95% dos aplicativos para crianças contêm publicidade. E muitas são inadequadas

Rene Ribeiro03/11/2018 20h37, atualizada em 05/11/2018 10h00

20181103175315

Compartilhe esta matéria

Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Mesmo em uma escala menor se comparado aos adultos, as crianças usam celulares, principalmente, para vídeos e jogos.E seus dados de consumo são muitíssimo interessantes para as empresas que criam aplicativos e, consequentemente, também desenvolvem publicidade direcionadas a elas. Com isso, um estudo realizado por pesquisadores do hospital pediátrico CS Mott, da Universidade de Michigan apontou que 95% dos aplicativos de Android para crianças menores do que cinco anos trazem anúncios, ainda que, abaixo de oito anos, elas não consigam diferenciar publicidade de outro tipo de conteúdo,

A pesquisa, publicada no Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics , revela que os jogos são frequentemente interrompidos por pop-ups com anúncios que podem enganar, distrair e não são apropriados para o público infatil. Para chegar a essa conclusão, a equipe de pesquisadores testouos 135 aplicativos mais populares voltados para crianças menores de cinco anos na Play Store.

Pesquisas anteriores avaliaram o conteúdo educacional de vários aplicativos infantis. No entanto, há poucos estudos sobre anúncios embarcados nos apps para o público infantil. A publicidade, além de distrair as crianças, pode ser prejudicial à saúde. “Publicidade tem sido associada com comportamentos alimentares pouco saudáveis, o que pode causar a obesidade”, explica Marisa Meyer, co-autora do estudo.

100% dos aplicativos gratuitos analisados continham anúncios, uma taxa que cai para 88% quando se analisou os apps pagos. O resultado do estudo é preocupante. “Isso afeta negativamente as crianças de famílias de baixa renda, que são mais propensas a baixar jogos gratuitos, cheios de anúncios que, além de persuasivos, podem ser inadequados”, diz Meyer.

Em 54% dos aplicativos gratuitos o jogo é interrompido por vídeos publicitários que, às vezes, não podem ser fechados imediatamente, e obriga o usuário a vê-los inteiros. Além disso, se você tentar fechá-los pressionando em qualquer lugar do anúncio em vez do pequeno “X”, uma janela do Google Play será aberta para baixar outro aplicativo. Jenny Radesky, também co-autor do estudo, informa que esses banners são maliciosos: “O pequeno ‘X’ só aparece depois de 20 segundos. E, no caso de uma criança de 4 ou 5 anos, ela pode pensar que o anúncio é parte do jogo e ela não sabe o que fazer. Logo, há grandes chances da publicidade ser clicada, direcionando o usuário para loja de aplicativos”. A pesquisa também encontrou publicidade inapropriada para crianças, como o app de compras Wish, que contém itens para adultos.

Aplicativos que incentivam a comprar

Em 46% dos apps analisados, a publicidade induz o usuário a baixar a versão paga dos mesmos, para desbloquear novos níveis d jogo, evitar novos anúncios ou obter conteúdos. É o caso do My Caterpillar, um aplicativo no qual você tem que cuidar de uma lagarta e cuja versão paga permite que o animal brinque com balões ou brinquedos inacessíveis na edição gratuita.

30% dos aplicativos incentivam os jogadores a comprar vidas extras ou pagar para acessar mais personagens ou locais. Por exemplo, em Olá Kitty Lunchbox, o usuário pode adquirir diferentes alimentos ou artigos decorativos para o saco de comida do personagem. E mesmo no caso de jogos educacionais, como o caso de Masha e o Urso, a maioria dos mini jogos está bloqueada até que o usuário faça a compra.

Os protagonistas de 65% dos apps analisados são de personagens famosos de franquias ou desenhos animados. Bons exemplos são o app Livro de Colorir Hello Kitty e os jogos LEGO Duplo Town e Patrulha Canina.

Bom, mas qual o inconveniente na cobrança? Afinal, mesmo jogos envolvem conhecimento e tempo para serem desenvolvidos e devem ser cobrados. E aí é que entra a psicologia infantil de entender como funciona a mente das crianças. Os pesquisadores apontam que o problema é que esses personagens são familiares para o público infantil. Elas desenvolvem relacionamentos emocionais e de confiança com eles e prestam mais atenção ao que lhes dizem. Se, por exemplo, um personagem diz a uma criança que uma missão não foi realizada porque uma compra não foi feita, isso pode afetá-la emocionalmente.

Além de incentivar os usuários a gastar dinheiro, 28% dos aplicativos analisados incentivam os usuários a avaliá-los no Google Play e compartilhar seu progresso ou pontuações em redes sociais como o Facebook. E no que se refere a essas práticas, as crianças também são mais suscetíveis que os adultos, dizem os pesquisadores. Portanto, eles argumentam que a maneira pela qual a versão paga é promovida é “antiética”, já que a criança pode dar uma nota alta para o app que tem o personagem de sua preferência.

A American Academy of Pediatrics recomenda a eliminação de anúncios em aplicativos voltados para crianças menores de cinco anos. Os pesquisadores acreditam que é preciso uma lei para o assunto porque os menores não estão cientes de que suas preferências são feitas por influências de publicidade. “É necessário um debate sobre como equilibrar as necessidades dos anunciantes e os direitos das crianças”, explicam os pesquisadores no estudo.

Além disso, Meyer também defende que as lojas de aplicativos podem ajudar a mudar esse cenário. Elas podem, por exemplo, dar mais destaque aos aplicativos infantis de maior qualidade, tornando-os mais visíveis e mais acessíveis para pais e filhos.

Alguns aplicativos solicitam acesso à localização e à câmera

Além da publicidade em excesso, os apps voltados ao público infantil trazem outro agravante: muitos deles solicitam acesso à localização e à câmera, algo considerado perigoso. E 88% dos usuários aceitam os termos e condições na Internet sem lê-los.

Além disso, segundo os pesquisadores, eles não solicitam o consentimento dos pais, o que era fácil fazer, bastando para isso solicitar uma senha que somente o adulto tenha. Nos EUA, existe uma lei federal que proíbe coletar dados de localizações de crianças. No entanto, mesmo assim, a pesquisa mostra que 4,4% dos apps direcionados ao público infantil, executa esse tipo de ação, entre eles, os já citados nessa matéria: Masha e o Urso e Livro de Colorir Hello Kitty.

Alguns detalhes podem parecer exagerados, mas sabemos que para obter vendas nesse acirrado mercado de aplicativos, as empresas não medem esforços. E as crianças estão inclusas nessa estratégia.

Fonte: El País

Colaboração para o Olhar Digital

Rene Ribeiro é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital