WhatsApp completa uma década de existência mais pressionado do que nunca

Renato Santino22/02/2019 23h53, atualizada em 24/02/2019 17h00

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O WhatsApp alcança neste domingo, 24 de fevereiro, a marca de 10 anos de existência. Não são tantas empresas de tecnologia que conseguem chegar a este ponto: a maioria fecha as portas muito antes. Também são poucas as empresas que chegam ao seu décimo aniversário tão pressionadas quanto o aplicativo de mensagens do Facebook.

Desde sua fundação, o app foi norteado pela privacidade, o que fez com que seus fundadores se recusassem a exibir publicidade. A popularidade do WhatsApp aliada à sua criptografia de ponta-a-ponta, faz com que ele se torne uma ferramenta altamente visada por governos do mundo inteiro. Isso porque, ao oferecer comunicações protegidas entre seus usuários, o WhatsApp também dificulta consideravelmente investigações policiais e ações de espionagem em sua plataforma.

Isso tem feito com que cada vez mais governos pressionem o aplicativo a oferecer uma forma de quebrar essa criptografia, possibilitando a interceptação e leitura do conteúdo trocado por usuários que despertem algum tipo de interesse das autoridades. O WhatsApp, por sua vez, se recusa a fazer isso terminantemente.

Mas por que o WhatsApp se recusa a fazer isso? A questão é complexa, mas pode ser facilmente entendida com uma analogia: imagine a porta da sua casa aberta; se você permitir que ela fique assim, um policial ou um bombeiro pode ter mais facilidade para entrar em um momento que você precise de socorro. No entanto, a mesma porta aberta pode ser usada para um ladrão entrar na sua residência e roubar as suas coisas.

A questão da criptografia é bastante similar a esta porta aberta. Se o WhatsApp decidir criar uma brecha que facilite a quebra da sua criptografia a pedido das autoridades, a mesma brecha pode ser usada pelo cibercrime para espionar o conteúdo das suas mensagens. E atualmente, o WhatsApp é usado na comunicação interna de empresas, profissionais usam para falar com clientes, pessoas trocam fotos íntimas, trocam informações de documentos privados, trocam número de cartão de crédito… há uma infinidade de conteúdo sensível circulando diariamente pelo aplicativo. E, lembre-se, não há como controlar quem passa por uma porta aberta.

Isso cria um clima de permanente tensão entre o WhatsApp e as autoridades que só tende a se agravar com o aumento da popularidade. O Reino Unido já tentou pressionar aplicativos de mensagens a abrandarem a criptografia; o mesmo já aconteceu na Austrália e na Índia, onde houve um surto de linchamentos com base em boatos. Até mesmo no Brasil essa situação já foi discutida após a apresentação do pacote “anticrime”, do ministro Sérgio Moro.

E engana-se quem pensa que essa pressão vem apenas de fora. Uma matéria do Washington Post de abril de 2018 indicou um racha entre a direção do Facebook e os diretores do WhatsApp; o motivo seria justamente a criptografia. A ideia seria que o WhatsApp adotasse uma criptografia mais fraca para facilitar alguns recursos do WhatsApp Business, a versão do aplicativo voltada para empresas. No mesmo dia da publicação desta matéria, Jan Koum, um dos fundadores do WhatsApp, anunciou sua saída do Facebook, o que apenas reforçou a hipótese de que Facebook e WhatsApp não estavam na mesma página em relação a criptografia.

Também há cada vez mais uma preocupação sobre a possibilidade de controlar o que circula dentro do aplicativo, o que também não é simples de ser feito atualmente justamente pela questão da criptografia. O app já foi questionado pelo fato de haver grupos enormes e ativos que usam a plataforma para troca de imagens e vídeos de pornografia infantil e não conseguir fazer nada a respeito.

Na Índia, onde o aplicativo também é muito forte, houve uma onda de mortes causadas por linchamentos originados de boatos circulando livremente por meio da plataforma. Isso fez com que o WhatsApp decidisse limitar o encaminhamento de mensagens para até cinco conversas no mundo inteiro, para evitar a disseminação de informações falsas, as chamadas “fake news”.

E, claro, o Brasil também tem sua dose de problemas com o WhatsApp. O aplicativo já foi bloqueado nacionalmente duas vezes em 2016 pela incapacidade de cooperar com investigações policiais. O aplicativo também teve papel fundamental nas últimas eleições para a difusão de todo tipo de boato impossível de rastrear, o que chamou a atenção do resto do mundo para o impacto político de uma ferramenta assim.

Então, parabéns ao WhatsApp pelos seus primeiros 10 anos. Agora vamos ver qual caminho a empresa opta por seguir pela próxima década; ela irá conseguir manter sua filosofia ou precisará se adaptar a tantas outras vontades para continuar existindo? A resposta teremos apenas em 2029.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital