“Super-reconhecedores”: a versão humana dos sistemas de reconhecimento facial

Policiais com esse "talento" complementam os sistemas de reconhecimento facial usado na segurança pública de países como a Inglaterra
Redação01/04/2019 20h11, atualizada em 01/04/2019 21h37

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Kenny Long lembra que, quando a polícia metropolitana de Londres identificou pela primeira vez seu talento para identificar rostos, em 2015, ele teve uma reação instintiva e interessante ao ser chamado de algo como “super-reconhecedor”.

O talento de Long, a capacidade de colocar nomes em rostos, mesmo de pessoas que ele não vê há anos, é semelhante a um superpoder. Isso levou-o a vincular infratores a múltiplos crimes e resultou em condenações judiciais. A New Scotland Yard até recrutou o oficial para uma unidade especial, embora agora ele administre sua própria empresa para identificar e treinar “super-reconhecedores” em todo o mundo.

Você pode reconhecer seus vizinhos se vislumbrá-los em um contexto desconhecido, mas talvez não tenha as habilidades de observação para identificar uma figura encapuzada em um vídeo borrado como a mesma pessoa que estava sentada à sua frente no trem na semana passada. Um pequeno grupo de pessoas pode, no entanto, e é isso que separa os super-reconhecedores dos outros meros mortais.

A desvantagem é a escassez de indivíduos que se qualificam dessa forma. A capacidade de reconhecer um número extraordinário de rostos é uma peculiaridade cognitiva identificada pela primeira vez por pesquisadores da Universidade de Harvard e da University College London em 2009, e que afeta apenas 2% da população. Não há nada que você possa fazer para ensinar a si mesmo essa habilidade, de acordo com Josh Davis, um especialista em psicologia aplicada da Universidade de Greenwich, que estuda sujeitos com esse “talento”. Você nasce com isso ou não.

Super-reconhecedores são, para alguns, uma esquisitice na aplicação da lei em um momento em que agências governamentais e empresas estão avançando com sistemas de reconhecimento facial. A tecnologia, que resume os aspectos do seu rosto em um código numérico, é usada em todos os lugares, como no Face ID no iPhone XS. Mas os grupos de liberdades civis estão preocupados com a invasão de privacidade e o excesso de autoridade.

Em meio a esse debate, os super-reconhecedores oferecem uma alternativa humana ou uma oportunidade para complementar a tecnologia.

A Polícia Metropolitana de Londres emprega uma equipe especial de super-reconhecedores que vasculham imagens de crimes cometidos na capital britânica em busca de rostos familiares. Pode parecer uma maneira tediosa e arcaica de fazer as coisas, mas a precisão dessas pessoas é tal que os torna um investimento que vale a pena para a aplicação da lei.

Ao mesmo tempo, as forças policiais de muitos países estão adotando o uso de algoritmos de reconhecimento facial para identificar criminosos ou encontrar rostos específicos em uma multidão. A tecnologia promete uma identificação mais rápida e eficiente de suspeitos, comparando cenas com listas de observação de suspeitos de uma forma semelhante à comparação do DNA com um banco de dados.

Ao invés de uma dinâmica “homem versus máquina”, há uma oportunidade para super-reconhecedores e computadores trabalharem juntos. Um importante estudo publicado no periódico PNAS, em 2018, concluiu que “a identificação facial ideal só era alcançada quando humanos e máquinas trabalhavam em colaboração”.

“Vamos dizer que a polícia tenha uma ameaça crível de que alguém iria atacar Londres, de alguma forma, e você tinha os sistemas de computador vasculhando uma grande quantidade de feeds de CCTV – seria ótimo ter um monte de super-reconhecedores olhando para todos as possíveis correspondências sinalizadas”, disse Davis.

Super-humanos e supercomputadores

Além de encontrar e treinar super-reconhecedores, Long auxilia uma empresa de tecnologia de reconhecimento facial chamada Digital Barriers.

Ele trabalhou com a Digital Barriers para realizar testes no Brit Awards e no National Television Awards, em Londres, no início de 2019. Lá ele usou suas habilidades como super-reconhecedor para confirmar que seu software de reconhecimento facial estava identificando corretamente as pessoas.

“É muito importante ter a verificação humana, porque a tecnologia de reconhecimento facial é absolutamente notável, mas você sempre precisa de alguém no final para confirmá-la”, disse Long.

Para ele, faz sentido que, para aproveitá-la ao máximo, você precisa usar seres humanos, com seu conjunto de habilidades para obter uma identificação positiva de um suspeito. “Por que você quer uma tecnologia tão fantástica sem as pessoas certas usando isso?”, questionou ele.

Quando se trata de identificar suspeitos em um ambiente ao vivo, os dois podem executar funções muito diferentes. O software pode filtrar grandes quantidades de dados, e o policial, familiarizado com o suspeito, realiza a correspondência correta.

Os sistemas de reconhecimento facial têm um limiar de precisão que, dependendo das circunstâncias, pode ser ajustado para lançar uma rede ampla ao invés de ser específico, explicou Davis. Em alguns dos testes, o índice de pessoas reconhecidas foi propositalmente baixo para reunir uma ampla gama de possíveis correspondências. Isso tem contribuído para que algumas das coberturas da mídia sobre as taxas de sucesso sejam excessivamente críticas.

Se você é uma das pessoas detidas erroneamente como parte do julgamento e depois liberadas sem custo, você provavelmente tem uma opinião diferente sobre isso. Mas, de acordo com Davis, pode até haver momentos em que é a favor da polícia ter uma ampla gama de falsos positivos – por exemplo, se eles estão procurando por suspeitos terroristas em tempo real e os riscos são altos. “Não importa se o sistema sinaliza alarmes falsos para pessoas completamente inocentes, porque você só precisa encontrar aquele suspeito”, completou.

Os super-reconhecedores não fazem muito para desafiar as preocupações com a privacidade levantadas pela tecnologia de reconhecimento facial. De fato, como  aponta o relatório do Painel de Ética em Policiamento da Prefeitura de Londres, publicado em julho do ano passado, eles apresentam alguns dos mesmos problemas. Mas a maior precisão que trazem para os métodos de detecção pode ajudar a fortalecer o argumento para o uso policial da tecnologia.

Em algum momento, um humano terá que fazer uma escolha e, para especialistas como Davis, faz sentido se esses humanos são super-reconhecedores.

“O computador não pode tomar uma decisão final”, disse ele. “Mas pode lhe dar informações para tomar uma decisão final.”

O olho que tudo vê da lei

Os testes de reconhecimento facial da Met Police acabaram de ser concluídos e a agência está pronta para publicar os resultados no mês que vem.

Mas os julgamentos já provocaram indignação entre ativistas de privacidade e grupos de direitos humanos, como o Big Brother Watchand Liberty. Para eles, falta transparência sobre quando e onde o uso dessa tecnologia está ocorrendo.

“O reconhecimento facial ao vivo é uma forma de vigilância em massa que, se permitido continuar, transformará os membros do público em cartões de identificação ambulantes”, disse Silkie Carlo, diretor do Big Brother Watch, em comunicado ao CNET.

Uma crítica particular dos julgamentos policiais do Reino Unido é que eles nem tiveram sucesso. Em 2017, quando a Polícia Metropolitana testou a tecnologia no Carnaval de Notting Hill, descobriu-se que ela estava errada 98% do tempo, de acordo com uma análise conduzida pelo Big Brother Watch.

“Combater o crime violento é uma prioridade fundamental para o Met, e estamos determinados a usar toda a tecnologia emergente disponível para apoiar a atividade de policiamento padrão e ajudar a proteger nossas comunidades”, disse uma porta-voz da força em um comunicado.

A força policial de South Wales tentou aumentar a transparência em torno de seus próprios julgamentos publicando detalhes sobre o número de alertas da tecnologia de reconhecimento facial e o número de correspondências corretas feitas.

O professor Martin Innes, juntamente com seus colegas pesquisadores da Universidade de Cardiff, conduziu uma revisão independente do julgamento de Gales do Sul, que aconteceu em ambientes ao vivo, mas também usou imagens de cenas de crime existentes nas câmeras de vigilância.

A revisão de Innes descobriu que, embora a tecnologia de reconhecimento facial possa ajudar a polícia a identificar suspeitos — o que não seria possível de outra forma —, investimentos consideráveis e mudanças nos procedimentos operacionais da polícia são necessários para gerar resultados consistentes.

Em vez de pensar na AFR como “tecnologia automatizada de reconhecimento facial”, ele prefere pensar nela como “tecnologia de reconhecimento facial assistida”, disse ele. “Neste momento, nossa sensação é que provavelmente seja melhor colocar ao lado de algum tipo de operador humano.”

 (Conteúdo via Cnet)

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital