Uma nova iniciativa propõe usar o conceito de blockchain, a tecnologia por trás das operações de Bitcoin, para descentralizar a coleta de dados sobre a pandemia do novo coronavírus das mãos de entidades públicas governamentais.
Desde março, o questionário online iReport-Covid-19, criado pela empresa Algorand Foundation, de Singapura, recebe respostas anônimas de voluntários sobre casos de infecção da Covid-19.
De acordo com reportagem do UOL, as indagações envolvem desde o resultado de testes de diagnóstico até os sintomas apresentados. As informações compõem um banco de dados abertos e disponível para qualquer usuário que queira conferir ou utilizar o material. Até esta segunda-feira (18), a plataforma disponibilizava uma planilha com cerca de 17 mil registros, incluindo centenas de respostas de brasileiros.
Os registros são computados em diversos computadores ao mesmo tempo, e qualquer alteração também é atualizada em diferentes pontas da cadeia. Depois de enviar as respostas, os usuários não podem apagá-las, mas ainda é possível acrescentar novas informações ao formulário, como informar mudanças no quadro de saúde.
Captura de tela do formulário do iReport-Covid-19. Imagem: Olhar Digital
Assim, o projeto aplica o conceito de blockchain para impedir que os dados registrados sejam eliminados ou manipulados. É exatamente essa garantia que fundamenta o propósito do iReport-Covid-19.
“Muitas vezes, os dados de saúde pública são manipulados pelos governos ou outras fontes oficiais. Se tivermos relatórios abertos e universais, em que os próprios pacientes avisem sobre sintomas, doença nova ou surtos surgindo em algum lugar do mundo, será mais fácil para o planeta reagir mais rápido”, afirmou Hugo Krawczyk, matemático especialista em criptografia e um dos idealizadores do projeto.
Ele ressalta que recursos de criptografia podem garantir que os dados enviados sejam válidos, evitar duplicidade de registros e atestar que eles não foram manipulados, além de preservar a privacidade dos voluntários.
Fragilidades e desafios
A participação no iReport-Covid-19 é voluntária e anônima, assim como não exige nenhuma prova de que o participante realmente contraiu a Covid-19. Essas condições viabilizam que usuários mal intencionados registrem informações falsas na plataforma. É possível, por exemplo, afirmar ter recebido diagnóstico positivo para a doença sem nunca ter feito um exame para detectá-la.
Krawczyk admite o risco, porém ele acredita que, com o aumento de questionários preenchidos, os formulários com informações falsas devem se tornar “estatisticamente insignificantes”. A ideia remete ao Wikipedia, em que a participação aberta e coletiva garante o ajuste da precisão do conteúdo. Para minimizar os desvios, o questionário ainda aceita apenas uma resposta por navegador. É possível, no entanto, responder outras vezes a partir de aparelhos ou navegadores diferentes.
Outra limitação corresponde ao fato da pesquisa estar disponível somente a quem tem acesso à internet. Krawczyk reconhece que isso impede que milhões de possíveis infectados participem da iniciativa– só no Brasil, um a cada quatro habitantes estão nessa condição, de acordo com a pesquisa PNAD Contínua, do IBGE.
Para o pesquisador, esse é só mais um desafio que esse modelo deve superar. “Este tipo de base de dados cujo acesso é realmente aberto é ainda muito novo, e ainda tem muita coisa que precisamos aprender. Mas acreditamos que relatórios livres das interferências dos governos ou de qualquer interesse particular podem ser poderosos para esta e para as próximas pandemias”, concluiu.