Um artigo publicado no final de outubro na revista científica Frontiers revela que, apesar de declarações de comprometimento do YouTube em relação ao combate a desinformações perigosas, aquelas relacionadas a vacinas continuam sendo disseminadas em vídeos em português, gerando lucro para produtores de conteúdo e para a própria plataforma.

O artigo faz parte da pesquisa de Dayane Machado, aluna de doutorado do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências da Unicamp, orientada pela docente Leda Gitahy. Também é assinado por Alexandre Fioravante de Siqueira, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.

Dayane, Leda e Alexandre desenvolveram uma metodologia que tentasse simular o comportamento de um usuário normal navegando na plataforma para identificar o que o público possivelmente encontraria sobre o tema. Para especificar quais desses vídeos continham desinformação, foram criadas seis categorias principais de análise: segurança, efetividade, saúde alternativa, moralidade, teorias da conspiração e outros (como liberdade de escolha e apelo emocional).

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Desinformação pode impedir que uma parcela da população se proteja, mesmo com uma vacina contra uma doença disponível. Foto: AnaLysiSStudiO/Shutterstock

A amostra inicial continha 158 vídeos. Desse total, os estudiosos identificaram 52 vídeos em 20 canais com desinformação sobre vacinas. “Analisamos em cada um os seis critérios dos vídeos e das propagandas neles inseridas, os chamados anunciantes”, conta Leda.

Muitas promessas, pouca ação

O resultado do estudo sugere que o YouTube não tem feito o suficiente para combater a circulação de desinformações sobre vacinas e de certa forma incentiva a produção desse tipo de material através da monetização de conteúdo.

“Apesar da plataforma já ter se posicionado sobre o combate a conteúdos danosos, vídeos com desinformação sobre vacinas continuam sendo divulgados em português porque há interesse em não retirá-los”, afirma a docente. Um relatório recente do Centro de Combate ao Ódio Digital (CCDH) estima que Facebook, Instagram, Twitter e YouTube lucram até 1 bilhão de dólares por ano graças ao movimento antivacinação.

“As principais desinformações encontradas na análise coincidem com as mais populares entre as comunidades de oposição a vacinas: afirmações de que os imunizantes contêm ingredientes perigosos; defesa da liberdade de escolha e incentivo à ‘pesquisa independente’; promoção de serviços de saúde alternativa; o mito de que vacinas causam doenças; teorias da conspiração e a alegação de que causam efeitos colaterais severos”, diz Dayane.

Rede de apoio

O artigo revela também uma parceria entre os canais que promovem serviços de saúde alternativa. “Essa colaboração ocorre através da reprodução de vídeos de canais associados ou através do apoio a criadores de conteúdo que fazem parte da rede. Os canais espalham desconfiança em relação a instituições tradicionais, como organizações de saúde pública, médicos, cientistas e imprensa para promover a si mesmos como fontes confiáveis e lucrar com a venda de serviços de saúde alternativa”, destaca Dayane.

Esses canais usam diferentes estratégias financeiras para obter lucro, como a venda de cursos, livros e tratamentos alternativos, solicitação de doações por meio de plataformas de arrecadação e depósitos em contas bancárias e até mesmo de grandes empresas, por meio de anúncios no YouTube.

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O papel do YouTube na disseminação de “fake news” sobre a Covid-19 será o próximo objeto de estudo. Foto: iStock

“Os canais da amostra usam estratégias econômicas variadas para garantir o lucro mesmo que seu conteúdo seja identificado como impróprio e desmonetizado pela plataforma”, diz Dayane. Segundo Leda, “apesar de o YouTube dizer que controla o conteúdo, em português isso não ocorre porque o moderador algorítmico não identifica quando os conteúdos de desinformação adaptam o tema. As grafias são alteradas propositalmente para não passarem pelo filtro da rede, que é automático”.

Danos à sociedade

“A circulação de desinformações que atacam a segurança e a eficácia das vacinas e questionam a legitimidade das instituições oficiais associadas a elas é extremamente preocupante nesse contexto de pandemia. E é especialmente problemático que os produtores de conteúdo associados a esse tipo de material estejam sendo premiados e incentivados a criar esse tipo de vídeo”, preocupa-se Dayane.

Segundo a aluna, “há estudos mostrando que a exposição excessiva a desinformações — e teorias da conspiração — sobre vacinas pode influenciar, por exemplo, na tomada de decisão das pessoas de não se vacinarem. Então, é possível dizer que essa crise de desinformação pode interferir na percepção da população em relação a uma vacina contra Covid-19 e até no imaginário das vacinas de forma geral”.

“É por isso que uma campanha que buscasse compreender e responder às ansiedades e dúvidas da população sobre esse tema seria essencial. É o tipo de estratégia que já deveria estar sendo colocada em prática pelos órgãos oficiais há alguns meses”, diz a pós-graduanda.

De acordo com a pós-graduanda, o próximo passo da pesquisa é investigar o papel do YouTube na disseminação de desinformações sobre a Covid-19. “Queremos entender como e se as mudanças nas políticas de uso da plataforma vêm sendo implementadas no Brasil, além de identificar quem está por trás desse tipo de conteúdo”, diz.

Fonte: Jornal da Unicamp Online