A década do streaming: tecnologia mudou a forma de consumir mídia

Ouvir música e assistir a filmes e séries não são mais iguais depois da popularização de Spotify e Netflix
Renato Santino12/12/2019 20h03, atualizada em 20/12/2019 16h27

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O consumo de mídia se transformou completamente ao longo da última década. Se comprar filmes e músicas (ou piratear) era o padrão no início do século, os anos 2010 chegaram para mudar isso com dois nomes principais: Netflix e Spotify, que catalizaram uma transição para o streaming, aproveitando a considerável melhora da internet no planeta ao longo dos últimos 10 anos.

A Netflix não nasceu nesta década, no entanto. A empresa já tem mais de 20 anos de atividade, mas durante um bom tempo limitou-se a ser um serviço de entrega de filmes por DVD. Foi só nesta década que a empresa se tornou a gigante do streaming que chegou ao Brasil em 2011 e fechou locadoras pelo mundo inteiro. O gráfico abaixo mostra com clareza o crescimento da empresa a partir da valorização de sua ação; no início de 2010, o papel da Netflix custava em torno de US$ 8 e US$ 9. Ao final de 2019, a ação vale cerca de US$ 300, e já chegou a valer quase US$ 400.

A popularização da Netflix mudou a forma de consumir filmes e séries, afetando até mesmo algo que já era um pilar da internet: a pirataria. Muitas pessoas viram na plataforma uma conveniência e um preço justo que fez com que se tornasse desnecessário recorrer à pirataria em muitos casos. Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, chegou a afirmar em 2013, em momento de plena expansão, que o tráfego de torrents em um país diminuía imediatamente após a empresa lançar o serviço no local.

Um outro impacto da Netflix foi reduzir drasticamente as assinaturas de TV paga pelo mundo. A tendência dos “cord-cutting”, expressão para designer o ato de “cortar o cabo”, ou deixar de assinar TV paga, se tornou palpável ao longo da última década, inclusive aqui no Brasil. Em 2019, inclusive, foram 1,3 milhão de assinaturas que perdidas ao longo do ano, e essa queda vem sendo sentida há vários anos.

Já o Spotify é um pouco mais recente, criado em 2008, mas seu verdadeiro impacto foi sentido ao longo desta década, com efeitos muito similares ao da Netflix. A grande diferença é que o app foi responsável por mexer com a indústria de musical, que já praticamente havia aceitado que não havia mais como fazer dinheiro com música em uma época em que a pirataria reduziu drasticamente a venda de álbuns.

Ambos os aplicativos transformaram o modo de consumo de mídia, desmanchando o conceito de posse. Hoje, você não possui mais as músicas, os filmes e as séries que você consome, apenas paga uma assinatura para acessá-las, como um aluguel. Para colecionadores, essa ideia é o fim do mundo, mas para muitos é o suficiente.

A confusão do vídeo

Reprodução

A revolução do streaming foi tão marcante que incontáveis outras empresas decidiram seguir os passos de Spotify e Netflix. Hoje temos YouTube Music, Deezer, Amazon Music, Apple Music brigando por um espaço no mercado musical, enquanto vários serviços de vídeo como Amazon Prime Video, Disney+, Apple TV+, HBO Go (ou HBO Max), YouTube Premium e outros que ainda estão por vir.

Não é difícil entender o que acontece com esse mercado. A Netflix cresceu de forma meteórica ao longo da década, ganhando fortunas, em grande parte, graças a conteúdo produzido por outras empresas e licenciado para exibição na plataforma. Não foi necessário muito esforço para essas empresas entenderem que talvez fosse mais rentável criar uma plataforma própria para exibir seu material em vez de cedê-los para a Netflix.

Diante dessa realidade, a própria Netflix passou a investir pesado em filmes e séries originais, percebendo que não poderia mais contar com material de qualidade de terceiros por muito tempo.

Sem surpresas, aos poucos as séries e filmes não-originais começaram a deixar a Netflix. O fim da parceria com a Fox em 2017, por exemplo, foi traumático, levando embora programas como “How I Met Your Mother”, “American Horror Story”, “Glee”, “Prison Break”, “24 Horas” e “Sons of Anarchy”. A Disney, que também já foi grande parceira e chegou a produzir séries da Marvel em parceria com a Netflix também causou impacto ao anunciar o seu próprio serviço.

Essa fragmentação tende a criar uma situação nova no mercado. Se a concentração de conteúdo na Netflix e a consequente praticidade de acesso fez com que muitos deixassem a pirataria em favor da elegância do streaming, a dispersão de conteúdo pode ter um efeito contrário na próxima década.

A Muso, empresa britânica que monitora a pirataria na internet desde 2009, observa essa situação como propícia para o ressurgimento do compartilhamento irregular de arquivos na internet. A companhia nota que, apesar de a exclusividade ser um fator que cria lealdade do consumidor, muitos serviços com conteúdo exclusivo “inevitavelmente gerarão mais e mais pirataria digital”.

“A chegada de mais e mais plataformas distintas vai trazer uma era de fragmentação ainda maior, e, ao mesmo tempo, alienar o consumidor que poderia estar disposto a pagar pelo conteúdo simplesmente porque eles não podem justificar pagar por outro serviço quando tudo que eles realmente queriam era uma série ou filme”, explica Andy Chatterley, CEO da Muso.

De fato, esse movimento já é observado em várias partes do mundo. Aqui no Brasil, segundo estudo da própria Muso, o número de acessos a sites dedicados à pirataria aumentou 12,5% entre 2017 e 2018.

Pirataria também descobriu o streaming

Não foram só os estúdios e as empresas de tecnologia que descobriram a transmissão de vídeo por streaming. Se na década passada o download via torrent era a ferramenta número 1 para consumo de conteúdo irregular, nesta década vimos o surgimento da IPTV como uma opção comum e popular para piratear filmes e séries.

Reprodução

O torrent continua sendo uma ferramenta poderosíssima de compartilhamento de arquivos, mas não se trata de uma ferramenta de fácil acesso. Pense bem: para quem nunca fez um download por meio do protocolo, o processo de encontrar uma fonte confiável, baixar um arquivo .torrent de poucos KB e ainda ter que instalar um software no PC para entender esse arquivo pode ser pouco intuitivo. Para quem não é iniciado, compreender esses passos pode ser um transtorno.

E então vemos os serviços piratas de IPTV surgindo e se popularizando com a ampliação da banda larga. São serviços fáceis de usar e intuitivos, que emulam um catálogo de TV e serviços de streaming que são muito mais naturais do que o torrent convencional, mesmo que muitas vezes pagos. Nós já vimos isso no passado: ofereça conveniência, conteúdo atraente e valor acessível, e as pessoas topam pagar. Foi assim com a Netflix, é assim também com a pirataria.

Essa mudança também pode ser atribuída parcialmente à forma como interagimos na internet e o hábito de comentar em tempo real sobre o que você está assistindo. Isso cria uma dinâmica entre os piratas: a necessidade de assistir algo em tempo real. Baixar episódios e assisti-los só no dia seguinte não era um problema enquanto essa cultura do spoiler nas redes sociais não era tão forte. A opção é procurar transmissões ao vivo dos episódios.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital