A década dos celulares: veja como a indústria e os aparelhos se transformaram

Década de 2010 mudou completamente os telefones portáteis e criou um novo paradigma de computação pessoal
Renato Santino12/12/2019 20h00, atualizada em 20/12/2019 16h31

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O ano é 2009. Você se lembra de como era o seu celular nesta época? Muito provavelmente era um modelo que posteriormente viria a ser conhecido apenas como “featurephone”, aqueles aparelhos que nada mais são do que telefones portáteis, capazes de fazer ligações, mandar mensagens SMS, rodar um jogo ou outro e, quando muito, tirar algumas fotos.

Smartphones existiam, sim, mas não eram populares. O iPhone já existia desde 2007, e BlackBerry e Nokia se dividiam como grandes expoentes do mercado com seus próprios sistemas operacionais BlackBerry OS e o Symbian, mas a tecnologia era limitada a poucas pessoas interessadas em tecnologia e capazes de pagar o alto preço para ter um telefone inteligente.

Podemos dizer sem medo de errar que foi somente nesta década que os smartphones realmente caíram no gosto do público e transformaram o modo como interagimos com a tecnologia. Eles abriram a porta para a computação móvel e tornaram o PC irrelevante para várias das ações para as quais ele era fundamental na década anterior.

A extinção dos dinossauros

O início da década ainda tinha a dominância de duas fabricantes de celulares que simplesmente chegariam ao final dela praticamente irrelevantes. O BlackBerry OS, da então chamada RIM (sigla para Research In Motion), havia se tornado o padrão especialmente para um público mais profissional, enquanto o Symbian, da Nokia, era o sistema operacional dos smartphones do povo.

Você pode ver na tabela abaixo, produzida com informações da consultoria Gartner, como estava a situação no mercado ao final de 2009: Symbian e RIM dominavam o mercado com alguma tranquilidade, embora a Apple já mostrasse que poderia incomodar a concorrência no terceiro lugar.

Sistema

Unidades vendidas em 2009 (em milhares)

Participação no mercado (%)

Unidades vendidas em 2008 (em milhares)

 Participação no mercado (%)

Symbian

80.878,6

46,9

72.933,5

 52,4

BlackBerry (RIM)

34.346,6

19,9

23.149,0

 16,6

iPhone OS

24.889,8

14,4

11.417,5

 8,2

Windows Mobile

15.027,6

8,7

16.498,1

 11,8

Linux

8.126,5

4,7

10.622,4

 7,6

Android

6.798,4

3,9

640,5

 0,5

WebOS

1.193,2

0,7

 –

Outros

1.112,4

0,6

4.026,9

 2,9

Nokia e BlackBerry falharam em observar como o mercado estava mudando, no entanto. As duas empresas confiaram demais em sua posição privilegiada no mercado e deixaram de inovar, enquanto a Apple começava a mostrar ao mundo uma nova usabilidade ao ignorar sumariamente os teclados físicos apostando na interação multi-touch e atrair aplicativos com a App Store, que se mostrou uma plataforma rentável e fácil de usar tanto para desenvolvedores quanto para os usuários. São pontos que foram fundamentais para o sucesso do iOS e se tornaram parte integral da estratégia da Apple.

Ao final de 2010, um novo nome começaria a mostrar sua força. O último estudo referente àquele ano produzido pelo Gartner mostra que o Android já demonstrava que poderia dominar completamente o mercado, saindo do “nada” em 2009, com 3,9% de participação, para o segundo lugar em 2010, com 22,7%. Quase todos os outros sistemas perderam mercado, com a exceção óbvia do iOS, que viu um crescimento modesto.

