Apesar de impulsionar o eSports, pandemia também traz desafios ao setor

Jogadores e narradores sentem as dificuldades causadas pelo surto de coronavírus e contam ao Olhar Digital sobre nova rotina longe dos palcos
Vinicius Szafran04/09/2020 22h57, atualizada em 07/09/2020 14h38

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Quando o novo coronavírus começou a ser um problema, a esperança de todos era que fosse ser algo simples, talvez restrito a algumas partes do mundo. Porém, gradativamente, o vírus se espalhou por todo o planeta, chegando ao ponto de ser declarada uma pandemia.

Desde então, nossa rotina virou de cabeça para baixo. Começamos a passar (muito) mais tempo em casa, máscaras se tornaram itens obrigatórios, eventos foram cancelados, o esporte parou e o comércio fechou.

Nesse período, uma grande parte das pessoas começou a trabalhar em regime de home office e, consequentemente, a passar mais tempo na internet. Sem aulas, crianças e adolescentes precisaram voltar sua atenção para outras coisas – dentre elas, os jogos eletrônicos.

Com a recente popularização dos eSports, é natural que muitas pessoas comecem a acompanhar os jogos e até sonhar com uma vaga em algum time. Entretanto, a pandemia também deixou marcas no setor. O Olhar Digital conversou com alguns personagens conhecidos no cenário de eSports para entender um pouco mais sobre como essa crise chegou até eles.

Crescimento frenético dos eSports

O cenário dos eSports já vinha em uma crescente nos últimos anos, com cada vez mais pessoas jogando e assistindo aos campeonatos. No entanto, a Covid-19 impulsionou ainda mais a prática.

O Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL), por exemplo, viu sua audiência subir 34% em relação ao ano passado. Já no número de espectadores simultâneos, o campeonato bateu seu próprio recorde: foram 336 mil pessoas assistindo a uma mesma partida, no segundo split da competição.

O Mundial de LoL, campeonato mais importante da categoria, tornou-se o evento de eSports mais assistido na história, com incríveis 44 milhões de espectadores simultâneos durante a final do torneio, transmitido em 20 plataformas diferentes e em 16 idiomas. Além disso, o torneio superou a marca de 137 milhões de horas assistidas. Nenhum destes dados conta as plataformas chinesas, então o número real deve ser ainda maior.

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Campeonatos de eSports têm atraído cada vez mais público. Imagem: ziiinvn/Shutterstock

Em segundo lugar, com pico de 2,3 milhões de espectadores simultâneos, vem a Fortnite World Cup de 2019, seguido do mundial de Free Fire (disputado no Brasil), que teve dois milhões de espectadores simultâneos.

Porém, a Covid-19 também foi negativa para os eSports: como os campeonatos são disputados em estúdios, de maneira presencial, a pandemia teve um grande impacto no cenário. Devido à necessidade de distanciamento social, os torneios passaram a ser disputados pela internet – o que não deixa de ser sua essência, mas representou mudanças na rotina de todos os envolvidos nas competições.

Um vírus, muitos problemas

Dono de uma voz marcante que cativa o público com seus muitos bordões, Diniz “Gruntar” Albieri passou a ser narrador do CBLoL somente neste ano – narrava o Circuito Desafiante, a 2ª divisão do League of Legends no Brasil. A tarefa, que já não seria nada fácil, ficou ainda mais complicada com a Covid-19.

Os jogos do CBLoL normalmente são realizados em um estúdio na cidade de São Paulo, mas o torneio foi adiado por algum tempo, e depois retomado totalmente online. Com isso, Gruntar voltou ao interior do Rio de Janeiro, onde vive com sua família, e não retornou mais para a capital paulista. Segundo ele, essa mudança complicou o entrosamento com a equipe de narração.

“Acho que dificultou o entrosamento com os narradores, principalmente os comentaristas”, explica Gruntar. “Apesar de já ter narrado antes com eles, como cheguei ao CBLoL este ano, ainda não consegui pegar aquela sintonia fina e fazer uma sinergia aprimorada”.

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O caster Gruntar sente que a sintonia entre os narradores é prejudicada pela distância. Imagem: Arquivo Pessoal

A dificuldade na comunicação é citada também entre os players. Lucas “Luskka” Rentechen, atirador do Flamengo Esports, sente que o home office limita a comunicação entre os jogadores. “Quando você está em uma equipe, pode conversar e tentar entender o que cada um está pensando”, explica.

Segundo Luskka, o regime de home office atrapalha a rotina e a evolução do grupo, acostumado ao “gaming office”, no qual os atletas saem de suas casas e vão ao escritório para treinar. Porém, como o escritório da equipe fica em um shopping de São Paulo, eles precisaram se adaptar ao trabalho remoto. Assim como Gruntar, o atirador também precisou sair da capital paulista e voltar para Curitiba, cidade onde mora.

O trabalho remoto também causa alguns imprevistos, como conta Gruntar. “Teve um dia que o pessoal de São Paulo [comentaristas da partida] caiu por uns 20 segundos ou algo assim. Eu estava a postos e segurei a transmissão por alguns segundos”, diz. Em outra ocasião, foi o caster quem perdeu o contato com o restante da equipe. Para ele, as dificuldades vão além da conexão. “Tem toda uma tensão envolvida ao fazer de casa. A responsabilidade pelo equipamento funcionando é minha”, explica. “Microfone mutado, câmera bem posicionada, iluminação. Tudo isso gera uma carga de estresse que não existe no estúdio”.

A Riot Games, produtora de League of Legends e organizadora do campeonato, ajudou os casters, enviando equipamentos para que produzissem normalmente. Isso deu uma segurança maior para eles. “Tivemos toda a tranquilidade do mundo para trabalhar”, disse Albieri.

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Luskka, atirador do Flamengo, chegou a perder espaço no time, mas foi reintegrado. Imagem: Arquivo pessoal

Entretanto, essa não foi a mesma experiência de Rentechen. O jogador chegou a ser desligado de sua equipe durante a pandemia. Por conta disso, ele conta que sua maior dificuldade foi financeira. Porém, Luskka foi chamado de volta pouco depois, e quando um outro integrante do time sofreu uma punição e precisou ser substituído, Lucas foi escolhido para jogar em seu lugar.

Do outro lado do oceano, mais especificamente na Espanha, outros campeonatos também foram interrompidos. Dentre eles, a eFootball Pro, campeonato de Pro Evolution Soccer (PES), game da japonesa Konami. O tricampeão brasileiro, bicampeão da América e bicampeão mundial, Guilherme “GuiFera” Fonseca, atualmente jogador do Barcelona, participou da competição, que foi cancelada e refeita em outro formato.

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Para GuiFera, o mais difícil foi enfrentar a pandemia sem sua família. Nesta foto, ele havia garantido vaga no Mundial de PES 2019. Imagem: Arquivo pessoal

No entanto, o fato de morar com seus companheiros de equipe permitiu manter a rotina de treinamentos e o bom rendimento do time, que terminou o campeonato em segundo lugar. Para um dos melhores jogadores de PES do mundo, o problema foi outro: a distância. “Eu estava morando na Espanha, longe da família e amigos, então acho que essa foi a maior dificuldade que enfrentei na pandemia”, contou GuiFera.

A incerteza sobre o futuro acompanha todos nós, especialmente agora. Para quem vive e respira eSports, tudo parece muito promissor. O medo causado pelo coronavírus e a saudade de campeonatos presenciais são inevitáveis, mas logo tiraremos a vida do pause.

Vinicius Szafran
Colaboração para o Olhar Digital

Vinicius Szafran é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital