Nesta quarta-feira (27) a SpaceX tentará fazer história e se tornar a primeira empresa privada a colocar seres humanos em órbita. É um feito significativo: desde 1961 as missões tripuladas são exclusividade de programas governamentais, primeiro na União Soviética, seguida pelos EUA e, mais recentemente, a China.
Mas não será assim por muito tempo: outras empresas, como a Boeing e a Blue Origin, de Jeff Bezos, estão desenvolvendo seus sistemas tripulados. Algumas, como a Blue Origin, tem seus olhos muito além de missões orbitais e planos para chegar à Lua. A própria SpaceX pretende colonizar Marte.
Quer saber como chegamos a este ponto? Vamos relembrar.
Os primeiros passos
Desde o voo de Yuri Gagarin com a Vostok 1, em 12 de Abril de 1961, apenas governos nacionais foram capazes de desenvolver programas espaciais tripulados. Além da União Soviética, os EUA (com John Glenn a bordo da Friendship 7 em 1962) e a China (com a Shenzou 5 em 2003) também desenvolveram esta capacidade.
O primeiro voo espacial tripulado da humanidade foi realizado por Yuri Gagarin a bordo da cápsula Vostok 1, lançada pela União Soviética em 12 de Abril de 1961. A missão durou 108 minutos, durante os quais Gagarin completou uma órbita ao redor da Terra. Curiosamente, o cosmonauta não pousou com sua cápsula: ele se ejetou a cerca de 7 km de altura e pousou de para-quedas.
A cápsula Vostok 1 usada por Yuri Gagarin. Crédito: SiefkinDR, CC-BY-SA 3.0
Os EUA realizaram seu primeiro lançamento menos de um mês depois, com Alan Shepard a bordo da cápsula Freedom 7. Ela foi transportada ao espaço por um foguete Mercury-Redstone, um derivado de um míssil balístico intercontinental (ICBM) desenvolvido, ironicamente, para atingir alvos na União Soviética.
Alan Shepard a bordo da Freedom 7. Fonte: Nasa.
Ao contrário de Gagarin, o voo de Shepard foi suborbital: a cápsula subiu em uma trajetória parabólica até uma altitude de 187,5 km antes de pousar, 15 minutos depois no atlântico norte, próximo das Bahamas. Shepard pousou dentro de sua cápsula, se tornando o primeiro astronauta a fazer isto.
O primeiro voo orbital dos EUA foi realizado em 20 de fevereiro de 1962, pouco mais de 10 meses depois de Gagarin, com o astronauta John Glenn a bordo da Friendship 7. A cápsula completou três órbitas ao redor da Terra antes de pousar no Atlântico Norte, e a missão teve uma duração total de quatro horas, 55 minutos e 23 segundos.
John Glenn a bordo da Friendship 7. Fonte: Nasa
Além da órbita
Em 21 de dezembro de 1968 a Apollo 8 ser tornou a primeira espaçonave tripulada a deixar a órbita terrestre e circular a Lua, na missão Apollo 8. Depois de sair atrás da União Soviética na corrida espacial, os EUA finalmente tomavam a dianteira. Foi durante a Apollo 8 que foi feita uma foto da Terra sobre o horizonte lunar, conhecida como Earthrise, que se tornou um símbolo da corrida espacial.
Earthrise, foto do “nascer da Terra” sobre o horizonte lunar. Fonte: Nasa
O grande prêmio veio em 20 de Julho de 1969, quando o módulo Lunar Eagle, parte da missão Apollo 11, pousou no mar da tranquilidade, na Lua, carregando os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin. Pela primeira vez a humanidade pisava em outro corpo celeste.
Os astronautas deixaram na superfície lunar, presa à escada do Eagle, uma placa com os dizeres: “Aqui, homens do Planeta Terra pisaram pela primeira vez na Lua em julho de 1969, D.C. Viemos em paz por toda a humanidade”.
A União Soviética nunca pousou astronautas na Lua, devido a sucessivas falhas no programa de construção de seu foguete Lunar, o N1. A última missão tripulada à Lua foi a Apollo 17, lançada em 7 de dezembro de 1972.
Atualmente a Nasa trabalha em um novo programa Lunar chamado Artemis, que pretende levar homens, e mulheres, à Lua em 2024.
Chegam os chineses
Entre 1961 e 2003 os EUA, a União Soviética e sua “sucessora”, a Rússia, dominaram os voos tripulados. Embora outros países tenham lançado astronautas ao espaço neste período, isto sempre foi feito a partir de espaçonaves como os ônibus espaciais norte-americanos ou foguetes e cápsulas Soyuz, desenvolvidos pela USSR e Rússia, cujos descendentes estão em uso até hoje.
A China se juntou ao seleto clube de nações capazes de realizar missões tripuladas em 15 de outubro de 2003, quando um foguete Longa Marcha 2F levou a cápsula Shenzou 5 ao espaço, com o “taikonauta” (nome dado aos astronautas chineses) Yang Liwei a bordo.
Ao longo de 21 horas Liwei completou 14 órbitas ao redor da Terra, antes de pousar no deserto da Mongólia. Desde então, a China lançou seis missões tripuladas no programa Shenzou, com um total de 14 astronautas a bordo.
A vez do Brasil
Em 30 de Março de 2006, um momento de orgulho para os brasileiros: Marcos Cesar Pontes, atual Ministro da Ciência e Tecnologia do governo de Jair Bolsonaro, se tornou o primeiro astronauta brasileiro (e também o primeiro de língua portuguesa) quando decolou do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, para uma missão de uma semana na ISS a bordo da missão Soyuz TMA-8.
Marcos Pontes a bordo do módulo norte-americano da ISS em 2006. Fonte: Nasa
Pontes inicialmente voaria a bordo de um ônibus espacial norte-americano e completou treinamento da Nasa como especialista de missão em dezembro de 2000, sendo oficialmente certificado como um astronauta. Entretanto, com o cancelamento de um acordo entre a Nasa e a Agência Espacial Brasileira (AEB) para construção de um módulo para a ISS, a missão foi transferida para a Rússia em 2005.
Pontes completou treinamento em Star City, próxima a Moscou, para se familiarizar com o equipamento e procedimentos russos antes de seu voo. Sua visita à ISS coincidiu com as comemorações dos 100 anos do primeiro voo do 14-Bis de Santos-Dumont, considerado por muitos como o pai da aviação.
Missões privadas
A Demo-2 não será a primeira missão tripulada privada a atingir o espaço. Esta honra pertence à Scaled Composites, empresa fundada pelo projetista de aeronaves Burt Rutan.
Em 21 de junho de 2004 a espaçonave SpaceShipOne, comandada pelo piloto Mike Melvill, se separou do avião de transporte White Knight a uma altitude de 14 km, acionou seu foguete e chegou a uma altitude de 100,12 quilômetros, tecnicamente acima da linha Kárman, reconhecida pela Federação Aeronáutica Internacional como o limite do espaço.
Um segundo voo, 16P, aconteceu em 29 de setembro de 2004, atingindo uma altitude de 102,9 km, também sob comando de Melvill. Em um terceiro voo, em 4 de outubro de 2004, a SpaceShipOne atingiu 112,01 quilômetros de altitude sob o comando de Brian Binnie.
Segundo voo da SpaceShip One.
Com a missão 17P a Scaled Composites conquistou o Ansari X Prize, competição organizada pela X Prize Foundation que oferecia um prêmio de US$ 10 milhões (cerca de R$ 53 milhões) para a primeira organização não-comercial a lançar uma aeronave tripulada reutilizável ao espaço em um espaço de duas semanas.
O que torna os voos da Scaled Composites diferentes da missão da SpaceX é que eles foram suborbitais, como o primeiro voo de Shepard em 1961. A Demo-2, além de entrar em órbita, chegará a uma altitude muito maior, se acoplando à ISS a 410 km de altitude.