Houve um tempo em que cada grande lançamento de smartphone da Samsung era seguido de vários modelos similares com um “sobrenome” como Mini, ou Lite, que miravam um público que não queria pagar grandes valores em um top de linha, mas não queriam ficar de fora do momento.
Nos anos mais recentes, no entanto, a companhia mudou um pouco de estratégia, entendendo que era mais interessante manter suas linhas mais premium, Galaxy S e Galaxy Note, de outros modelos mais populares, como Galaxy A e M.
Há uma exceção, no entanto. A Samsung ainda se vale da prática de aproveitar a nomenclatura de seus tops de linha para outros modelos mais simples em um caso específico: o Galaxy S20 FE (Fan Edition).
Muito melhor que um Galaxy S20 “Lite”…
A primeira coisa que precisa ficar claro, é que o Galaxy S20 FE não é, nem de longe, similar aos modelos “Lite” que a Samsung costumava lançar no passado. O aparelho é digno do nome S20 que carrega, e é, sim, um aparelho digno de ser chamado de top de linha… só que com algumas restrições orçamentárias.
A parte S20 dele é a que está por dentro. Com um chipset Exynos 990, o S20 FE basicamente iguala em desempenho seu irmão mais chique. Até mesmo em benchmarks a diferença entre ambos é praticamente inexistente. Rodar um aplicativo como o AnTuTu em ambos dá aproximadamente 515 mil pontos para cada um, o que significa que não há diferença significativa na velocidade para jogar ou executar quais quer tarefas.
Assim, se hoje o S20 está no patamar mais alto do que um Android pode oferecer em termos de desempenho, ao ladinho dele está o S20 FE.
Uma diferença em termos de especificações é que o FE conta com um pouco menos memória RAM do que o S20 padrão, 6 GB contra 8 GB. É uma diferença que, particularmente, não me afeta. O único cenário em que consigo ver algum usuário prejudicado pelo “downgrade” seria a situação de um power-user que tem o hábito de usar vários aplicativos simultaneamente, principalmente dividindo a tela em duas. Não é o uso mais comum da maioria das pessoas.
… mas as restrições orçamentárias são claras
Não é porque a Samsung optou por configurações tops de linha no FE que ele é totalmente digno de ser comparável a outros modelos da categoria. Se por dentro ele tem tudo que um modelo mais avançado precisa ter, por fora, a situação é outra.
Isso é perceptível na questão do acabamento. Modelos da faixa mais alta de preço investem pesado em materiais que os distinguem dos demais. Nos últimos anos, a opção tem sido pelo vidro, mas por muito tempo foi o alumínio.
O Galaxy S20 FE não tem nada disso. Ele usa um plástico bastante simples como seu material de escolha para a traseira, mas que pelo menos não afeta a capacidade do celular utilizar a recarga sem fio, o que é cada vez mais importante nos dias atuais.
Não é um plástico comum, é verdade. O modelo que recebi para testes tem uma traseira branca, mas que produz um reflexo furta-cor que, particularmente, achei bastante interessante. O aparelho ainda conta com uma borda lateral cromada que é aplicada elegantemente.
Os cortes de custos ficam claros quando você pega o S20 FE nas mãos. Os modelos mais premium da empresa contam com uma borda curva nos cantos da tela (a empresa chama de Infinity display). No lugar, a Samsung optou por um painel totalmente plano, cercado por uma borda fina, o que é uma regressão estética bastante notável.
Um ponto positivo, no entanto, é que, ao contrário do que eu sinto quando pego celulares que contam com esse display curvo nas bordas, a minha mão não toca diretamente na tela quando seguro o celular, o que normalmente causa alguns toques acidentais no canto do painel, mesmo com software de rejeição de palma.
Tela
Um outro downgrade sofrido pelo FE em comparação com o S20 padrão está na resolução da tela. A Samsung utiliza uma resolução Full HD+, que é mais simples do que o formato QuadHD+ utilizado no S20 convencional.
Novamente, particularmente neste caso eu não consigo perceber um ponto negativo significativo. Para telas tão pequenas com as de celular, mesmo nos maiores painéis (como o do S20 FE, com 6,5 polegadas), dificilmente é possível perceber a diferença entre resoluções tão altas, e os ganhos com economia de energia ao utilizar um painel menos exigentes são significativos. Tanto é que os próprios tops de linha da Samsung evitam utilizar nativamente o QuadHD+, e o usuário precisa ativá-lo nas configurações.
Felizmente, a Samsung decidiu não economizar na tecnologia de tela. A empresa poderia ter cortado custos utilizando um painel de LCD comum e optado por uma taxa de atualização modesta, mas decidiu oferecer a opção de 120 Hz com o Super AMOLED que são um diferencial forte da marca há um bom tempo.
Toda a família de tecnologias OLED, para quem não está familiarizado, tem alguns impactos bastante positivos sobre o celular. Na parte visual, o destaque fica para a fidelidade na reprodução do preto e tons escuros, já que cada pontinho na tela pode ser aceso ou apagado individualmente, permitindo que o preto seja representado pela total ausência de luz.
O outro ponto forte diz respeito à economia de energia. Como cada pixel se acende sozinho, a tela acaba economizando bateria quando mostra tons escuros, e isso se reflete na autonomia do aparelho.
Bateria
Já que entramos no ponto de gerenciamento de energia, a tela contribui bastante para uma boa autonomia do celular. Na maior parte dos dias em que eu usei o S20 FE, não precisei me preocupar com a recarga mesmo após um dia inteiro; inclusive, mesmo depois de ir dormir sem colocar o aparelho na tomada, ele ainda mantinha uma recarga boa para o início do dia.
Em um cenário sem a pandemia, eu diria que a bateria do Galaxy S20 FE seria compatível com um dia e meio de uso: você acorda com o celular carregado, vai trabalhar de ônibus usando o celular, volta para casa, dorme, acorda e vai ao trabalho novamente de ônibus; só então seria necessário recarregá-lo.
No entanto, é necessário deixar claro que, devido à pandemia de Covid-19, não foi realmente possível medir a autonomia em um dia convencional como o do exemplo do parágrafo acima. Com regime de trabalho em home-office, o uso do celular é menos exigente: menos tempo lendo no transporte público e navegando em redes sociais, vendo vídeos, menos tempo ouvindo músicas e podcasts com fones Bluetooth.
Dentro desse cenário de uso mais limitado, o celular chega tranquilamente ao fim do dia com mais de 50% de carga, mesmo que sua bateria não seja das maiores. Com a capacidade de 4.500 mAh, o dispositivo aguenta bem o tranco, pelo menos em seus primeiros dias de uso. Infelizmente, não há como dizer se esse desempenho se sustentará no longo prazo.
Câmera
A câmera foi outra das vítimas da contenção de custos na comparação com o Galaxy S20 convencional. Não que o resultado seja ruim, mas o S20 convencional é indiscutivelmente melhor.
A Samsung optou por manter um módulo triplo de câmera traseira, sem contar com um sensor de 64 megapixels, igual seu irmão mais premium. No lugar, a companhia adotou uma combinação de um sensor principal de 12 megapixels e abertura f/1.8, uma lente grande-angular, que alcança até 123°, também com sensor de 12 MP e abertura f/2.2 e uma teleobjetiva, que acompanha um sensor de 8 MP e abertura f/2.4 e permite o registro de imagens mais aproximadas.
De um modo geral, as câmeras do S20 FE são bastante competentes, especialmente em ambientes com bastante iluminação. Em situações com menos luz ela se sai bem, mas não tanto, especialmente quando se trata da lente frontal, que produziu algumas imagens granuladas quando tentei fazer selfies à noite, mesmo em um ambiente bem iluminado. A lente traseira se sai melhor em situação de pouca luz, mas a perda de qualidade também é evidente.
O S20 FE conta com a mesma capacidade de seus irmãos mais parrudos de combinar as imagens de seus múltiplos sensores para criar um super zoom digital de até 30x, que funciona razoavelmente bem, mas não faz milagre. Ele permite preservar detalhes a longas distâncias, mas não em uma qualidade que você gostaria de usar para publicar em suas redes sociais. Por exemplo: você pode até conseguir ler uma placa da rua da janela da sua casa, mas dificilmente vai querer capturar uma paisagem com essa tecnologia, pelas grandes distorções causadas pelo algoritmo.
Um recurso que eu particularmente acho divertido no celular é o Single-Take. O usuário grava um vídeo e é orientado pela interface a tentar capturar a mesma imagem por múltiplos ângulos. O aparelho então utiliza inteligência artificial para selecionar os melhores quadros do vídeo para transformá-lo em fotos, aplicar os efeitos mais adequados ou então remixar o vídeo de maneiras diferentes. Um único vídeo de 10 segundos pode render quatro ou cinco fotos e dois vídeos distintos.
Uma função que também me chamou a atenção enquanto eu tirava algumas fotos para teste foi o Otimizador de Cena, que foi capaz de reconhecer o que eu estava tentando fotografar e fazer pequenos ajustes para melhorar a imagem utilizando inteligência artificial. Se eu clicava plantas, ele reconhecia e realçava o verde, por exemplo. É uma função que tem o potencial de criar imagens mais bonitas sem grande conhecimento fotográfico, o que é bastante bem-vindo.
