Anomalia do Atlântico Sul: conheça o Triângulo das Bermudas espacial

O campo magnético mais fraco em uma região que se estende do Chile até o Zimbábue faz com que satélites e espaçonaves tenham que ser desligados para prevenir dados aos seus sistemas
Renato Mota09/07/2020 16h57

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Existe uma região na órbita terrestre onde o nosso campo magnético é mais fraco, e como resultado satélites e espaçonaves estão mais vulneráveis a tempestades solares e radiação cósmica. A área, conhecida como Anomalia do Atlântico Sul, ganhou o apelido de “Triângulo das Bermudas espacial”, em referência à região do Atlântico Norte onde mais de 50 navios e 20 aviões desapareceram desde meados do século 19.

“Não gosto do apelido, mas nessa região a menor intensidade do campo geomagnético acaba resultando em uma maior vulnerabilidade dos satélites a partículas energéticas, a ponto de ocorrerem danos às espaçonaves enquanto eles atravessam a região”, explica o professor de geofísica da Universidade de Rochester, John Tarduno, em entrevista à revista All About Space.

A menor intensidade do campo magnético na região que se estende do Chile ao Zimbábue permite que o cinturão de radiação da Terra, o Cinturão de Van Allen, se aproxime da superfície. Normalmente, os cinturões se estendem a uma altitude entre 1 mil km e 60 mil km, mas nesta área, os raios solares chegam a 200 quilômetros de altura, e a radiação solar mais intensa resulta em um aumento do fluxo de partículas energéticas.

“Assim, os satélites que passam por essa região experimentam quantidades mais altas de radiação a ponto de ocorrerem danos. É como uma descarga elétrico súbita. Com mais radiação recebida, um satélite pode ser sobrecarregado e sofrer danos graves”, afirma Tarduno. Na Anomalia do Atlântico Sul, os objetos em órbita são bombardeados por prótons que excedem as energias de 10 milhões de elétron-volts a uma taxa de 3 mil “acertos” por centímetro quadrado por segundo.

Pontos brancos no mapa indicam eventos individuais quando instrumentos registraram o impacto da radiação de abril de 2014 a agosto de 2019. Vídeo: ESA/Division of Geomagnetism/DTU Space

Esse “ataque” afeta os sistemas eletrônicos a bordo das espaçonaves, o que dificulta a operação desses objetos e força as agências espaciais e outros operadores de satélite a desligá-los ou colocá-los em “modo de segurança”. Até o telescópio Hubble é uma vítima frequente: ele passa pela região dez vezes por dia, e é incapaz de coletar dados astronômicos durante esses momentos (que representam 15% do seu tempo de atividade).

A anomalia também parece afetar astronautas. A Estação Espacial Internacional é especialmente reforçada nas suas áreas mais frequentadas, como galerias e dormitórios. Alguns dos ocupantes já relataram ter visto estranhas luzes brancas piscando diante de seus olhos quando passando pela região. Desde então, os astronautas usam dispositivos que medem sua exposição pessoal à radiação ionizante em tempo real, e enviam um aviso se atingirem níveis perigosos.

Mas que causa a Anomalia do Atlântico Sul? O formato da Terra é um dos fatores. O planeta não é perfeitamente redondo (mas está longe de ser plano ou côncavo), mas ligeiramente achatado nos polos e mais larga no equador. Além disso, o campo dipolo magnético é deslocado do centro em cerca de 500 km. É nessa diferença que os raios cósmicos conseguem chegar mais próximos da superfície e o isolamento do espaço interplanetário é menor.

ESA/Reprodução

Cinturões de radiação da Terra com a Anomalia do Atlântico Sul (“South Atlantic Anomaly”, ou SAA) indicada. Imagem: ESA

Além disso, o movimento do metal líquido que flui no núcleo da Terra (e que gera o campo magnético) faz com que os polos não sejam permanentes. No momento, por exemplo, o campo magnético está enfraquecendo na área da anomalia, fazendo com que ela cresça e, segundo alguns estudos, se divida em dois núcleos.

Esse aumento é preocupante, pois não apenas tornará mais frequentes problemas com equipamentos eletrônicos, mas também poderá levar a uma maior prevalência de câncer. De acordo com dados da Agência Espacial Europeia (ESA), o campo magnético na região perdeu cerca de 15% de sua força nos últimos 150 anos. Antes de 1994, o polo norte magnético movia-se a 10 km por ano, mas acelerou para cerca de 65 km por ano desde 2001.

Esta animação mostra a diminuiução da força do campo magnético na superfície da Terra de 2014 a 2020, com base em dados coletados pela constelação de satélites Swarm. Vídeo: ESA/Division of Geomagnetism/DTU Space

Pesquisadores também estão preocupados com uma possível inversão geomagnética. Neste fenômeno os polos norte e sul mudam de posição (ou seja, o norte magnético ficará perto do sul geográfico, e vice-versa), embora não haja consenso entre os cientistas se estamos passando por este processo ou não. Cerca de 183 reversões ocorreram nos últimos 83 milhões de anos, com a mais recente 780 mil anos atrás.

“O desaparecimento do campo magnético da Terra não é uma preocupação até muitos bilhões de anos no futuro”, avalia Tarduno. “Mesmo durante tempos de reversões magnéticas, existe um campo magnético, embora muito mais fraco e muito mais complexo do que o presente. O rápido declínio na força do campo magnético dipolar nos últimos 160 anos e o padrão de decaimento dão algum apoio à consideração disso como uma possibilidade, mas num curto espaço de tempo isso ainda é especulação”, completa o professor.

Via: Space.com

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital