Talvez o melhor jeito para começar a entender o fenômeno dos serviços de streaming seja relembrar o que significa o nome, que é, na verdade, uma tecnologia. Nos primórdios da distribuição de vídeo pela internet, quem produzia material audiovisual tinha uma dúvida técnica: era melhor continuar a apostar na tecnologia de streaming ou migrar para o download progressivo?
Estamos falando de 2005 e, naquele momento, quando banda larga simplesmente não existia, a tecnologia de download progressivo foi a vencedora. Pelo download progressivo, os arquivos de vídeo são divididos em pacotes que são literalmente baixados na máquina do usuário, em uma memória temporária, que ficou conhecida como buffer. E daí veio o termo “buferizar”.
Antigamente, era comum dar pausa no vídeo e esperar até que ele baixasse completamente para poder ser assistido. Essa tecnologia está aí até hoje, só que, com velocidades maiores de conexão, não é mais preciso esperar o vídeo baixar para assistir.
Ao contrário do download progressivo, o streaming transmite continuamente os pacotes de dados que compõem os arquivos de vídeo. Por isso, sua adoção foi mais difícil lá atrás, no começo da internet, quando as conexões eram muito mais lentas.
Com a evolução da tecnologia e a melhoria das velocidades de conexão, o streaming ganhou força e abriu espaço para o surgimento de um novo modelo de negócios, cujo grande expoente mundial é hoje a Netflix. A partir do streaming, ficou mais fácil distribuir conteúdo audiovisual com menor risco de pirataria.
Ao contrário do download progressivo – em que copiar qualquer vídeo da internet é super fácil –, no streaming essa cópia é quase impossível porque os arquivos são transmitidos em tempo real entre os servidores e os aparelhos receptores. Vencido esse obstáculo – e provado que esse, sim, pode ser um negócio gigantesco –, a Netflix passou a ganhar concorrentes.
A primeira foi o serviço Amazon Prime – que, aliás, foi criado antes mesmo da Netflix, mas não tinha recebido tanta atenção da Amazon até que a Netflix começou a fazer sucesso. A Netflix, aliás, além de apostar todas as fichas na tecnologia de streaming, inovou ao mudar o modo como os conteúdos – especialmente as séries – são distribuídos: não é mais preciso esperar episódios semanais, porque as temporadas são oferecidas inteiras, de uma só vez. A estratégia foi tão bem recebida pelo público que até se criou um novo termo: “binge watching”. O famoso “maratonar” aqui no Brasil.
A aposta na tecnologia e a mudança na distribuição do conteúdo vieram acompanhadas de um enorme investimento em produção própria. Entre 2019 e 2020, a empresa deve gastar cerca de US$ 15 bilhões apenas em produções próprias.
A força do novo momento é tão grande que a base de assinantes de operadoras de TV por assinatura vem diminuindo dramaticamente. No Brasil, a queda é acentuada, mas, nos EUA, ela é vertiginosa. A expectativa é que, apenas em 2019, as operadoras de lá percam cerca de 5 milhões de assinantes. E esse encolhimento só deve acelerar nos próximos anos.
Como o mercado de streaming se tornou tão grande, naturalmente, outras empresas resolveram se arriscar. A Amazon despertou e colocou carvão na fornalha da Amazon Prime. E aí surgiram novos participantes. A Disney criou o seu Disney Plus, que estreia nos EUA em 12 de novembro e a Apple, com sua Apple TV Plus, abriu suas operações no primeiro dia de novembro. As apostas da maçã começaram em vários mercados, inclusive no Brasil. O Disney Plus só deve chegar ao Brasil em 2020.
Preocupados com a mudança de comportamento do consumidor, vários canais de televisão aberta e fechada também criaram seus próprios serviços de streaming. Ou seja: o universo desse tipo de serviço está em plena expansão e ainda não dá para saber aonde vai parar.
Essa é uma arena com jogadores gigantes, em que cada um traz sua própria estratégia. A Apple chega ao mercado apostando em preço baixo. O serviço tem preço de estreia abaixo dos R$ 10 por mês no Brasil. A distribuição também é diferente: em vez de despejar todos os episódios das temporadas das séries, a maçã vai apresentar três por semana. A empresa aposta alto em produções próprias – apenas nesse primeiro ano, deve gastar cerca de US$ 6 bilhões na empreitada.
Além disso, já no primeiro ano é possível que a Apple ultrapasse a Netflix em número de assinantes. Isso porque quem comprar aparelhos da empresa (computador, iPhone ou iPad) ganha um ano de assinatura gratuita do serviço. A Apple chega com várias produções próprias de peso, mas não tem nem de longe o catálogo da Netflix no que diz respeito a conteúdo produzido por outros.
A Amazon tem uma operação mais parecida com a da Netflix: oferece temporadas inteiras de uma só vez e tem um grande catálogo de conteúdo licenciado de outros estúdios. A diferença está no preço, que também está na casa dos R$ 10 no Brasil.
A tecnologia do streaming criou um novo mercado e ameaça destruir um antigo, o das TVs por assinatura. Esse novo mercado está em disputa por gigantes da tecnologia, mas tem uma característica interessante: também abre oportunidade para empresas menores, que atuam em nichos. No Brasil, a empresa Looke, por exemplo, tem um bom catálogo de filmes antigos e produções que não são necessariamente blockbusters. Outro serviço é o Darkflix, com filmes de terror. Lá fora, o serviço Criterion aposta em filmes clássicos.
Agora, depois da chegada da Apple TV Plus, todos esperam para conferir qual será o impacto da entrada da Disney no segmento. A maior produtora audiovisual do planeta promete oferecer seu imenso catálogo na íntegra no serviço. São séries, filmes, documentários e uma infinidade de outros programas. Em termos de extensão, ninguém consegue competir.
No ano que vem, o HBO MAX completa a coleção de serviços peso pesado. Além de Game of Thrones, vários outros sucessos estarão no catálogo, assim como novas produções. Já se fala, por exemplo, de uma série ambientada 300 anos antes dos acontecimentos de Game of Thrones. Seria mais uma mistura de dragões, matança e cenários medievais, contando a história dos antepassados de Daenerys.
Ainda não dá para saber como será o futuro da televisão. Mas, como já deu para perceber, a tecnologia já está transformando e vai transformar ainda mais a maneira como consumimos nossas doses diárias de conteúdo e entretenimento.