O último dia 13 marcou uma uma terça-feira atipicamente agitada na Uber. Em poucas horas, a companhia tratou sobre como pretende melhorar seus valores para evitar novos escândalos envolvendo assédio, viu seu CEO partir temporária, porém indefinidamente, e também perdeu um de seus conselheiros — que resolveu fazer uma piada sexista no meio de uma reunião em que se discutia os malefícios do sexismo.
Ontem, representantes do alto escalão da companhia lideraram uma reunião geral para discutir com os funcionários o resultado de uma auditoria tocada pela Covington & Burling, empresa comandada pelo ex-procurador-geral dos Estados Unidos Eric Holder em parceria com Tammy Albarrán.
O trabalho foi encomendado em resposta a denúncias de uma ex-engenheira da Uber, Susan Fowler, em relação a situações de assédio sexual e moral que a fizeram pedir as contas. O episódio deu início a uma enorme crise para a Uber, com outros funcionários e ex-funcionários divulgando histórias semelhantes.
Após a realização de mais de 200 entrevistas e a análise de um número superior a 3 milhões de documentos, a Covington & Burling desenvolveu um relatório de 13 páginas em que detalha o que a Uber deveria fazer para sair da situação, e o primeiro tópico, relativo a “mudanças na liderança”, deu frutos rapidamente, já que o CEO da Uber, Travis Kalanick, sequer participou da reunião, segundo reportou o New York Times.
O CEO problema
Kalanick vinha sendo apontado como um dos maiores responsáveis pela formação da cultura problemática da Uber e esteve envolvido em episódios dos mais questionáveis, como quando um grupo de funcionários se reuniu num bordel em que era possível escolher mulheres por números — como aconteceria num restaurante de fast-food —, ou quando um executivo da companhia obteve os registros médicos de uma passageira que denunciou ter sido estuprada por um motorista a serviço da Uber.
Horas antes da reunião, o CEO havia disparado um e-mail aos funcionários informando que entraria em licença por tempo indeterminado. “Se vamos trabalhar na Uber 2.0, eu também preciso trabalhar no Travis 2.0 para me tornar o líder que essa companhia precisa e que vocês merecem”, escreveu ele, conforme revela um trecho divulgado pela Reuters. Em outro, obtido pelo NYT, o CEO ressalta: “A responsabilidade por onde chegamos e como chegamos está nas minhas costas.” Devido à licença, suas funções serão divididas entre os executivos que se reportavam diretamente ao CEO.
A ‘piada’
A falta de Kalanick na reunião geral foi suprida pela presença de Arianna Huffington, que faz parte do conselho administrativo da Uber e se tornou figura imponente nesse processo de reformulação. E foi durante a sua fala que houve um episódio que deixou claro por que a auditoria externa foi tão importante. Huffington comentava sobre a existência de estudos comprovando que, quando há uma mulher na liderança, é muito mais provável que haja uma segunda mulher. Então ela foi interrompida por outro conselheiro, David Bonderman, que disse o seguinte: “Na verdade, o que isso mostra é que é muito mais provável que haverá mais falatório.”
So… This just happened at @Uber‘s all-hands meeting. @YahooFinance‘s @JPManga got some leaked audio. 6:40 min https://t.co/QHXOp7TU0h pic.twitter.com/bqBLonNp49
— Julia La Roche (@SallyPancakes) 13 de junho de 2017
Na hora, Huffington parece reagir com desconforto, conforme revela um áudio da reunião vazado pelo Yahoo. E horas depois, Bonderman, que é parceiro-fundador da TPG Capital, divulgou um comunicado informando que deixaria o conselho da Uber. “Eu dirigi um comentário à minha colega e amiga Arianna Huffington que foi descuidado, inapropriado e inescusável”, escreveu ele. “Não quero que meus comentários criem distração enquanto a Uber trabalha para construir uma cultura da qual possamos nos orgulhar. Preciso me pautar pelos mesmos padrões que estamos pedindo à Uber que adote.”
E não são poucos pedidos. As 13 páginas do relatório — que foi aceito de forma unânime e integral pelo conselho administrativo — contém 10 tópicos espinhudos, como criar planos de avaliação para os líderes, implementar auditorias regulares, reformular a área de recursos humanos e até reescrever o documento que rege os valores culturais da Uber (veja aqui, em inglês). Huffington deu uma prova de como certas mudanças consistem em detalhes ao avisar que um espaço antes conhecido como “Sala da Guerra” fora renomeado para “Sala da Paz” — “porque, como todo mundo sabe, a paz é muito mais produtiva e sustentável do que a guerra”, comentou.
O processo será longo, mas funcionários ouvidos pelo NYT se mostraram satisfeitos com as iniciativas. “Eu sei quão difícil tem sido ver histórias desmoralizantes na imprensa e depois ir pra casa e explicar isso aos seus amigos e familiares”, disse Huffington. O casal Mitch e Freada Kapor, que estão entre os primeiros investidores da Uber e haviam cobrado a empresa publicamente devido aos escândalos, também se posicionou positivamente, ressaltando que deve demorar um pouco até que as mudanças sejam sentidas: “A companhia merece algum espaço para colocar o plano em vigor.”