid-19; entenda

Segundo estudo de pesquisadores da Califórnia, ter superado outros 'coronavírus sazonais' pode deixar alguma imunidade no organismo
Fabiana Rolfini09/06/2020 17h27, atualizada em 09/06/2020 17h30

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Uma das grandes questões que intriga a comunidade científica a respeito do novo coronavírus é o fato de algumas pessoas infectadas apresentarem apenas sintomas leves ou ficarem assintomáticos.

Para desvendar este e outros mistérios que envolvem o vírus, especialistas no mundo todo tentam entender como nosso sistema imunológico responde ao ser atacado pelo Sars-Cov-2.

Agora, um estudo publicado na revista Cell apresenta uma hipótese esperançosa: a imunidade cruzada. Ou seja, ter superado outros coronavírus pode deixar alguma imunidade no organismo – conjunto de mecanismos que nos protegem de infecções.

Para entender melhor o conceito, é importante lembrar os dois tipos de imunidade existentes: inata e adaptativa. A resposta inata é a primeira a se desenvolver e geralmente é eficaz na eliminação de diferentes tipos de invasores.

Já a imunidade adaptativa estabelece uma resposta específica contra o agente infeccioso específico ou contra as células que abrigam esse microrganismo. Essa resposta leva vários dias para chegar e é dividida em dois ramos: imunidade derivada de anticorpos, também denominada imunidade humoral, e imunidade celular exercida por células chamadas linfócitos T (ou células T).

Reprodução

Vírus Sars-Cov-2. Foto: NIAID-RML

Memória contra agentes infecciosos

Uma característica particular da resposta adaptativa é que ela deixa memória. Ou seja, lembra dos patógenos com os quais seu corpo entrou em contato no passado e, portanto, saberá combatê-los no futuro.

“A partir do momento em que nascemos, somos confrontados com muitos agentes infecciosos. E o corpo precisa saber como reagir de maneira específica contra o que é estranho e o que pode causar uma patologia”, explicou à BBC News, Estanislao Nistal, virologista e professor de microbiologia na Universidade CEU San Pablo, na Espanha.

“Quando nos deparamos com um agente infeccioso pela primeira vez, normalmente a resposta que ativamos é uma resposta muito boa, que produz um tipo de memória capaz de durar a vida inteira”, afirmou o virologista.

Imunidade cruzada

É aí que entra o conceito de imunidade cruzada, que consiste na capacidade de alguns dos linfócitos envolvidos na resposta adaptativa (linfócitos ou células B ou T) em reconhecer sequências de um vírus, bactéria ou agente infeccioso e ser capaz de identificá-las no futuro em outro agente infeccioso.

Mas se o Sars-Cov-2 é um novo vírus, como pode haver imunidade cruzada? Na família dos coronavírus existem sete deles identificados. No entanto, a população está exposta a quatro tipos anualmente, os chamados “coronavírus sazonais”.

Em geral, o que acontece é que a maioria das pessoas que são infectadas por eles não apresenta complicações graves. Segundo o virologista, o mais comum é que eles produzam resfriados, os quais normalmente ativam os linfócitos que temos, que já foram ativados anteriormente.

Descobertas do estudo

No estudo em questão, foram usadas amostras de sangue coletadas entre 2015 e 2018 de pessoas que haviam superado os “coronavírus sazonais”, mas que, pelas datas, ainda não podiam ter sido expostas ao novo Sars-Cov-2.

Então, os pesquisadores do Instituto de Imunologia La Jolla, na Califórnia, também autores do estudo, colocaram tais amostras em contato com sequências ou fragmentos do novo coronavírus, e observaram que havia uma reativação celular.

“O que os pesquisadores veem é que existem linfócitos, tanto B quanto T, capazes de reconhecer esses fragmentos e ativar”, declarou Nistal. “Isso é o que significa que eles têm imunidade cruzada”.

O resultado, para o especialista, era “bastante esperado”, porque, embora seja um novo vírus, “possui cerca de 80% de homologia com Sars (sigla em inglês para síndrome respiratória aguda grave, que apareceu em 2002) e entre 40 e 60% de homologia com coronavírus circulantes ou sazonais”.

“Se você analisar a sequência de aminoácidos que as proteínas virais produzem, perceberá que existem áreas muito diferentes entre os coronavírus circulantes e esse Sars-Cov-2, mas existem áreas altamente conservadas. E, portanto, espera-se que um linfócito que reage contra essa sequência também possa reagir contra a sequência Sars-Cov-2”.

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Infectados pelo coronavírus podem não ter sintomas. Foto: Yauhen Akulich/ iStock

É isso que explicaria, em parte, por que existem pessoas com sintomas muito leves ou mesmo sem sintomas, segundo o especialista. “Outra parte também seria explicada pela imunidade inata”, acrescentou ele.

Para Nistal, esse estudo tem uma implicação importante. Se as vacinas que começaram a ser criadas contra a Sars e depois foram abandonadas tivessem sido desenvolvidas, “elas poderiam ter servido para nos proteger do novo vírus (não para que não fôssemos infectados, porque os linfócitos T não bloqueiam inicialmente a entrada do vírus na célula, mas ajudam a destruí-lo)”, explicou.

“Portanto, a primeira lição a ser aprendida com tudo isso é que, quando você inicia algo, deve ser concluído. Só porque não há agente infeccioso não significa que ele não existirá no futuro, especialmente com o coronavírus”, finalizou o especialista.

Via: BBC News

Fabiana Rolfini é editor(a) no Olhar Digital