Cada pessoa é única. Cada uma tem gostos pessoais, número de RG, de telefone, da conta bancária, contatos de amigos, conversas particulares, cadastros em sites e informações que dizem que você é você. Na era digital, tudo isso foi convertido em números. Ou seja, nós fomos convertidos em vários zeros e uns que podem ser compreendidos pelos computadores. Isso tudo são os seus dados. E eles se transformaram numa das mercadorias mais valiosas do planeta, capazes de criar e sustentar empresas gigantescas como Google, Facebook e Amazon, apenas para citar algumas.
Se a gente pode entender o uso dos dados pessoais como uma nova forma de capitalismo, o maior problema é quando esse uso é feito sem o seu consentimento. E, pior, quando os seus dados são usados para manipular o jeito que você pensa. É difícil de aceitar, mas, pode acreditar tem gente que se especializou em técnicas que influenciam suas opiniões, o seu jeito de ver o mundo. Tudo é muito sutil, e vai muito além de simplesmente ficar mostrando aquele banner de viagem o tempo todo só porque você visitou um site de turismo…
O grau de sofisticação dessa manipulação das nossas opiniões ficou mais claro 3 anos atrás. Em 2016, a Cambridge Analytica, uma empresa inglesa de análise de dados, trabalhou na campanha do atual presidente Donald Trump. E ela fez isso coletando milhares de dados de usuários do Facebook. A partir de uma base de usuários, eles conseguiram traçar o perfil psicológico de todos os cidadãos do país. É bom lembrar que estamos falando de mais de 300 milhões de pessoas. Do ponto de vista tecnológico, um feito admirável. O problema é que, com essas informações em mãos, o sistema foi usado para influenciar as escolhas dos eleitores. Num trabalho super meticuloso e preciso, os eleitores começaram a ser manipulados por meio de posts nas redes sociais. E não ache que você pode estar imune a essa influência… basta lembrar da última conversa que você teve com seus amigos… a chance de que algum deles tenha tocado em algum assunto visto nas redes sociais é de quase 100%. Assim, aos poucos esse novo tipo de engenharia consegue direcionar grupos gigantescos de pessoas para um lado ou para outro. Sempre obedecendo quem paga mais.
A preocupação com esse problema tem levado governos a discutir leis que digam o que as empresas podem e o que não podem fazer com seus dados. A Europa saiu na frente, ao criar sua lei para proteger os dados dos cidadãos. Aqui no Brasil, a discussão é recente. A Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, foi sancionada em julho deste ano.
Agora com a lei, a ideia é que qualquer um possa solicitar às empresas quais dos seus dados estão armazenados e, até pedir que eles sejam excluídos. Aliás, toda a história da Cambridge Analytica só foi desvendada porque um professor de Nova York não aceitava não ter controle sobre seus dados. A história de como ele foi à justiça por seus direitos está contada no ótimo documentário The Great Hack, da Netflix. A lei brasileira estabelece regras claras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais, e as multas são pesadas: chegam até 50 milhões de reais. Quem ficará responsável por fiscalizar e multar as empresas e órgãos irregulares será uma agência reguladora, criada pelo governo federal. Porém, ela ainda não saiu do papel.
A lei entrará em vigor em agosto de 2020. Todo o mercado, que usa dados de alguma forma, terá que se adequar à nova realidade. Isso inclui empresas, ONGs, órgãos públicos, igrejas e até quem obtém dados de uma maneira offline, anotadas em um caderno, por exemplo. Claro que o efeito da lei chega primeiro em grandes companhias que lidam diariamente com muitas informações de muita gente. Mas, a maior parte das companhias não está pronta para esse novo cenário. Segundo uma pesquisa realizada pela Serasa Experian, cerca de 85% das empresas brasileiras não se sentem prontas para atender as novas regras da Lei Geral de Proteção de Dados.
Faltando um ano para a lei entrar em vigor, essa empresa, que presta serviço de e-commerce para grandes indústrias, vem se preparando. Com 8 anos de mercado, ela lida com dados de 20 milhões de consumidores. Para fazer todas as modificações internas exigidas pela LGPD, a empresa vai precisar gastar 1 milhão e meio de reais.
A tecnologia específica nesse caso é a criação de mecanismos que ofereçam ao usuário o acesso a seus dados de uma maneira simples, e que ele possa pedir a exclusão deles e ainda, se quiser, conseguir uma “prova” ou “extrato” contendo todas as suas informações em apenas um clique. Como é um trabalho complexo, está surgindo até um profissional que será a ponte entre a agência reguladora e as empresas: O DPO, Data Protect Officer, ou em português, o Encarregado de proteção de dados. A lei exige a presença desse profissional, dependendo do tamanho e finalidade da empresa.
Entender como nossos dados são usados e manipulados não é fácil. Empresas como o Google têm milhares de PHDs contratados apenas para lidar com isso. A nós, usuários comuns, resta a conscientização: fique atento aos termos de uso de sites, redes sociais e aplicativos. Se alguém pedir para ter acesso a seus documentos só porque você quer votar na foto de cachorrinho mais bonito, não aceite! Você não precisa oferecer seus dados de graça. E, talvez, mais importante que isso: toda vez que algum amigo compartilhar uma notícia polêmica nas redes sociais, desconfie: pesquise em fontes reconhecidamente sérias antes de acreditar. Seu amigo pode até não ter intenção mas, sem saber, ele já pode ter se tornado um elo na corrente de manipulação digital.