Espaçonaves enviadas para a órbita da Terra e de Júpiter estão sofrendo um aumento de velocidade incomum. A “anomalia de voo” é uma discrepância entre os modelos científicos atuais e o aumento real na velocidade (ou seja, aumento na energia cinética) observada durante um sobrevoo planetário. Em vários casos, observou-se que espaçonaves ganham mais velocidade do que os cientistas previam.

Essa variação tem sido observada desde 1990 quando a espaçonave Galileo, da NASA, voava de volta à Terra, depois de um ano no espaço. Conforme a espaçonave girava em torno de nosso planeta, sua velocidade e distância eram monitoradas por operadores de missão na superfície e Galileo parecia viajar cerca de quatro milímetros por segundo mais rápido do que sua trajetória prevista.

Essa variação, aparentemente pequena, foi o primeiro caso do problema intratável conhecido como “anomalia de voo”, uma discrepância entre o movimento esperado e o registrado durante voos planetários e que permanece inexplicável até hoje. Durante as décadas seguintes, a anomalia continuou a surgir, sendo a espaçonave Near Earth Asteroid Rendezvous (NEAR) a que teve a maior mudança: um aumento de velocidade de 13 mm/s registrado em 1998.

As missões Cassini – Huygens, MESSENGER e Rosetta também experimentaram mudanças inesperadas na velocidade quando realizaram sobrevoos na Terra. E, normalmente, as espaçonaves viajavam um pouco mais rápido do que o previsto, mas tem-se relato do oposto. Quando a Galileo fez seu segundo sobrevoo na Terra em 1992, ele se moveu um pouco mais devagar, para complicar ainda mais as coisas sobre a anomalia de voo, que, aparentemente, não é consistente.

Muita tinta foi derramada para tentar explicar as ocorrências isoladas desse estranho voo espacial desconectado. Pesquisadores de uma vasta gama de disciplinas CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) especularam que a anomalia poderia ser o resultado de efeitos especiais da relatividade geral, um halo de matéria misteriosa ao redor da Terra, um novo tipo de força ou simples erro instrumental, entre várias outras hipóteses.

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Matéria escura no espaço. Créditos: Andrey_l/Shutterstock

Ainda é uma questão em aberto se a causa da anomalia algum dia será resolvida. Stephen Adler, físico de partículas e professor emérito do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, levantou a hipótese de que a matéria escura, substância enigmática e não luminosa que constitui a maior parte da massa do universo, estivesse em órbita ao redor da Terra e poderia estar influenciando as espaçonaves.

Com base nessa ideia, ele previu que a espaçonave Juno da NASA, prevista para um sobrevoo da Terra em outubro de 2013, mostraria uma “grande anomalia de 11,6 milímetros / segundo”, mas desta vez a nave voou na velocidade esperada. A partir desse momento Adler descartou a teoria da matéria escura e passou a suspeitar que as anomalias de voo passadas sejam fruto de erros instrumentais simples.

Porém, muitos cientistas ainda não estão prontos para atribuir o problema a artefatos ou erros. Mario J. Pinheiro, professor de física da Universidade de Lisboa, em Portugal, pensa que a anomalia pode ser o resultado de um “elo perdido entre movimentos lineares e angulares” não descobertos.

O movimento linear, ou momento, é o resultado da massa de um objeto multiplicada por sua velocidade; o movimento angular é a versão rotacional do mesmo conceito. Pinheiro prevê que uma força não descoberta que ele chama de corrente de torção topológica, ou TTC, pode converter diretamente o movimento angular em momento linear de maneiras que não são previstas pela física padrão.

Se a anomalia do voo for real, os cientistas esperariam ver mudanças estranhas na velocidade da espaçonave em torno de outros planetas além da Terra, o que pode sugerir a causa subjacente da discrepância. É por isso que uma equipe liderada por Luis Acedo, professor de matemática da Universidade de Extremadura, na Espanha, manteve o controle sobre Juno quando ele chegou a Júpiter em 2016.

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Sonda espacial Juno perto da ilustração 3D de Júpiter. Créditos: Nostalgia for Infinity/ Shutterstock

Acedo havia proposto, em 2014, que um campo gravitomagnético hipotético pode ter sido a causa da anomalia. Mas esta foi “uma proposta puramente fenomenológica” que ele não pensa ser a solução correta. “Atualmente, estou trabalhando em algumas extensões da relatividade geral com torção no espaço-tempo que preveem forças semelhantes e que podem colocar tudo isso sob uma estrutura teórica sólida”, observou Acedo em um e-mail.

Os cientistas tendem a ter sentimentos confusos quando suas previsões não correspondem aos dados observados. Com essa última teoria, as nuances embutidas dentro da famosa teoria de Einstein poderiam render insights sobre a discrepância persistente. Pode até haver uma maneira de testar o link potencial da relatividade geral para a anomalia de voo usando satélites com órbitas elípticas excêntricas.

Seja como for, nenhuma dessas hipóteses foi comprovada e isso significa que devemos estar perdendo algo importante, o que é irritante quando você está tentando entender os caprichos do universo. As anomalias do sobrevoo são um enigma puramente fenomenológico até o momento, então sua ausência em um sobrevoo particular não justifica a rejeição do resto dos casos nos outros sobrevoos, de acordo com Acedo.

Pode ser que nunca descubramos o que causa a anomalia. Ela apareceu de maneiras tão diferentes que gerou montanhas de especulação sobre a natureza de nossas interações com nosso cosmos, com especialistas interdisciplinares de todo o mundo avaliando a partir de suas perspectivas únicas. Mas dito isso, as lacunas entre o que esperamos e o que realmente vemos geralmente levam a descobertas importantes que remodelam nossas suposições fundamentais.

Fonte: Vice