Aumento na demanda por dexametasona começa a preocupar médicos

Substância, que em estudo recente se mostrou eficaz na redução da mortalidade da Covid-19, é mais difícil de ser produzida em sua versão intravenosa (mais indicada para pacientes em respiradores)
Renato Mota22/06/2020 22h10

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A empolgação gerada pela notícia de que o corticoide dexametasona pode ajudar a reduz as taxas de mortalidade da Covid-19 podem gerar uma escassez do medicamento. Especialistas da área da saúde pública temem que uma aquisição desenfreada faça com que a substância, barata e relativamente abundante, suma das prateleiras.

Por enquanto, não há relatos de problemas para obter dexametasona, “mas isso não significa que não haverá escassez”, afirma Stephen Schondelmeyer, diretor do Instituto de Pesquisa Farmacêutica em Economia e Administração da Universidade de Minnesota. “Embora seja um medicamento antigo, as pessoas que dizem que ele está disponível falaram cedo demais, sem olhar para os dados”, completa.

No anúncio, feito na semana passada, pesquisadores de Oxford constataram que o medicamento foi eficaz em testes feitos com pacientes graves internados. A dexametasona reduziu a mortalidade em pacientes em respiradores em até um terço, e naqueles que precisavam de oxigênio, em um quinto. A pesquisa foi conduzida por vários cientistas e ainda não foi revisada por outros especialistas.

A dexametasona tem sido usada desde os anos 1960 para reduzir a inflamação em várias doenças, incluindo pacientes com câncer, e está na lista de medicamentos essenciais da OMS desde 1977. Por esta razão, está fora de patente e disponível em todo o mundo. “O acúmulo e as compras especulativas parecem já ter começado”, confirma Emer Cooke, chefe de regulamentação de medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas ela diz que “é muito cedo para dizer se haverá uma escassez global”.

A principal preocupação diz respeito à versão injetável do medicamento, mais complicada de produzir do que a dexametasona oral e indicado para pacientes em respiradores. Um dos principais fabricantes indianos de dexametasona intravenosa, a Cadila Healthcare, enfrentou repetidos problemas com a Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador do governo dos Estados Unidos. De acordo com uma carta da agência, a empresa disse em outubro de 2019 que deixaria de produzir medicamentos injetáveis ​​para os norte-americanos.

O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido já incorporou o medicamento em seu padrão de atendimento ao novo coronavírus e o país emitiu restrições à sua exportação. A dexametasona intravenosa já era escassa nos Estados Unidos antes dos resultados da pesquisa – a FDA lista a droga como “em falta”.

“O medicamento está em falta em dois dos maiores distribuidores de medicamentos do país, McKesson e Cardinal Health”, afirma Deepak Sisodiya, diretor administrativo de serviços de farmácia da Stanford Health Care. Solicitada pela revista Science, a Cardinal Health confirmou que a empresa começou a limitar as alocações do medicamento.

A maior parte do medicamento no mundo é produzida por duas empresas indianas: Wockhardt e Cadila Healthcare. A primeira tem um suprimento “muito limitado” atualmente disponível para exportação, mas tem “enorme capacidade” de produzir dexametasona por via oral e intravenosa, garantiu seu CEO.

Por outro lado, a FDA recusou os produtos da Cadila 83 vezes desde 2004, devido a problemas com a qualidade. Desde 2015, a agência enviou à empresa três cartas de aviso relacionadas ao seu processo de produção – os inspetores encontraram inúmeras inadequações nas instalações da Cadila, incluindo falhas em procedimentos de esterilização e evidências de bactérias no sistema de água.

Há um “alto risco de fabricantes desonestos oferecerem opções abaixo do padrão ou falsificadas”, afirma Cooke. Produtores confiáveis ​​devem ser capazes de atender à crescente demanda, mas se as compras especulativas continuarem, “isso criará sinais de demanda caóticos e colocará em risco os planos de expansão”, completa a diretora da OMS.

Via: Science Magazine

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital