A Anomalia do Atlântico Sul é uma região localizada entre a costa do continente africano e a América do Sul, em que o campo magnético terrestre – que serve de escudo contra a radiação solar – é especialmente fraco. Apelidada de “Triângulo das Bermudas espacial“, a área é particularmente perigosa para satélites e espaçonaves, que acabam mais vulneráveis a tempestades solares e radiação cósmica.

Por isso, cientistas da Nasa, divididos em grupos de pesquisa geomagnética, geofísica e heliofísica, vêm observando a anomalia para monitorar e prever mudanças futuras que podem afetar a atmosfera da Terra e servirem como um indicador do que está acontecendo com os campos magnéticos do planeta.

A menor intensidade do campo magnético na região que se estende do Chile ao Zimbábue permite que o cinturão de radiação da Terra, o Cinturão de Van Allen, se aproxime da superfície. Normalmente, os cinturões se estendem a uma altitude entre 1 mil km e 60 mil km, mas nesta área, os raios solares chegam a 200 quilômetros de altura, e a radiação solar mais intensa resulta em um aumento do fluxo de partículas energéticas.

Esta animação mostra a diminuiução da força do campo magnético na superfície da Terra de 2014 a 2020, com base em dados coletados pela constelação de satélites Swarm. Vídeo: ESA/Division of Geomagnetism/DTU Space

A radiação dessas partículas pode danificar os computadores de bordo e interferir na coleta de dados dos satélites que passam por ela – um dos principais motivos pelos quais os cientistas da Nasa desejam rastrear e estudar a anomalia.

Os satélites que passam por essa região experimentam quantidades mais altas de radiação a ponto de ocorrerem danos. É como uma descarga elétrico súbita. Com mais radiação recebida, um satélite pode ser sobrecarregado e sofrer danos graves”, explica o professor de geofísica da Universidade de Rochester, John Tarduno.

Na Anomalia do Atlântico Sul, os objetos em órbita são bombardeados por prótons que excedem as energias de 10 milhões de elétron-volts a uma taxa de 3 mil “acertos” por centímetro quadrado por segundo. Atualmente, a anomalia não cria impactos visíveis na vida diária na superfície. No entanto, observações e previsões recentes mostram que a região está se expandindo para o oeste e continuando a enfraquecer em intensidade.

Pontos brancos no mapa indicam eventos individuais quando instrumentos registraram o impacto da radiação de abril de 2014 a agosto de 2019. Vídeo: ESA/Division of Geomagnetism/DTU Space

A região também está se dividindo – dados recentes mostram que o vale da anomalia, a região de força de campo mínima, se dividiu em dois lóbulos, criando desafios adicionais para missões de satélite.

Mas que causa a Anomalia do Atlântico Sul? O formato da Terra é um dos fatores. O planeta não é perfeitamente redondo (mas está longe de ser plano ou côncavo), mas ligeiramente achatado nos polos e mais larga no equador. Além disso, o campo dipolo magnético é deslocado do centro em cerca de 500 km. É nessa diferença que os raios cósmicos conseguem chegar mais próximos da superfície e o isolamento do espaço interplanetário é menor.

 

ESA/Reprodução

Cinturões de radiação da Terra com a Anomalia do Atlântico Sul (“South Atlantic Anomaly”, ou SAA) indicada. Imagem: ESA

À medida que o movimento do núcleo terrestre muda com o tempo – devido às complexas condições geodinâmicas em seu interior e na fronteira com o manto sólido acima – o campo magnético também flutua no espaço e no tempo. Esses processos dinâmicos se propagam para o campo magnético ao redor do planeta, gerando a anomalia e outras características no ambiente próximo à Terra – incluindo a inclinação e a deriva dos polos magnéticos.

“O campo magnético é na verdade uma superposição de campos de muitas fontes”, explica o geofísico Terry Sabaka, do Goddard Space Flight Center. As forças no núcleo e a inclinação do eixo magnético juntas produzem a anomalia, a área de magnetismo mais fraco – permitindo que partículas carregadas presas no campo magnético da Terra mergulhem mais perto da superfície.

A Estação Espacial Internacional, que está em órbita baixa da Terra, também passa pela anomalia. A base e seus astronautas estão bem protegidos contra danos, mas a ISS tem outros passageiros afetados pelos níveis de radiação mais altos: Instrumentos como a missão Global Ecosystem Dynamics Investigation (GEDI).

“A anomalia causa ‘blips’ nos detectores da GEDI e reinicializa os painéis de energia do instrumento cerca de uma vez por mês”, conta Bryan Blair, pesquisador adjunto da missão e cientista de instrumentos do Goddard. “Isso causa algumas horas de perda de dados, mas só acontece a cada mês ou mais”, completa.

Além de medir a força do campo magnético da Anomalia do Atlântico Sul, os cientistas da Nasa também analisam a radiação de partículas na região. Um estudo liderado pela heliofísica Ashley Greeley usou duas décadas de dados para mostrar que a anomalia está vagarosamente, mas constantemente, à deriva na direção noroeste.

Via: Nasa