Sistema

Unidades vendidas em 2010 (em milhares)

Participação do mercado (%)

Unidades vendidas em 2009 (em milhares)

 Participação do mercado (%)

Symbian

111.576,70

37,6

80.878,60

 46,9

Android

67.224,50

22,7

6.798,40

 3,9

BlackBerry (RIM)

47.451,60

16

34.346,60

 19,9

iPhone OS

46.598,30

15,7

24.889,80

 14,4

Windows Mobile

12.378,20

4,2

15.027,60

 8,7

Outros

11.417,40

3,8

10.432,10

 6,1

Total

172.373,10

100

172.373,10

 100

Ou seja: o primeiro ano da década já deixaria muito claro quem realmente iria brigar pelo topo do mercado de smartphones, e certamente não eram Nokia e BlackBerry. Apple, com o iOS, e Google, com seu Android, davam os sinais de que poderiam passar a dominar a revolução da mobilidade que se seguiria nos anos seguintes, e assim o fizeram.

As outras empresas até tentaram se adaptar. A Nokia, observando o estrago que o Android havia feito no mercado, decidiu deixar de lado o Symbian. Em vez de seguir o caminho das outras e adotar o Android também, tentou se tornar a principal referência com o Windows Phone, como uma forma de diferenciar-se no mercado. A estratégia falhou, e a companhia acabou comprada pela Microsoft, que também não conseguiu fazer o Windows Phone, rebatizado posteriormente para Windows Mobile, decolar.

Já a BlackBerry conseguiu se manter por mais alguns anos apostando e reforçando investimento no mercado corporativo, sempre usando como diferencial a segurança de sua plataforma. Sua participação foi caindo aos poucos até se tornar desprezível, ao ponto de a empresa perder seus clientes corporativos para a própria Apple ou iniciativas como o Android Enterprise.

iOS x Android, a disputa da década

Em 2010, o mercado começa a transição para o que conhecemos atualmente, abandonando o duopólio Nokia x BlackBerry para uma nova disputa entre Apple e iOS contra as fabricantes Android. Foi o ano de lançamento do iPhone 4, que foi o primeiro iPhone de muita gente no Brasil (ainda que muitos não o tenham comprado no ano de lançamento); também foi o ano em que a Samsung decidiu entrar com tudo no mercado de smartphones com o primeiro Galaxy S.

Também nascia aí a grande rivalidade que marcou as duas empresas ao longo da década. A Samsung, que tinha ao seu lado o Google e o Android, foi amplamente acusada de infringir patentes e roubar a tecnologia proprietária da Apple. O caso teve seu início em 2011 e ficou realmente famoso em 2012, com a multa de US$ 1 bilhão imposta à coreana. O valor foi reduzido praticamente pela metade em novos julgamentos, mas a Samsung precisou pagar mais de US$ 500 milhões por infringir cinco patentes: três de design, e duas de utilidades. Entre os itens contemplados no processo estão o visual do sistema, com ícones coloridos, e ações como realizar o movimento de pinça para ampliar uma imagem ou documento na tela.

A rivalidade entre Apple e todo o ecossistema Android foi uma marca, especialmente enquanto Steve Jobs esteve vivo. O fundador da companhia da maçã nunca omitiu sua opinião sobre seus concorrentes, que julgava ser uma “cópia barata” do iOS. Durante seus últimos anos de vida, incluiu Eric Schmidt, um dos principais executivos do Google, e que fez parte do conselho da Apple por muitos anos, na sua lista de desafetos, justamente por considerar o Android uma traição.

Com o passar dos anos, o Android dominou o mercado em volume de vendas. O modelo de negócios do Google para o sistema operacional ajudou demais na sua difusão, dando à fabricante o direito de modificar praticamente tudo e ainda por cima sem cobrar pelo licenciamento. Isso fez com que praticamente todas as fabricantes de smartphone que não fossem a Apple apostassem no sistema tanto para aparelhos de alto desempenho quanto para modelos mais acessíveis. A diversidade de dispositivos Android no mercado faz com que haja opções interessantes para qualquer tipo de usuário e, mesmo que o sistema tenha sido bastante inspirado no iOS em seus dias iniciais, hoje já caminha com as próprias pernas e possui fãs ao redor do mundo.

Já o iOS se mantém sólido. Globalmente, ele não chega a arranhar a superfície da popularidade do Android, mas o iPhone é o celular mais vendido do planeta, mais do que qualquer outro modelo de outra fabricante. Não há como competir com o Android em números gerais, no entanto: a Apple vende apenas celulares tops de linha e modelos premium, que não custam barato, enquanto há dispositivos Android à venda no mundo por menos de US$ 50. A Apple não parece insatisfeita com essa situação, já que é a companhia que mais lucra com a venda de smartphones no planeta.

