A Samsung está de volta com o Galaxy Note, um de seus produtos mais importantes e que há quase uma década criou uma tendência irreversível no mercado. Você se lembra da primeira versão? Naquele momento, reinavam os smartphones pequenos, seguindo a linha de design do iPhone: aparelhos que poderiam ser facilmente utilizáveis com uma mão, como recomendava Steve Jobs.
O Note mostrou para o mercado que outro caminho era possível, e que o público tinha a ganhar com aparelhos maiores. Hoje, não há celular com telas de menos de 5 polegadas, o que seria impensável há uma década.
Mas o Note 20 Ultra faz jus a essa trajetória de sucesso da linha (com exceção do explosivo Note 7)? É o que vamos discutir abaixo:
Design
Tudo no Galaxy Note 20 Ultra passa seriedade e sobriedade. É um aparelho que parece ter um público bastante específico em mente, que quer (e pode pagar pelo que) há de melhor no mercado, mas quer um celular que passe seriedade. É uma ferramenta de trabalho, e não um brinquedo.
Para perceber isso, basta olhar para os cantos do Note 20, com cortes precisos e retos, quase em 90°. Um monolito que quase consegue ficar em pé por conta própria, sem um suporte para segurá-lo. A cor “mystic bronze” promovida pela Samsung, também ajuda a contribuir com essa ideia de sobriedade.
É interessante a escolha da Samsung pelo vidro como material para a traseira do dispositivo. Não por ser raro, nem de longe; hoje em dia é padrão entre celulares desta categoria. O que torna a aplicação interessante é o fato de simplesmente não parecer um celular de vidro, com um acabamento fosco que faz parecer que você está segurando um aparelho de alumínio. Ao longo dos anos, as empresas migraram para o vidro pela facilidade que o material proporciona para a recarga sem fio por indução, mas isso costuma criar dispositivos que se tornam muito espelhados na traseira e juntam marcas de impressão digital que enfeiam o produto. A solução do Note 20 Ultra me parece elegante e bonita.
O Note 20 Ultra é grande. Muito grande. Mesmo com minhas mãos enormes, usá-lo segurando uma mão parece um esforço inútil, o que criou, para mim, alguns problemas de usabilidade de quem está acostumado com algo um pouco menor. Isso inclui a incapacidade de alcançar determinados elementos da interface de aplicativos sem fazer malabarismos com o celular na mão e alguns toques indesejados no display, alavancados pelas laterais de vidro curvo. Foi só quando meu cérebro se adaptou à necessidade de usar o aparelho com duas mãos que esses problemas cessaram. É um hábito que precisa ser adquirido pelo usuário.
O Note 20 também segue uma identidade adotada pela Samsung em seus últimos lançamentos, com uma tela que cobre praticamente 100% da parte frontal do smartphone, com uma bordinha minúscula cercando o display. Para abrigar a câmera frontal, a empresa segue a estética Infinity-O, que é um “furo” na tela centralizado na parte superior. Particularmente, é mais agradável do que o infame “notch” popularizado com o iPhone, mas ainda preferiria que a câmera fosse posicionada no canto da tela em vez da parte central.
Na parte de trás, a escolha da Samsung pela lombada para abrigar as câmeras é questionável. Eu nunca vi um celular com uma câmera tão proeminente em relação ao resto do corpo do celular. A altura da lombada é praticamente a metade do restante espessura do Note 20 Ultra. Esse volume somado ao seu ângulo reto faz com que o aparelho passe a impressão de que pode enganchar no bolso da calça a qualquer momento se o usuário não tiver cuidado.
Tela
Como mencionado acima, a tela do Note 20 é gigantesca, com 6,9 polegadas, mantendo a tradição da linha. Se isso traz alguns problemas em questão de usabilidade, não dá para negar que também traz outras vantagens.
Primeiro, a Samsung mantém sua capacidade de produzir telas excelentes, uma de suas especialidades de longa data. A tela AMOLED de alta resolução, com 1440p é excelente para tudo o que ela se propõe, e o tamanho faz com que ela seja especialmente útil para jogos. A empresa sabe disso e inclusive disponibiliza uma taxa de atualização de 120 Hz para exibição mais fluída do conteúdo no display.
Felizmente, essa taxa de atualização é dinâmica, e não é sempre que essa característica será perceptível, o que é um ponto forte. Ninguém precisa de 120 Hz para usar o navegador do celular e ler uma notícia ou mandar uma mensagem no WhatsApp; seria um desperdício incrível de energia para uma experiência irrelevante, afetando outra função fundamental do celular, que é a bateria.
A tela do Note 20 Ultra também traz um recurso adicional: já que a Samsung abandonou os botões frontais há alguns anos, a empresa também tem incorporado o sensor de impressão digital na própria tela, o que tem seus pontos fortes e fracos. Via de regra, eu senti que o leitor é um pouco mais lento do que um sensor capacitivo, mas ao mesmo tempo ele se mostrou mais capaz de reconhecer meu dedo quando minha mão estava suada ou, por exemplo, suja de farinha enquanto eu cozinhava. Também vale notar que o fato de não haver um sensor físico também fez com que eu colocasse o dedo no lugar errado algumas vezes enquanto a tela estava desligada, então também é algo que pode requerer alguma atenção.
Câmera
Se há um ponto onde não há qualquer discussão sobre a qualidade do Note 20 Ultra é a câmera. A Samsung já tem uma tradição de fazer bons celulares para fotografia na categoria dos tops de linha, e o Note expande os bons resultados do Galaxy S20, lançado na primeira metade do ano.
Na parte traseira, há três sensores. A primeira delas é um sensor ultra-wide de 12 megapixels, para quem quer capturar um ângulo mais amplo, ideal para paisagens. O segundo sensor também tem 12 MP, mas é uma teleobjetiva com zoom óptico de 5x, com um arranjo de lentes no estilo periscópio, que permite enxergar mais longe sem comprometer tanto a espessura física do dispositivo. Por fim, a lente principal tem nada menos que 108 megapixels.
Começando pela lente principal: a escolha por 108 megapixels não significa que você vai salvar fotos gigantescas no seu celular (você até pode, mas não tem muito a ganhar com isso). A opção mais interessante é usar a tecnologia que permite agrupar vários pixels em um só para ganhar mais detalhes em uma imagem menor de 12 megapixels, que é uma técnica conhecida como “pixel binning”. Ela realmente é capaz de fazer boas fotos com essa configuração, com um bom alcance de cores e fazendo imagens de qualidade mesmo em condições de luz mais adversas.
Em segundo lugar, vem a lente periscópio, que tem como principal característica a possibilidade que abre para o celular enxergar mais longe. Além dos 5x de zoom óptico, que já trazem um resultado muito bom. A Samsung também inclui um zoom digital híbrido, capaz de combinar as imagens das três câmeras para alcançar um “zoom espacial” de até 50x, o que é um exagero, mas curioso. Nos nossos testes, foi possível conseguir alguma leitura em uma placa em um portão a 200 metros da minha janela, o que me deixou particularmente impressionado; a foto em si não ficou boa e não pode ser usada para nada, com grande perda de qualidade, mas o fato de eu conseguir ler em vez de enxergar apenas um borrão mostra como o algoritmo consegue combinar as imagens para construir detalhes que estão longe demais para o olho humano. Os resultados em um zoom mais modesto, de, digamos, 10x, por sua vez, são ótimos.
No entanto, é importante observar que nem tudo na configuração de câmeras da Samsung é perfeito. As selfies, apesar de detalhadas, por algum motivo puxam um pouco excessivamente para o rosa; francamente, eu não sei se é uma questão de correção por algoritmo, para dar feições mais “vivas” ao usuário ou algo acidental, mas é um fato que usando outro smartphone (e me olhando no espelho também!), meu rosto não é tão rosado. Perceba na imagem abaixo que, sim, a foto do Note 20 Ultra é superior, mas também produz um tom artificial inexistente na minha pele.
A Samsung também não poupa recursos adicionais às suas câmeras. Basta entrar na área “Mais” para descobrir uma gama de funções divertidas e úteis para diversos públicos. O modo “Super Slow-Mo” permite capturar vídeos em câmera superlenta, enquanto o modo “Pro” permite tomar controle total sobre a imagem, ajustando manualmente a abertura da lente, o foco, balanço de branco, ISO e mais. Desta vez, a empresa incluiu esse modo até mesmo na gravação de vídeo, o que inclui também a possibilidade de controlar a origem do áudio, limitando a gravação apenas ao que vem da frente do aparelho, de trás, de um microfone Bluetooth ou conectado via USB ou então capturar áudio omnidirecional. Como jornalista, esse recurso me agrada bastante, mas não sei se para um usuário comum faria tanta diferença.
Confira algumas amostras da câmera:
Desempenho e bateria
A Samsung fez o possível para colocar o máximo de desempenho neste celular. O Note 20 Ultra concentra o que o mercado tem de melhor para um smartphone Android neste momento. O Exynos 990, chipset desenvolvido pela própria Samsung, aguenta qualquer coisa que você atirar em sua direção, mesmo se você tentar ousar e, por exemplo, tentar dividir a tela em dois para rodar um app em cada metade.
O fato de o modelo contar com nada menos que 12 GB de memória RAM, mais do que muitos notebooks que você pode comprar por aí, também ajuda a oferecer uma experiência de uso coesa, mesmo para os aplicativos mais pesados.
Isso fica particularmente evidente quando se roda algum jogo mais pesado, como um “Asphalt 9: Legends”, por exemplo. A combinação de hardware potente com uma tela de 120 Hz fazem com criam uma experiência especialmente prazerosa de jogo, por mais que a Samsung não anuncie o Note como um “celular gamer”.
Pelos rankings do AnTuTu, por exemplo, que gera uma pontuação com base em uma série de testes de desempenho, o Note 20 Ultra usando o Exynos 990 aparece como o oitavo celular mais potente do mundo no momento. Benchmarks do tipo não costumam ser perfeitos, mas dão uma ideia geral do que esperar com um celular, e o dispositivo não deixa nada a desejar para nenhum concorrente da categoria.
No entanto, eu senti que todo esse desempenho tem uma contrapartida: a autonomia. Sim, o Note 20 Ultra é rápido, aguenta os trancos mais pesados, mas eu não senti que sua bateria grande, de 4.500 mAh, é tão potente assim. Mais de uma vez eu precisei dar uma carga no aparelho antes do fim do dia para que ele pudesse aguentar mais algumas horas e não desligasse na minha cara.
Esse desempenho de bateria me deixou incomodado porque, como muitos no Brasil, eu tenho trabalhado de casa, e reduzi consideravelmente o uso do smartphone: sem utilizar o transporte público, não preciso ouvir música no fone Bluetooth, não preciso assistir a vídeos ou ler para me distrair, então eu esperaria que o aparelho fosse um pouco mais capaz de aguentar pelo menos até o fim do dia. Além disso, o fato de o celular ser novo, recém-tirado da caixa, também deveria conferir resultados melhores de autonomia.
Isso dito, pelo menos o Note 20 tem um sistema de recarga rápido invejável. Ele permite recarregar até 50% da bateria do aparelho em questão de meia hora, garantindo boas horas de uso com apenas alguns minutos ligado na tomada. É uma forma de compensar.
Software e recursos
Há alguns anos, eu chegaria a essa parte com uma resposta pronta: “o software da Samsung na verdade atrasa os aparelhos” e que “melhor seria o Android puro”. O tempo, no entanto, passa, empresas evoluem, e opiniões mudam. Foi-se o tempo de TouchWiz; o Note 20 é um exemplo de interface elegante e bem projetada.
Uma parte importante da experiência do Galaxy Note 20 Ultra é S-Pen, marca registrada da linha junto da tela grande. Graças a ajustes, a empresa conseguiu reduzir drasticamente o tempo de resposta, utilizando um algoritmo preditivo que reduz a latência para apenas 9 milissegundos, segundo as palavras da empresa. Infelizmente, eu não tenho o equipamento para provar essa afirmação, mas eu posso garantir que a escrita na tela é natural e responsiva.
O que nos leva a outra parte importante do novo Note: o aplicativo Samsung Notes, feito para tirar proveito máximo da S-Pen. O aplicativo me parece ser perfeito para acompanhar uma aula, palestra, ou alguma reunião e fazer anotações enquanto o evento se desenrola. Um recurso particularmente interessante é a capacidade de gravar som enquanto o usuário escreve na tela. Depois, na hora de revisitar as anotações, é possível recuperar exatamente o que estava sendo dito enquanto determinada frase foi escrita. Também é notável como o celular consegue interpretar a letra e convertê-la para caracteres digitais, mesmo com meus garranchos.
A S-Pen, no entanto, não é só uma ferramenta de produtividade, ultrasséria. E isso se reflete em alguns outros recursos exibidos quando você tira a canetinha de seu invólucro. O Note também é equipado com os rabiscos em realidade aumentada, utilizando a câmera do celular para sobrepor seus desenhos sobre, por exemplo, o seu rosto. Se você desenhar um par de chifrinhos e um bigode na sua face e gravar um vídeo, os desenhos acompanharam o movimento da sua cabeça.
Uma novidade da Samsung está relacionada ao DeX, ou “desktop experience”, que permite conectar o celular a uma tela externa para usar o celular para ter uma… experiência desktop. O Note 20 é um dos primeiros aparelhos a suportar a versão sem fios do recurso, permitindo conexão com uma smart TV diretamente pelo Wi-Fi. Em meus testes, a conexão com uma TV da própria Samsung foi rápida, prática, e a interação foi fácil e fluída, utilizando a própria tela do celular como um touchpad. Também é possível acoplar mouse e teclado para quem quiser ter uma experiência mais próxima de um PC convencional.
O Note 20 também foi um dos primeiros celulares a abraçar um novo nível de integração com o Windows 10 que permite rodar aplicativos do celular diretamente na tela do seu PC, como se estivessem rodando nativamente, permitindo fixar atalhos na área de trabalho ou na barra de tarefas. Em breve o recurso permitirá rodar mais de um app do celular de uma só vez, mas por enquanto, isso vale apenas para um aplicativo. Eu consigo ver isso sendo bastante útil para poder interagir com o smartphone sem precisar mexer diretamente nele, especialmente para aqueles serviços que não têm uma funcionalidade similar para computadores.
Isso não quer dizer que a Samsung não tenha suas falhas na parte de software. A empresa ainda, por algum motivo, inclui publicidade em alguns de seus aplicativos, o que não se justifica em um aparelho de R$ 8.000, e não há explicação para, em 2020, a assistente Bixby ainda ocupar espaço nos celulares da empresa. É fato que a companhia ouviu as críticas e passou a dar liberdade para os usuários minimizarem ao máximo a interação com a assistente, que tinha até mesmo um botão dedicado, mas isso também fez com que ela se tornasse 100% dispensável.
Por fim, é necessário ressaltar que a Samsung tem feito alguns esforços para evitar erros cometidos no passado, não necessariamente com seus tops de linha. A empresa tem se comprometido a manter o Android de seus celulares atualizados com mais frequência e por mais tempo, garantindo três anos de atualizações de recursos e segurança. É um compromisso com o qual a maioria das fabricantes dentro do ecossistema do Google não tentam envolver, e só benefício para o consumidor.
Conclusão
Quando eu escrevo uma análise de algum produto, eu tento não guiar a minha opinião pelo preço do aparelho em teste. Afinal de contas, estamos no Brasil, e tecnologia é algo muito caro, então todas as avaliações penderiam para o lado negativo. Por isso, eu deixo essa questão para a conclusão, e, infelizmente, não existe celular de R$ 8.000 que seja recomendável, por melhor que seja o produto. Principalmente neste momento de crise econômica.
Isso dito, o Galaxy Note 20 Ultra é um bom celular, um dos melhores do mercado sem qualquer discussão. No entanto, ele prega para os convertidos, sem trazer grandes novidades para atrair um novo público. É uma aposta segura da Samsung, que deve cativar quem gosta da tela gigante e da canetinha S-Pen e está precisando atualizar seu celular. Quem não sente necessidade desses dois elementos estará bem servido com outras opções do mercado, incluindo outros aparelhos da própria Samsung, como a linha S20.
Há muito pouco que o Note 20 Ultra faça mal. A empresa tem usado a nomenclatura “Ultra” para definir os aparelhos com as configurações máximas que o mercado permite no momento de lançamento, e isso se reflete na experiência de uso. A câmera é de altíssimo patamar, o aparelho entrega o que há de melhor em desempenho, o software está refinado, e até o uso da S-Pen é bastante satisfatório. Como lado negativo, eu só apontaria que a câmera de selfie tende a puxar o tom da face para o rosa por algum motivo. A bateria também me decepcionou um pouco.