Que a internet brasileira não é de qualidade, isso não é novidade. O ranking mundial de velocidade média de rede tem o Brasil em 89º lugar, enquanto na lista dos países mais conectados, nós estamos em 42º. Os motivos para isso também não são novidade.
Mas segundo alguns especialistas na área, um entrave para que a internet brasileira se desenvolva de forma inteligente e rápida pode ser simplificado na figura de um telefone público: os famosos “orelhões”, espalhados pelos quatro cantos do Brasil, e cada vez menos utilizados.
No ano passado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) anunciou que desativaria 538 mil orelhões dos 950 mil instalados em todo o País. Dos que sobraram, mais de 80% recebem ou fazem apenas quatro chamadas por dia. Muitos estão em más condições ou sequer funcionando corretamente.
O caso é que a responsabilidade por cuidar desses orelhões não é do governo, como muitos imaginam. É, na verdade, das operadoras de telefonia, como a Vivo, a Oi, a Sercomtel e a Algar Telecom, que cobrem, ainda que não por completo, o território nacional com suas redes de telefonia.
Mas o que os telefones públicos têm a ver com a internet? Segundo especialistas que participaram de um workshop promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), nesta semana, na capital paulista, a relação tem a ver com o regime de concessão de serviço público oferecido às operadoras.
O que acontece é que as empresas de telecomunicação operam como servidoras de um direito que deve atender toda a população. Por isso, além de oferecer linhas de telefone e de internet, as empresas que recebem uma concessão do governo são obrigadas a obedecer certas regras para que todos os seus clientes sejam contemplados, sem discriminação.
Uma das regras é a obrigatoriedade de fazer a manutenção dos telefones públicos no Brasil. A ideia é que mesmo quem não tem dinheiro para uma linha fixa ou um celular possa entrar em contato com seus amigos ou parentes pelo telefone. O caso é que essa manutenção não só custa caro como, em algumas regiões, é ineficaz.
Dados divulgados pela Anatel em 2014 indicam que orelhões chegam a dar um prejuízo de R$ 500 milhões por ano, em média, para o mercado de telecomunicações. Na opinião de pessoas como André Moura Gomes, analista de regulação em telecomunicações da Cullen International, os telefones públicos representam o que há de errado com a forma como o mercado é regulado no Brasil hoje.
“A questão dos orelhões envolve também a segurança pública. No Brasil, grande parte dos gastos com manutenção de telefones públicos têm a ver com vandalismo, com roubo de equipamentos, e isso causa um prejuízo muito grande”, explicou o especialista em sua fala durante o workshop na Fiesp.
Solução
Há alternativas em circulação pelo governo para mudar essa realidade. José Alexandre Bicalho, superintendente de planejamento e regulamentação da Anatel, disse que a agência tem uma proposta para flexibilizar as exigências feitas das concessionários de telecomunicação do Brasil.
“Realmente, nós admitimos que há um inchaço” nas exigências, disse Bicalho. “Ao longo dos anos, foi-se criando cada vez mais regras para regulamentar novas situações e essas regras foram se acumulando. Nós temos consciência disso.”
A proposta da Anatel é uma que o Olhar Digital já noticiou no fim de fevereiro. A ideia é que o modelo de concessões seja mantido apenas em algumas regiões do país, enquanto outras serão contempladas por um regime de autorizações que dará mais espaço para a tão falada “livre concorrência”.
Desse modo, em uma cidade grande como São Paulo, o serviço de telefonia e internet não seria mais privilégio de apenas um punhado de três ou quatro empresas concessionárias, que além de não conseguir cobrir todo o território, teriam investimentos limitados já que teriam de gastar muito dinheiro com a manutenção de orelhões que poucas pessoas usam.
Em vez disso, centros urbanos como a capital paulista teriam empresas operando por um regime de autorização. Isso permite que mais companhias disputem o mercado e a preferência do consumidor, levando serviços aonde não há e colaborando para o avanço da velocidade e da infraestrutura. Afinal, há demanda para surprir a oferta.
Já em cidades mais afastadas de grandes centros, como no interior do estado ou no sertão do Norte ou Nordeste do país, o governo manteria o regime de concessões. Assim, as empresas concessionárias seriam obrigadas a manter o serviço de telecomunicações para pessoas que ainda não têm smartphones, tablets e PCs e dependem de orelhões para se comunicar.
Essa é uma ideia bem vista por Flávia Lefrève Guimarães, representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) e conselheira da Proteste, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. A advogada diz que a oferta de serviços de internet e telefone poderia ser feita como já acontece com a energia elétrica, água e gás: um bem público, fornecido por empresas privadas, de acordo com as necessidades de cada estado.
“Nesses casos, não existem regimes específicos. Existem contratos específicos contemplando regiões e necessidades específicas, onde se estabelecem mais ou menos obrigações [para as empresas] dependendo do quanto que o Estado vai fazer de investimento público, e se a população que será consumidora ali não tem condições de pagar”, explica Flávia.
“Essa é uma conta que tem que fechar. Temos um país diverso. Faz sentido termos um contrato de concessão para um estado como São Paulo exigindo a manutenção de orelhões e também de banda larga? É uma pergunta que a gente precisa se fazer”, continua Flávia.
A conclusão dos especialistas é de que tanto o governo quanto o mercado de telecomunicações precisam chegar a um acordo de cooperação que seja justo para todos os brasileiros. Sem, é claro, que isso prejudique quem não tem dinheiro ou acesso à internet, e sem atrasar o desenvolvimento de regiões mais ricas do país.