Software
A indústria de smartphones, se formos analisar, deu uma estagnada com os últimos anos. O mercado parece ter se assentado em um formato de celular e a maioria dos aparelhos parecem iguais, tirando algumas iniciativas mais ousadas, como os celulares de tela dobrável. Onde as empresas tentam se diferenciar? No software.
E alguns anos atrás, a Samsung sairia atrás da concorrência com a infame TouchWiz, lembrada por muitos como não só por ser ruim em design e usabilidade, mas como causadora de problemas de desempenho no celular. Hoje, com a OneUI, isso, felizmente, não é mais uma realidade; a interface segue sendo elegante, bem projetada, sem perder a grande variedade de recursos que é a marca da Samsung.
Neste ponto, o S20 FE não deixa em nada a desejar em comparação com seus irmãos tops de linha, como o S20 e o Note (tirando os recursos da S-Pen, claro). Dentro deles, segue um destaque interessante o DeX, que permite conectar o telefone a um monitor ou televisão para utilizá-lo como um desktop, o que eu consigo imaginar sendo bastante útil especialmente para quem viaja bastante. A possibilidade de usar o recurso sem fios para ligá-lo a uma Smart TV sem precisar de um cabo HDMI, o torna especialmente útil.
Da mesma forma, é interessante a integração que apenas os celulares da Samsung têm com o Windows. Por enquanto, apenas os aparelhos da empresa permitem rodar aplicativos do celular diretamente na tela do seu PC, como se estivessem rodando nativamente, permitindo fixar atalhos na área de trabalho ou na barra de tarefas. Em breve o recurso permitirá rodar mais de um app do celular de uma só vez, mas por enquanto, isso vale apenas para um aplicativo. Eu consigo ver isso sendo bastante útil para poder interagir com o smartphone sem precisar mexer diretamente nele, especialmente para aqueles serviços que não têm uma funcionalidade similar para computadores.
Isso não quer dizer que a Samsung não tenha suas falhas na parte de software. Eu aguardo o momento em que a empresa admitirá a derrota e deixará de empurrar a assistente Bixby em seus celulares. Incomoda especialmente que o botão lateral, que na cabeça de qualquer usuário serviria para ligar e desligar o celular, ou então para travar ou ativar a tela, é usado para chamar a assistente. O usuário precisa escavar as configurações do celular para conseguir configurar o botão para fazer o que se espera dele, e eu não acredito que sejam muitos os usuários que tenham a paciência ou o conhecimento para fazer isso.
Por fim, é necessário ressaltar que a Samsung tem feito alguns esforços para evitar erros cometidos no passado, não necessariamente com seus tops de linha. A empresa tem se comprometido a manter o Android de seus celulares atualizados com mais frequência e por mais tempo, garantindo três anos de atualizações de recursos e segurança. É um compromisso com o qual a maioria das fabricantes dentro do ecossistema do Google não tentam envolver, e só benefício para o consumidor.
Preço é incompreensível
Com tudo o que foi dito, o Galaxy S20 FE é um celular sólido, uma boa escolha para quem não precisa de todos os floreios de um celular top de linha. No entanto, o preço do modelo, neste momento não é justificável sob qualquer aspecto.
Uma pesquisa rápida em qualquer comparador de preços mostra que o Galaxy S20 mais simples custa por volta de R$ 3.000 no varejo. Enquanto isso, a Samsung optou por trazer o Galaxy S20 FE por mais de R$ 4.000, hoje encontrado pelo preço mais baixo de R$ 3.500. Não há justificativa para comprar um FE em vez de um S20 padrão.
Isso dito, essa distorção provavelmente é causada pelo fator novidade do FE, que chegou ao mercado recentemente, e ainda não teve tempo de ver muitos cortes de preço. A tendência é que dentro de alguns meses essa situação seja normalizada.
Conclusão
O Galaxy S20 FE não faz sentido pelo preço atual. Simples assim. Há opções melhores da própria Samsung mais baratas.
Isso dito, o celular é muito bom dentro do que se propõe, que acerta muito mais do que erra, e pode ser uma ótima opção, desde que pelo preço correto. O aparelho corta os luxos mais irrelevantes de um celular top de linha, mas mantendo um núcleo de respeito, comparável com basicamente qualquer aparelho da categoria.
Não é diferente da estratégia seguida por tantas empresas chinesas que nos últimos anos começaram a ganhar mais força no mercado. Xiaomi e tantas outras conseguiram sucesso apostando em componentes centrais de alto desempenho enquanto outros aspectos periféricos sofrem com o corte de custos. Para o consumidor final, não faz tanta diferença na maior parte dos casos.
O que falta para a Samsung, no entanto, é a capacidade de trabalhar com margens de lucro mínimas, o que vai reduzir em algum momento o preço do S20 FE. Por enquanto, essa não é a realidade.