Quem tentou acessar a Wikipédia em partes da Europa nesta quarta-feira, 3, não conseguiu visualizar qualquer artigo. A enciclopédia virtual saiu do ar em protesto contra uma lei que tramita no Parlamento Europeu e que ameaça o futuro de toda a internet.
Ao acessar a versão em espanhol, italiano ou polonês da Wikipédia nesta quarta, o usuário se depara com uma carta dos editores do site pedindo que os parlamentares europeus não aprovem a chamada “Copyright Directive”, com especial crítica aos polêmicos artigos 13 e 11 do texto atual.
“Queremos continuar oferecendo um trabalho aberto, livre, colaborativo e gratuito com conteúdo verificável”, diz o texto na primeira página da Wikipédia espanhola. “Se a proposta for aprovada em sua versão atual, ações como compartilhar uma notícia em redes sociais ou acessá-la por meio de um mecanismo de busca, se tornariam mais complicadas na internet; a própria Wikipedia estaria em risco.”
Jimmy Wales, fundador da Wikipédia, é um dos ativistas mais engajados na campanha contra a Copyright Directive. No Twitter, ele explicou que cada versão regional da Wikipédia tem seus próprios editores, que a iniciativa de “greve” tem sido tomada voluntariamente, e que não é mandatória para todas as versões do mundo – por isso a Wikipédia brasileira continua no ar.
O site continuará fora do ar em países da União Europeia até o fim da votação da lei, marcada para ser realizada na tarde da próxima quinta-feira, 5, segundo informações do TechCrunch.
Mas que lei é essa?
A Copyright Directive propõe uma nova forma de regulamentar a circulação de conteúdo protegido por direitos autorais na web, com o objetivo de combater a pirataria. Mas tem sido encarada como uma ferramenta de censura prévia por ativistas da liberdade de expressão na web.
O pricipal motivo de preocupação é um artigo presente no texto aprovado por um comitê do parlamento há um mês. O Artigo 13, conhecido também como “filtro de uploads”, exige que qualquer plataforma que recebe uploads de usuários – como YouTube, Facebook, Twitter e fóruns em geral – seja responsável por monitorar e filtrar os dados recebidos, para “identificar e prevenir” violações de direitos autorais.
É mais ou menos o que o YouTube já faz com todo vídeo que é colocado em sua plataforma, sempre de olho em usuários tentando subir filmes pirateados ou músicas protegidas, pronto para tirar do ar ou impedir o upload de conteúdos que violem essas regras. A medida seria obrigatória para quase todo site se a lei for aprovada.
Outro ponto polêmico é o Artigo 11, que define o que foi apelidado de “imposto do link”. O trecho exige que plataformas como Facebook e Google paguem para indexar links de empresas de mídia e veículos jornalísticos – algo que a Espanha já tentou fazer no final de 2014, resultando no encerramento de atividades do Google Notícias no país.
Consequências
Um grupo formado por 70 especialistas e ativistas – incluindo o “pai da internet”, Tim Berners-Lee, e a presidente da Mozilla, Mitchell Baker – assina um manifesto que aponta todos os problemas desta proposta, na forma como ela foi aprovada há um mês e como pode virar lei nesta semana.
Na teoria, a Copyright Directive pode ajudar a impedir plágios e a combater a pirataria. Mas, conforme escrevem os 70 especialistas, o problema está na forma como a proposta está escrita – especialmente o polêmico Artigo 13, o “fltro de uploads”.
“Nenhuma das versões do texto define com clareza ou consistência quais plataformas de internet precisarão segui-la”, diz a carta. “A incerteza que resulta disso vai fazer com que plataformas online saiam da Europa e as impedirá de oferecer serviços aos clientes europeus.”
A Comissão Europeia chegou a dizer que, se a Copyright Directive for aprovada em sua forma atual, a Wikipédia não será afetada porque não entra na definição de plataformas que fornecem acesso a “grandes quantidades de conteúdo protegido não autorizado”, mas é coberta por licenças de uso comum.
Mas para o fundador da enciclopédia virtual, isto não é o bastante. “A comunidade da Wikipédia não é tão limitada a ponto de deixar que o resto da internet sofra apenas porque somos grandes o bastante para tentarem nos agradar. A justiça importa”, escreveu Wales no Twitter, em resposta à Comissão Europeia.
E o que o Brasil tem a ver com isso?
Tudo isso parece distante do Brasil, mas não é tanto. Recentemente, o mesmo Parlamento Europeu aprovou uma lei de proteção de dados pessoais conhecida como GDPR. A legislação fez com que os principais serviços de internet do momento – incluindo Netflix, Spotify, Facebook, Instagram, Amazon e muitos outros – atualizassem seus termos de uso, incluindo para usuários brasileiros.
Além disso, a aprovação do GDPR na Europa movimentou diversos países a fazerem algo semelhante. No Brasil, uma comissão do Senado acabou de aprovar uma proposta de lei de proteção de dados inspirada diretamente no GDPR. Em resumo, a Copyright Directive pode trazer consequências para o mundo todo, e não só para a Europa.