Hospital americano testa remédio de azia contra o coronavírus

Experimento deve envolver mais de mil pacientes; ainda não há evidências sobre a eficácia do medicamento no combate à Covid-19
Redação27/04/2020 16h49, atualizada em 27/04/2020 17h30

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Um estudo clínico conduzido pela rede hospitalar Northwell Health, em Nova York, nos Estados Unidos, testa o fármaco ‘famotidina’ no tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Comum na composição de medicamentos de baixo custo para azia, a substância apresentou resultados positivos em simulações computadorizadas e no tratamento de poucos pacientes. Contudo, ainda não há evidências que determinem sua eficácia no combate à Covid-19.

De acordo com a revista ScienceMag, até este sábado (25), pelo menos 187 pacientes com Covid-19 em estado grave integravam o grupo de amostra da pesquisa. A expectativa é que o estudo englobe 1.174 pessoas no total. O projeto foi iniciado em março mas, mesmo com a aprovação de autoridades públicas norte-americanas, esteve sob sigilo para preservar os estoques do medicamento de fornecedores farmacêuticos.

Para Kevin Tracey, neurocirurgião do hospital e líder da pesquisa, o caráter promissor da famotidina só poderá ser definido a partir de resultados preliminares dos primeiros 391 pacientes. “Se funcionar, nós saberemos em algumas semanas”, disse.

Boletins Médicos

O interesse sobre o fármaco surgiu do médico pesquisador Michael Callahan, que trabalha no Massachusetts General Hospital, em Boston. Em janeiro, o profissional da saúde estudava o vírus da gripe aviária, na China. Em meio à pandemia do novo coronavírus em Wuhan, Callahan reforçou a equipe de médicos da cidade que ficou conhecida como o primeiro epicentro da Covid-19.

Reprodução

Ao atender pacientes com mais de 80 anos infectados pela doença, o médico observou que um em cada cinco casos resultava em óbito. As mortes, no entanto, pareciam também seguir um recorte de padrão econômico: idosos com rendas declaradas mais baixas tendiam a sobreviver mais que pessoas de classes mais abastadas.

O passo seguinte foi analisar os boletins médicos de mais de 6 mil pacientes com Covid-19. Callahan e seus colegas identificaram que muitos dos sobreviventes da doença sofriam de azia crônica e se medicavam com a famotidina, que é muito popular entre as classes mais baixas na China, em vez de Omeprazol, um remédio mais caro que também trata de azia e outros problemas digestivos.

Segundo ele, os pacientes que usavam a famotidina apresentavam um índice de óbito de 14%, em relação a 27% daqueles que não consumiam o medicamento. A relação, no entanto, apresenta fragilidades estatísticas e não oferece evidências suficientes para determinar a eficácia do fármaco.

Simulações de computadores

Mesmo assim, Callahan voltou aos Estados Unidos e logo acionou colegas pesquisadores para iniciar experimentos computadorizados com a droga. A iniciativa chegou até Robert Malone, um profissional de saúde integrante do projeto DOMANE, da Food Drug Administration (FDA) — uma agência reguladora norte-americana equivalente à Anvisa no Brasil — que utiliza inteligência artificial e outros recursos de informática para identificar substâncias promissoras para o tratamento de doenças, inclusive a Covid-19.

Em parceria com outros pesquisadores, Malone projetou a estrutura 3D da enzima papain-like protease, responsável pela replicação do coronavírus no corpo humano, segundo os estudiosos. O modelo foi construído com base em duas estruturas da enzima retiradas do vírus da SARS, que é da mesma família do novo coronavírus (SARS-Cov-2).

Na etapa seguinte, os cientistas combinaram as estruturas da enzima retirada do vírus da SARS e combinaram com o sequenciamento genético do novo coronavírus. A partir disso, fizeram comparações entre o modelo computacional e as estruturas orgânicas do SARS para eliminar possíveis distorções.

O estudo então testou mais de 2.6 mil componentes que poderiam interagir com a nova enzima construída pelo computador. O processo indicou algumas dezenas de substâncias promissoras. Porém, após uma série de análises, o grupo foi reduzido a apenas três substância. A Famotidina era uma delas.

Hidroxicloroquina

A partir dos resultados da bioinformática e dos dados de boletim médicos chineses, Callahan sugeriu a Kevin Tracey, líder do Northwell Health, a proposta de conduzir ensaios clínicos com a famotidina. Neste ponto, pacientes com problemas renais foram descartados porque o remédio pode ter efeitos colaterais para pessoas nessas condições.

A Northwell garantiu a aprovação do testes junto a FDA, no entanto, encontraram um empecilho inesperado: a concorrência de outra droga. Os cientistas relatam que o protocolo inicial do estudo tinha o objetivo de apenas avaliar a eficácia da famotidina, mas o processo sofreu interferência de testes da hidroxicloroquina, que se tornou o padrão de atendimento para pacientes hospitalizados com Covid-19 no país.

Reprodução

Nesse sentido, os pesquisadores poderiam recrutar pacientes suficientes somente para um estudo que testasse uma combinação de famotidina e hidroxicloroquina. Esses pacientes seriam então comparados com um grupo que recebeu doses exclusivas de hidroxicloroquina e outro grupo de controle composto por centenas de pacientes tratados no início do surto.

Resultados

As evidências até aqui, no entanto, são positivas. Uma paciente de 44 anos com Covid-19, que desenvolveu febre e falta de oxigenação do corpo, recebeu uma megadose de famotidina por via oral e, em menos de 24 horas, a febre cessou e os níveis de oxigênio no sangue da paciente foram normalizados.

Outras cinco pessoas também mostraram melhorias significativas após receber o medicamento. Porém, como destaca a publicação, esses mesmos pacientes também foram submetidos a outros medicamentos.

Na semana passada, Timothy Wang, chefe de gastroenterologia do Columbia University Medical Center, fez sua própria revisão nos registros de 1620 pacientes hospitalizados com Covid-19 e compartilhou os resultados com Tracey e Callahan. Em seguido, o médico submeteu um artigo para o periódico Annal of Internal Medicine com os outros dois colegas como coautores.

Apesar disso, os cientistas fazem questão de destacar seu ceticismo. “Ainda não sabemos se funcionará ou não”, diz Tracey.

Fonte: ScienceMag

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital