Os smartphones se tornaram parte tão integrante de nossas vidas, e tão rapidamente, que é difícil imaginar que ainda existe mercado para um outro tipo de telefone celular, no caso, os ‘feature phones’, telefones com o tradicional formato em ‘barra’, teclado numérico e só um ou outro recurso mais sofisticado, como Rádio FM, câmera ou MP3 Player.

De baixo custo, eles atendem a uma parcela da população que não deseja nada muito mais sofisticado do que oferecem, ou que não tem recursos para comprar um smartphone. Mas em um mundo onde o acesso à informação é cada vez mais essencial, estes usuários podem acabar ‘ficando para trás’, perdendo o acesso a serviços, informação ou entretenimento que estão disponíveis online para grande parcela da população.

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Ou seja, existe mercado para um intermediário, um ‘feature phone’ mais conectado, com alguns dos recursos de um smarphone, mas ainda assim de baixo custo. Essa é a aposta da Positivo com seu ‘smart feature phone’ P70S, e da KaiOS Technologies com o sistema operacional no qual ele é baseado, o KaiOS.

KaiOS? O que é isso?

O KaiOS é um descendente do finado Firefox OS, iniciativa da Mozilla para produzir um sistema operacional para smartphones de baixo custo, sempre conectados. Totalmente baseado em tecnologias da web (como HTML, CSS e JavaScript) o Firefox OS seria uma plataforma aberta, onde qualquer um poderia desenvolver e distribuir apps sem precisar passar por uma loja central.

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O principal destaque do KaiOS é a capacidade de rodar em hardware muito modesto, e portanto muito barato. É uma das iniciativas para levar a internet ao ‘próximo bilhão’ de usuários. Em declaração ao site Android Authority David Bang, Vice-Presidente de Marketing e Desenvolvimento de Negócios da KaiOS Technologies na América do Norte, disse que é possivel ter um telefone 4G por US$ 30, ou um modelo 3G por US$ 20.

Um telefone com o KaiOS não vai rodar jogos como Asphalt 9, mas vai permitir diversas funções ao usuário: se comunicar com clientes usando o WhatsApp, se manter em contato com amigos através do Facebook, se orientar usando o Google Maps, fazer pesquisas no Google ou buscar entretenimento e conhecimento no YouTube.

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Conhecendo o hardware

Todo em preto, o P70S (que tem preço sugerido de R$ 279) tem um visual bastante discreto. O que mais chama a atenção é a tela, que com 2.8′ é considerada grande para essa categoria de aparelhos. Ela tem imagem aceitável considerando a faixa de preço: as cores são boas, mas os ângulos de visão não. Isso não vai prejudicar o uso do sistema no dia-a-dia, já que neste tipo de aparelho as interações são muito mais breves que em um smartphone, mas pode incomodar ao assistir vídeos no YouTube, especialmente se eles tiverem cenas escuras.

O teclado tem 16 teclas e um grande botão com a logo do Google Assistente, que embora não pareça, é um direcional com 4 posições e um botão ‘OK’ central. Você utilizará ele e as teclas de opções à esquerda e direita para interagir com o sistema, selecionar apps, confirmar escolhas, rolar uma página Web, etc.

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A digitação de texto é feita pelo método T9, lembram dele? Cada tecla tem um conjunto de 3 letras atribuído a ela, por exemplo, 2 é ‘ABC’. Para teclar A, aperte 2 uma vez. Para B, aperte 2 duas vezes seguidas. Para C, aperte 2 três vezes seguidas. E por aí vai.

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O teclado do P70S é duro. E a teclinha verde causou uma confusão…

Felizmente há um teclado preditivo: você começa a digitar uma palavra e ele mostra sugestões para completar. Você não precisa selecionar cada letra individualmente, basta pressionar as teclas onde elas estão. Por exemplo, digite pare (7273) e ele já sugere completar com parece ou parede.

Conheço gente que era ‘fera’ no T9 e conseguia digitar mensagens imensas em poucos segundos. Mas fazer isso no P70S vai ser difícil, pois o teclado é muito duro. O mesmo pode ser dito da tecla de navegação: seria melhor se ela fosse substituída por um ‘mini joystick’. Além de facilitar o uso da interface, ele tornaria mais fácil a movimentação do cursor no navegador, para selecionar links e imagens.

Falando em teclado, é preciso mencionar um erro da Positivo: tive dificuldade para descobrir como digitar em maiúsculas até que resolvi consultar o manual, que diz ‘Para alterar o modo de digitação entre letras minúsculas, maiúsculas e números, pressione a tecla #’. Imaginem minha surpresa ao descobrir que essa tecla aparentemente não existe no teclado.

Na verdade ela existe, mas está coberta com um adesivo verde e tem o ícone do WhatsApp, já que serve como acesso direto a ele. Não há nenhuma indicação desta outra função. Aliás, no próprio manual ela é diferente, com o símbolo # e um balão de conversa ao lado, o que indica que a decisão de cobrir a tecla foi algo de última hora.

O P70S é um telefone Dual-SIM e tem um slot para cartões microSD, que pode (na verdade deve) ser usado para armazenar suas fotos, vídeos e músicas, já que há apenas 512 MB de memória interna, com cerca de 138 MB disponíveis para instalação de apps, que felizmente são pequenos.

Mesmo considerando que o P70S não é um smartphone e levando em consideração seu preço, a câmera (com resolução VGA, ou seja, 640 x 480 pixels) é horrenda. O tempo de exposição é muito alto e qualquer tremidinha na hora do clique vai borrar a foto, mesmo em um dia ensolarado.

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Foto em ambiente interno feita com o P70S. Note como o texto sob os botões não tem definição

A sensibilidade à luz é baixa e a qualidade da imagem deixa muito a desejar. Tudo bem fazer fotos em baixa resolução, mas seria legal se elas não se parecessem com algo feito através de um pedaço de celofane engordurado. Pelo menos ela tem um flash, que também serve como lanterna.

A bateria tem capacidade de 1.350 mAh e dura bastante. Em um dia de uso conectado ao Wi-Fi e 4G, recebendo mensagens no WhatsApp e ouvindo músicas continuamente, medi um consumo 20% de bateria em 4 horas e 15 minutos de uso. Ou seja, uma autonomia estimada em pouco mais de 21 horas de uso. Nada mal.

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Foto feita sob a luz do Sol. Note o “borrão” no solo.

O processador do P70S é um Unisoc Quad-Core de 1.3 GHz, acompanhado por 256 MB de RAM. Não que isso seja importante para os consumidores deste tipo de aparelho, mas eu sei que vocês vão perguntar. O desempenho não é dos melhores. Isso devido à pouca quantidade de memória RAM: são apenas 256 MB, o mínimo para o KaiOS. Por causa disso, várias vezes o player de música fechou enquanto eu usava o WhatsApp, e o navegador constantemente exibe a mensagem de que ‘a memória do dispositivo está acabando, e o navegador pode se comportar de forma anormal’. É um aparelho para fazer uma coisa de cada vez.

E o software?

O KaiOS tem uma interface simples e bastante agradável. A tela inicial tem um relógio e uma ‘dock’ na lateral esquerda com atalhos para os cinco principais apps. Use a tecla da esquerda para abrir uma central de notificações, e a da direita para abrir a lista de contatos. Um toque no botão central da lista de navegação abre uma lista de apps, bem semelhante ao que você veria em um smartphone Android.

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Tela inicial do KaiOS

A seleção de software tem o básico: registro de chamadas, lista de contatos, loja de apps, mensagens, um app do Google, câmera, navegador web, galeria, relógio, player de música, Rádio FM, agenda, calculadora, player de vídeo, configurações, gerenciador de arquivos, gravador de voz, Google Assistente, Google Maps, YouTube, Facebook e WhatsApp.

Os apps são simples, mas dão conta do recado. O manual explica o básico sobre como navegar pela interface, usar a loja, ajustar configurações e usar a câmera. Só achei estranho, num aparelho com tantos serviços do Google, que a Agenda não se integre com o Google Calendar. Seria uma boa para compartilhar compromissos com outros membros da família.

Para complementar os apps instalados, o KaiOS tem uma loja de aplicativos própria, chamada simplesmente de ‘Loja’. Os apps são divididos em nove categorias: Recomendados, Social, Jogos, Utilitários, Estilo de Vida, Entretenimento, Saúde, Esportes e Livros e Referência. Por enquanto o catálogo é tão pequeno que dá pra contar a quantidade total de apps sem muito esforço: são 125 no momento em que escrevo este artigo.

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Loja de Apps. Não há imagens, descrição ou notas para os aplicativos disponíveis

A categoria com mais apps é Jogos, com 83 apps, e a menos servida é Social, com apenas três (WhatsApp, Facebook e Twitter). Curiosamente, na categoria Livros e Referência há apenas três titulos: duas versões do Corão e uma da Bíblia.

