Com medidas autoritárias, China pode ter controlado coronavírus

Relatório da OMS aponta que o país de origem do Covid-19 pode ter visto seu pico de contaminações ter passado, mas especialistas avaliam que modelo de combate ao surto ignorou lado 'humano'
Renato Mota03/03/2020 17h03

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Isolamento total de cidades inteiras, hospitais construídos em tempo recorde, cidadãos sob vigilância eletrônica e proibidos de circularem livremente. As ações tomadas pelo governo da China contra o surto do Covid-19 surtiram efeito, de acordo com um relatório divulgado pela missão da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em 10 de fevereiro, quando uma equipe avançada da Missão Conjunta OMS/China iniciou seu trabalho, o país notificou 2.478 novos casos. Duas semanas depois, quando os estrangeiros deixaram a região, o número caiu para 409 casos. No último domingo (1º), a China registrou apenas 206 novos casos, enquanto o resto do mundo somado teve quase nove vezes esse número.

A epidemia na China parece ter atingido o pico no final de janeiro, segundo o relatório da OMS. Hospitais lotados de pacientes com o coronavírus há algumas semanas agora têm camas vazias. Testes para drogas experimentais estão tendo dificuldade em inscrever pacientes elegíveis suficientes.

“A abordagem ousada da China para conter a rápida disseminação desse novo patógeno respiratório mudou o curso da epidemia “, diz o documento da OMS. “Esse declínio nos casos de COVID-19 em toda a China é real”, completa. Mas isso veio a um custo social bastante alto.

A medida mais dramática – e controversa – foi o bloqueio de Wuhan e cidades próximas na província de Hubei, que colocou pelo menos 50 milhões de pessoas em quarentena obrigatória desde 23 de janeiro. Isso “efetivamente impediu uma maior exportação de indivíduos infectados para o resto do país”, conclui o relatório. Em outras regiões da China continental, as pessoas colocam-se em quarentena voluntariamente e são monitoradas por autoridades locais.

O governo chinês também construiu dois hospitais dedicados em Wuhan em pouco mais de uma semana. Profissionais de saúde de toda a China foram enviados para o centro do surto e foi lançado um esforço sem precedentes para rastrear contatos de casos confirmados. Somente em Wuhan, mais de 1.800 equipes de cinco ou mais pessoas localizaram dezenas de milhares de casos suspeitos.

Dois aplicativos para celular amplamente usados, AliPay e WeChat ajudaram a impor as restrições, porque permitem ao governo acompanhar os movimentos das pessoas e até impedir que pacientes infectados viajem. Códigos de cores nos telefones celulares – nos quais verde, amarelo ou vermelho designam o status de saúde de uma pessoa – permitem que os guardas das estações de trem e de outros pontos de controle saibam por quem deixar passar.

Mas é possível tirar lições disso, e aplicar o modelo em outros países?

Muitos estudiosos são contra medidas tão autoritárias – embora efetivas. A China é única, pois possui um sistema político que pode obter conformidade pública com medidas extremas”, avalia Lawrence Gostin, especialista em direito da saúde global na Universidade de Georgetown. “Mas seu uso de controle social e vigilância intrusiva não é um bom modelo para outros países”.

A China ainda conta uma capacidade extraordinária de executar projetos de grande escala e trabalhosos rapidamente, explica Jeremy Konyndyk, membro sênior de políticas do Centro de Desenvolvimento Global: “Ninguém mais no mundo pode realmente fazer o que a China acabou de fazer”.

O próprio relatório menciona algumas áreas em que a China precisa melhorar, incluindo a necessidade de “comunicar mais claramente dados e desenvolvimentos importantes internacionalmente”. “A única coisa que está completamente escondida é toda a dimensão dos direitos humanos”, acredita Devi Sridhar, especialista em saúde pública global da Universidade de Edimburgo. Em vez disso, o relatório elogia o “profundo compromisso do povo chinês com a ação coletiva diante dessa ameaça comum”.

Cingapura e Hong Kong podem ser melhores exemplos a serem seguidos, diz Konyndyk: “Houve um grau semelhante de rigor e disciplina, mas aplicado de uma maneira muito menos draconiana”.

Via: Science Mag

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital