Mais de mil motoristas da Uber passaram meses rodando com carros defeituosos pelas ruas de Singapura, e a companhia sabia sobre a necessidade de reparos, já que havia um pedido de recall expedido pela montadora. A situação só ganhou atenção quando um dos veículos pegou fogo.
O caso foi tornado público pelo Wall Street Journal, que obteve cópias de e-mails em que executivos discutiam os trâmites necessários para contornar a crise que se avizinhava.
Plano mirabolante
Tudo começou como um plano para economizar dinheiro. Em 2016, a Uber resolveu comprar carros e alugá-los aos motoristas, mas, ao invés de procurar revendedoras autorizadas, foi atrás de importadoras que atuam no “mercado cinza”.
Essas empresas vendem veículos de forma legalizada em Singapura, mas o WSJ ressalta que é difícil manter um nível adequado de fiscalização sobre seus contratos e garantias de segurança — o tipo de coisa que torna o negócio mais barato do que meios convencionais. A Uber teria conseguido adquirir unidades do Vezel, da Honda, com descontos de até 12%.
Problema sabido
Ao disponibilizar os carros, a Uber garantiu aos motoristas que eles estavam em “perfeitas condições”, mas a Honda, em abril, já tinha expedido um alerta de recall porque um componente desenvolvido para desligar o motor quando o carro estivesse parado corria risco de superaquecer.
A própria importadora, chamada Sunrita, avisou à Uber sobre a existência do problema, mas a empresa de transporte seguiu adquirindo Vezels. Os e-mails mostram que 1.065 unidades defeituosas foram parar nas mãos dos motoristas.
Como as compras foram efetuadas junto ao “mercado cinza”, o responsável pelos reparos era a própria importadora, e não a Honda. Mas a Sunrita disse à Uber, num comunicado em maio de 2016, que só poderia tocar o processo em agosto daquele ano. A Uber seguiu comprando mesmo assim, e os e-mails vistos pelo WSJ mostram que pelo menos até janeiro de 2017 a empresa continuava alugando carros problemáticos.
O acidente
Foi justamente naquele mês que ocorreu o acidente. O motorista, Koh Seng Tian, de 61 anos, tinha acabado de deixar um passageiro quando sentiu um cheiro de queimado. De repente, o painel do carro começou a derreter e o para-brisa acabou quebrando. Ninguém se feriu, mas a situação acendeu um sinal amarelo dentro da Uber, que começou a temer a chegada de mais uma crise de relações públicas.
Nas conversas internas, parte dos executivos sugeria tirar todos os carros defeituosos das ruas, mas outra parte acreditava que isso causaria pânico. A Uber optou por deixar os veículos com os motoristas e convocá-los para um reparo que não fora aprovado pela Honda e consistia em desativar o componente defeituoso.
O acidente aconteceu no dia 11 e a sede da Uber em São Francisco, nos EUA, ficou sabendo no dia 14. Os motoristas só começaram a ser avisados sobre a necessidade de reparo quatro dias depois, mas um deles disse ao WSJ que a companhia nunca informou o porquê daquilo.
No final de fevereiro, um dos gerentes da companhia em Singapura convidou sua equipe para celebrar a superação do caso. No e-mail, também visto pelo WSJ, o executivo, Aik Chung Goh, prometia jantar, massagem e “outras travessuras”. Apesar do clima de festa, outro gerente tinha avisado a colegas que, naquele momento, mais de 65% dos Vezels defeituosos ainda não haviam sido consertados.