Estudo sugere a existência de buracos negros ‘estupendamente grandes’

Nova categoria englobaria objetos com uma massa 22 mil vezes maior do que o buraco negro supermassivo que fica no centro da Via Láctea - e pode ajudar a explicar a matéria escura
Renato Mota21/09/2020 17h20

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O maior buraco negro que conhecemos é TON 618, um quasar a 10,4 bilhões de anos-luz, com 66 bilhões de vezes a massa do Sol. Mas um trio de cientistas está propondo que esses corpos celestes podem atingir tamanhos ainda maiores, os chamados “buracos negros estupendamente grandes” (“stupendously large black holes”, ou SLABs) com a massa de 100 bilhões de sóis ou mais.

Os dois teóricos da cosmologia, Florian Kühnel, da Ludwig Maximilian University em Munique e Bernard Carr, da Queen Mary University de Londres, e Luca Visinelli, astrofísico de partículas da Universidade de Amsterdã ainda vão além: esses gigantes podem ajudar a explicar a natureza de uma fração significativa da matéria escura. Os cientistas detalharam suas descobertas em um estudo que está no banco de dados de pré-impressão arXiv – e ainda carecem de revisão formal por pares.

A maioria (senão todas) as galáxias possuem um buraco negro supermassivos no seu centro. A Via Láctea, por exemplo, gira em torno de Sagittarius A* (Sgr A*), que tem cerca de 4,5 milhões de massas solares. Os buracos negros estupendamente propostos por Kühnel  e Carr seriam mais de 22 mil vezes maiores.

“É surpreendente que pouca atenção tenha sido dada à possível existência de buracos negros estupendamente massivos até agora, porque eles poderiam existir em princípio”, afirma Kühnel em entrevista ao Space.com. “Já existem evidências de buracos negros com massas de quase 100 bilhões de sóis em núcleos galácticos, então é concebível que SLABs existam e podem até ter sido semeados por buracos negros primordiais”, acreditam os pesquisadores.

NASA/JPL-Caltech

Buracos negros supermassivos nos núcleos das galáxias lançam radiação e ventos ultrarrápidos. Imagem: Nasa/JPL-Caltech

Existem, a princípio, duas possibilidades de como os SLABs podem se formar: antes ou depois da criação de sua galáxia hospedeira. No último caso, um buraco negro supermassivo “normal” poderia ganhar grandes quantidades de matéria até crescer e se tornar “estupendamente grande”.

Porém, quando um buraco negro se alimenta de gás, a matéria em queda forma um disco de acreção extremamente quente ao seu redor e, portanto, libera uma forte emissão de raios X. Como até hoje nunca foi observada uma emissão que pudesse ser compatível com SLABs, os pesquisadores partiram para a alternativa: buracos negros primordiais.

A questão central para determinar a existência dos SLABs é se eles poderiam se formar em primeiro lugar, já que não há certeza até sobre como os buracos negros supermassivos nascem. A suposição convencional é que à medida que buracos negros menores se fundiram e engoliram matéria ao seu redor, buracos negros supermassivos começaram a surgir.

“No entanto, pesquisas anteriores descobriram que este modelo enfrenta alguns desafios quando se trata de explicar como os buracos negros poderiam ter alcançado tamanhos supermassivos quando o universo tinha apenas alguns bilhões de anos”, afirma Bernard Carr. Para resolver esses problemas e sugerir a existência de SLABs, Carr, Visinelli e Kühnel regrediram até os primeiros momentos após o Big Bang.

ESO/M. Kornmesser

Ilustração de ULAS J1120 + 0641, um quasar alimentado por um buraco negro com uma massa dois bilhões de vezes a do Sol, apenas 770 milhões de anos após o Big Bang. Este quasar é o objeto mais brilhante já descoberto no início do universo. Imagem: ESO / M. Kornmesser

A ideia é que buracos negros supermassivos regulares e buracos negros estupendamente grandes formaram dobras nos chamados “buracos negros primordiais”. Especula-se que um segundo após o Big Bang, flutuações aleatórias de densidade no universo recém-nascido (quente e em rápida expansão) podem ter concentrado bolsões de matéria. Algumas dessas flutuações, que ao longo do tempo também deram origem às galáxias e aglomerados de galáxias, podem ter entrado em colapso sob sua gravidade e, assim formado os buracos negros primordiais.

Esses corpos ainda não foram confirmados pela ciência, mas são candidatos também à formadores matéria escura do universo. Uma variedade de observações diferentes restringe as massas possíveis de buracos negros primordiais a quatro regimes diferentes: tamanho do asteroide, tamanho lunar, intermediário e SLAB. Consequentemente, buracos negros estupendamente grandes podem ser buracos negros primordiais muito massivos.

Se buracos negros primordiais existem, eles podem ajudar a explicar o que é a matéria escura – o misterioso material que constitui a maior parte da matéria do cosmo, mas nunca foi observada. Os cientistas só podem estudá-la a partir de seus efeitos gravitacionais na matéria normal. Por suas características que os diferem dos buracos negros estelares, esses buracos negros primordiais são candidatos a formar a matéria escura.

ESO/ESA/Hubble, M. Kornmesser

Ilustração de um buraco negro supermassivo cercado por um disco de acreção. Choques nos destroços em colisão, bem como calor gerado na acumulação, levaram a uma explosão de luz, semelhante a uma explosão de supernova. Imagem: ESO, ESA / Hubble, M. Kornmesser

Os pesquisadores, porém, ainda precisam detectar buracos negros estupendamente grandes. Os autores do artigo discutem três mecanismos diferentes, pelos quais essa detecção pode ser feita: pela distorção da luz causa pelos poderosos efeitos gravitacionais, por meio dos efeitos que eles teriam em seu ambiente (como galáxias que se distorcem) ou por calor, luz e outras radiações que eles podem emitir.

“Sabemos que os buracos negros existem em uma vasta gama de massas, então é natural perguntar se existe algum limite superior natural”, acredita Carr. “Algumas pessoas podem ser céticas sobre a existência de SLABs com o fundamento de que seriam difíceis de se formar. No entanto, as pessoas também eram céticas sobre buracos negros de massa intermediária e supermassivos até serem encontrados. Não sabemos se SLABs existem, mas esperamos que nosso artigo motive a discussão entre a comunidade”, completa.

Via: Space.com

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital