O controle de privacidade oferecido pelas empresas de tecnologia é em grande parte ilusório, afirma April Falcon Doss. A advogada, que trabalhava para a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, acaba de lançar o livro “Cyber Privacy: Who Has Your Data and Why You Should Care” (“Ciber Privacidade: Quem tem os seus dados e por que você deveria se importar”, em tradução livre). 

Ao The Register, a autora falou sobre a impossibilidade de impedir a coleta de dados, suas preocupações com a prática e o potenciais prejuízos que isso pode provocar.

“Eu passei anos imersa nisso (problemas de privacidade) e estava constantemente descobrindo novas áreas de coleta de dados, novos meios nos quais dados estão sendo usados, novas preocupações para os indivíduos, e eu pensei que não deveria ser necessário ser um expert para entender essas coisas”, conta. Na obra, ela explica como avanços, como a computação em nuvem e os algoritmos, levaram a área da privacidade a uma inconcebível quantidade de dados pessoais que é analisada.
 
Atualmente, April é responsável pela área de cibersegurança e privacidade de uma empresa de advocacia em Baltimore, nos Estados Unidos. No governo americano, ocupou o cargo de Conselheira-geral associada para leis de inteligência na Agência de Segurança Nacional.

Impedir coleta de dados já não é mais possível

April acredita que é tarde demais para frear a coleta de dados, restando apenas estipular algumas regulações. “(Podemos) restringir certos tipos de coleta para determinados propósitos, mas há um apetite tão grande por esses aplicativos, serviços e dispositivos que usam dados intensivamente, e seus vários usos, inovações, tantas coisas que as pessoas amam sobre eles, que eu não penso que isso deixará de existir”.
 
Para a autora, é preciso se preocupar com o uso de dados tanto nas grandes corporações quanto nos governos. Ela observa que, mesmo em sociedades ocidentais com democracias liberais, há a possibilidade de que os dados sejam usados de forma inapropriada. No entanto, afirma que as corporações preocupam mais por permanecerem, em grande parte, sem regulamentação. 
 
A advogada avalia que mesmo nos locais onde a legislação é mais restrita, com a União Europeia, o usuário pode consentir em fornecer seus dados. April observa que é positiva a autonomia aos cidadãos. No entanto, aponta que eles muitas vezes não entendem o significado de tal consentimento e como os dados serão utilizados.

ReproduçãoObra foi escrita a partir da experiência de April em agência governamental de segurança dos EUA. Crédito: Reprodução

Cidadãos não compreendem o uso de dados

A autora argumenta que, devido à complexidade do tema na atualidade, é difícil para os usuários entenderem a que estão consentindo. “Como seus dados estão sendo coletados e usados pelo dono do produto gratuito que ele se inscreveu, como eles podem ser vendidos para outros, quais os impactos do cruzamento de dados entre plataformas, e como os algoritmos da inteligência artificial estão criando modelos de previsão de comportamento sobre eles”, observa. 
 
Para a advogada, as pessoas reconhecem benefícios na personalização proporcionada pelos algoritmos, mas subestimam como os dados podem ser usados para manipular suas opiniões, pensamentos e intenções. 

Políticas de privacidade são ilusórias

Na análise de April, o controle oferecido pelas empresas de tecnologia é, em grande parte, ilusório. Com políticas de privacidade de difícil leitura e poucas alternativas às grandes plataformas digitais, os usuários acabam utilizando os serviços de qualquer forma. Ela cita o marketing feito pela Apple sobre sua capacidade de oferecer privacidade aos usuários de iOS. No entanto, ressalta que a única forma dos dados não saírem do ambiente criado pela Apple é usando apenas dispositivos e serviços da empresa – o que é impraticável.
 
Apesar dos muitos problemas observados pela especialista, a advogada vê pontos positivos na área de cibersegurança. Ela aponta os esforços de alguns governos para combater as implicações anticompetitivas de grandes plataformas detentoras de dados. Em sua avaliação, megacorporações como Facebook, Google e Apple se tornaram gigantes internacionais, praticamente sem regulação. Essas empresas, no processo, acabaram destruindo competidores que talvez oferecessem serviços com maior privacidade.
 
A advogada acredita que, diante do cenário atual de cibersegurança, somos todos participantes de uma espécie de pesquisa sem regulamentação. Os resultados seriam incertos, mas os valores liberais estariam em perigo.
 
Fonte: The Register