Apesar da pouca quantidade, encontrei boa parte do que procurava: um agregador de notícias (KaiNews), previsão do tempo (KaiWeather), lista de tarefas (Todo), leitor de QR Code, um monitor de atividade física (Atividade) e até alguns jogos simples, como 2048, Stack Building e uma versão de Bejeweled chamada ‘Gems’. De tédio eu não morro.

Os apps são bem pequenos, e instalam em questão de segundos. O que não gostei foi que a loja é extremamente básica. Os apps parecem estar organizados aleatoriamente, e não há busca. Também não há screenshots dos apps, nem mesmo avaliação por parte dos outros usuários. Ou seja, o único jeito de saber se um app cumpre o que promete é instalando pra experimentar.

O navegador do P70S dá conta de carregar a versão mobile dos sites, consegui até mesmo acessar a versão mobile do Instagram (m.instagram.com) e postar uma imagem a partir de lá. Mas se atrapalha com sites pesados, com muitas imagens, anúncios e scripts. A mensagem de pouca memória é constante, e não é raro o cursor demorar a responder a um comando, não responder ou o navegador simplesmente fechar na sua cara.

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Mensagens de falta de memória, como acima, infelizmente são comuns

Vale destacar a presença do Google Assistente. Basta segurar o botão central por alguns segundos e ele surge na tela. Aí é só fazer uma pergunta e aguardar a resposta, que pode ser falada ou então uma página web com o resultado.

Você pode perguntar coisas como ‘Quando o homem pousou na lua’, ‘Qual a previsão do tempo’ ou ‘Quem ganhou o último jogo do Palmeiras?’. Dá para fazer ligações dizendo ‘ligar para’ e o nome do contato, mas não há como definir um alarme ou timer dizendo ‘alarme para 8 da noite’ ou ‘timer em 5 minutos’, como no Assistente no Android.

WhatsApp

Mas vamos falar do principal atrativo do P70S, o WhatsApp. A experiência básica está ali: você pode conversar com contatos e grupos, compartilhar fotos, músicas e vídeos, enviar e receber mensagens de áudio, compartilhar sua localização e encaminhar mensagens.

Mas também há limitações: nada de chamadas de áudio ou vídeo, compartilhamento de documentos, citações (respostas com a mensagem original acima), emojis, GIFs e WhatsApp Web. Também não há suporte a ‘stickers’ customizados: o app avisa que o aparelho não é compatível.

Reprodução

WhatsApp: Dá pra bater papo, se você aguentar o teclado

Uma vez configurado, o app roda em segundo plano, como no Android. Se uma mensagem chegar, uma notificação no topo da tela mostra o remetente e um trecho dela. As notificações se integram à central de notificações do sistema, e abrir uma delas abre o app diretamente na mensagem correspondente.

Infelizmente, o duro teclado numérico prejudica bastante o uso do WhatsApp. Digitar uma mensagem longa requer paciência (até você se adaptar ao layout) e força. Dá pra mandar mensagens de voz, mas muitos contatos e grupos não gostam de recebê-las.

Vale a pena?

Em um mundo tão acostumado a smartphones, existe espaço para o P70S? Eu diria que sim, mas ele não é lá muito grande.

Vejo o aparelho como uma opção para um parente mais idoso, que se confunde com os smartphones e prefere algo mais simples. Também para quem não tem familiaridade com a tecnologia. Ou como um ‘celular de backup’ caso seu aparelho principal seja danificado ou roubado. Talvez até como ‘celular de balada’, pra você levar em um show sem preocupação e ainda se manter em contato com seus amigos.

Fora esses casos, há poucos motivos para recomendar o P70S. Ainda mais considerando que pelo preço (R$ 280, segundo a fabricante) você encontra smartphones Android com telas e câmeras melhores, onde é muito mais fácil digitar.

Em uma busca rápida encontrei o Twist 2 Fit, da própria Positivo, por R$ 280. Outras fabricantes, como a Multilaser, Semp e Alcatel, também tem aparelhos nessa faixa de preço. Não importa qual você escolher, todos vão ter tela maior, câmeras melhores e mais espaço interno que o P70S.

Ainda assim, a ideia por trás do sistema operacional KaiOS é interessante. Gostaria de ver do que ele é capaz em hardware um pouco melhor.