A revolução do Moto G

Reprodução

Não é possível falar de smartphones, especialmente no Brasil, sem falar no estouro que foi o lançamento do Moto G. Em 2013, quando a primeira versão do aparelho foi lançada, já havia ficado óbvio que os smartphones eclipsariam completamente os feature phones, mas a Motorola certamente ajudou a acelerar a transição.

A comparação do Moto G contra aparelhos acessíveis da época é até injusta. O que fez com que ele fosse um sucesso instantâneo foi, primeiramente, sua tela grande de 4,5 polegadas (era enorme para a época), com resolução HD (1280×720), uma câmera decente, Android atualizado e um design incomparável em uma época em que a concorrência eram incontáveis variações de celulares da Samsung que se pareciam com isso:

Reprodução

Para quem esteve presente no evento de lançamento, ficou bastante evidente que a Motorola tomaria o mercado brasileiro, então não foi surpresa quando a empresa passou a monopolizar a faixa de preço mais acessível. Não é exagero pensar que o Moto G foi o primeiro smartphone de muitos brasileiros e o primeiro bom o suficiente para usá-lo como smartphone de fato para tantos outros.

Com o passar dos anos, o Moto G foi alcançado por outras fabricantes, que finalmente se mostraram capazes de fazer celulares de entrada e intermediários tão capazes quanto os da Motorola, reduzindo o impacto da marca no país. Ao final da década, a “invasão chinesa” representada por aparelhos de fabricantes como a Xiaomi criou uma nova onda no mercado de smartphones de alto desempenho e baixo custo. No entanto, ninguém tira do Moto G o feito de finalmente tornar viáveis os aparelhos mais baratos.

A iniciativa Windows Phone

Hoje temos Android e iOS estabelecidos como os dois grandes nomes no mercado de celulares, mas durante algum tempo, a Microsoft tentou cavar seu espaço. Em retrospectiva, fica evidente que não deu certo, mas tentativas não faltaram.

A década começou com o Windows Phone 7, que já trazia os blocos dinâmicos que seriam característica marcante de todos os sistemas operacionais da Microsoft no período, incluindo nos PCs. Não há como dizer que a empresa não foi original em sua abordagem para a interface de seu sistema, que tinha seus pontos fortes, exibindo informações dos apps em tempo real, sem que eles precisassem ser abertos.

No entanto, uma série de problemas fez com que a Microsoft nunca conseguisse popularizar seu sistema operacional. A empresa se viu espremida no meio de uma batalha feroz entre Apple e Google e não conseguiu se firmar; em boa parte pelos seus próprios erros. A companhia falhou, por exemplo, em atualizar aparelhos antigos para novas versões do sistema, abandonando usuários do Windows Phone 7.x com a chegada do WP8, além de abandonar vários aparelhos que rodavam a versão 8.1 quando lançou o Windows 10 Mobile.

Reprodução

Nada pesou tanto contra o Windows nos celulares, no entanto, do que a falta de aplicativos. O sistema operacional vivia o dilema do biscoito: os usuários não adotam a plataforma porque ela não tem apps ou ela não tem apps porque os usuários não adotam a plataforma?

A Microsoft tentou quebrar esse ciclo de várias formas. Pagou para empresas desenvolverem aplicativos, tentou desenvolver aplicativos no lugar delas, tentou criar um ecossistema mais coeso com o desktop que criasse uma situação mais vantajosa para o desenvolvimento e distribuição, permitindo que um só app rodasse tanto no PC quanto nos smartphones. No final, os apps não vieram e o público também não.

Comparativamente, hoje o Android ocupa no mercado de celulares o espaço que o Windows ocupa no de PCs, como o próprio Bill Gates já reconheceu. Ele, inclusive, se culpa por não ter visto a oportunidade de ocupar esse espaço em um momento em que fosse possível reverter a vantagem do sistema do Google.

No dia 9 de dezembro de 2019, a Microsoft finalmente encerrou de forma definitiva o suporte ao Windows 10 Mobile. Com isso, a empresa abandona de forma oficial o desenvolvimento de software específico para smartphones.

Como os celulares mudaram

Poucas coisas exemplificam melhor como mudaram os celulares do que pegar o iPhone 4, lançado no início da década, e compará-lo diretamente com o iPhone 11 Pro Max, lançado ao final dela. E não estamos falando apenas de uma melhoria óbvia de componentes, como um processador melhor e mais memória RAM.

Reprodução

A começar pelo tamanho de tela. Em 2010, os smartphones ainda seguiam uma ideia de celular da década passada, no qual pequeno e ultraportátil era a norma. Steve Jobs defendia que o tamanho de tela de 3,5 polegadas era ideal para consumidores, perfeito para usar o celular com uma mão só, de modo que o polegar alcançasse todos os pontos da tela sem transtorno. Uma década depois, temos um iPhone 11 Pro Max com tela de 6,5 polegadas, quase o dobro do que defendia Jobs.

Esse movimento, claro, não é limitado ao iPhone. Toda a indústria percebeu que, conforme a tecnologia móvel evoluía, telas maiores seriam necessárias para interagir melhor com o sistema e consumir conteúdo. Ler notícias e assistir a vídeos em uma telinha pequena simplesmente não é uma experiência agradável. A própria Apple havia reconhecido isso com o lançamento do iPad, que aos poucos passou a perder o sentido de existir até ter seu propósito repensado.

Também é evidente que houve a preocupação das fabricantes em tentar minimizar as bordas ao redor da tela, de forma que as telas dos celulares crescessem sem aumentar radicalmente o tamanho físico do aparelho. Essa progressão deu origem ao infame “notch”, o corte na tela necessário para abrigar sensores e câmeras frontais em um momento em que o painel já ocupava praticamente 100% da frente do aparelho. Algumas empresas recorreram a uma “franja”, como a Apple. A Samsung, por sua vez, preferiu um furo no display, enquanto outras tentaram minimizar o impacto visual com uma pequena curvatura em formato de gota.

Ao olhar para a parte de trás dos iPhones de 2010 e de 2019, uma outra diferença fica clara: as câmeras. As fabricantes perceberam que uma só lente não era mais suficiente para fazer as fotos com a qualidade que se espera de um smartphone nos dias de hoje, já que o tamanho do aparelho não dá ao usuário a liberdade e versatilidade de uma câmera semiprofissional ou profissional. Existem várias abordagens para a configuração multicâmera: em alguns aparelhos, elas trabalham juntas para fazer uma foto mais rica em detalhes; em outros, cada uma das lentes tem uma função própria e exclusiva, como capturar imagens com ângulo mais amplo ou aplicar um “zoom” óptico. De qualquer forma, o fato é que é muito difícil encontrar um aparelho lançado em 2019 que tenha apenas uma câmera traseira.

Outra grande mudança veio quando as fabricantes decidiram que a entrada de fone de ouvido de 3,5 milímetros, padrão nos celulares, trazia mais transtornos do que benefícios. A Apple foi a primeira entre as grandes empresas a remover a porta de seus celulares, e tantas outras fabricantes seguiram a tendência em seguida. As justificativas variam, alegando que a remoção do componente abria espaço para outras coisas como uma bateria maior, ou que ela facilita tornar os aparelhos à prova d’água. Gostando ou não, é uma tendência que veio para ficar, então prepare seu adaptador ou compre seus fones Bluetooth.

Uma outra tendência de design que foi e voltou durante a década é a traseira de vidro presente no iPhone 4 e no iPhone 11 Pro Max. O material deixou de ser foco em aparelhos de alto desempenho por alguns anos pela fragilidade, mas voltou com tudo no final da década por um motivo muito simples: carregamento sem fio. O sistema de recarga sem fio Qi, padrão da indústria de celulares, depende de um acabamento compatível, e para isso o vidro se mostra necessário. Então, se você gostava dos smartphones premium de materiais como alumínio, eles se tornarão cada vez mais raros.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital