Por um lado, meios de comunicação tradicionais e digitais dispensam, em massa, jornalistas e editores. Por outro, está em ascensão o jornalismo feito por máquinas, que produzem textos a partir da leitura de bancos de dados e relatórios.

Exemplo disso é a Bloomberg, empresa e agência de notícias de tecnologia e dados para o mercado financeiro. Aproximadamente 1/3 do seu conteúdo utiliza alguma forma de produção jornalística automatizada. O sistema usado pela empresa, chamado de Cyborg, é capaz de decifrar os relatórios trimestrais de lucros da organização.

Com isso, ele ajuda os repórteres a produzirem milhares de artigos. “Os mercados financeiros estão à frente dos outros nisso”, diz John Micklethwait, editor-chefe da Bloomberg, referindo-se aos artigos produzidos por tecnologias automatizadas.

Além de escrever sobre os lucros da empresa para a Bloomberg, repórteres robôs têm sido produtivos em outras atividades. É o caso, por exemplo, de artigos sobre beisebol da segunda divisão para a Associated Press (AP), futebol do ensino médio para o The Washington Post e terremotos para o Los Angeles Times.

A AP foi uma das primeiras a fazer, em 2014, negócios com a Automated Insights (AI). Essa empresa, que produz software de geração de linguagem, é capaz de criar bilhões de histórias feitas por máquinas por ano.

Os executivos de jornalismo tentam acalmar os repórteres e editores dizendo que isso não é uma ameaça para os funcionários humanos. Apesar de as ferramentas automatizadas serem parte importante da redação de alguns jornais, a ideia, segundo eles, é permitir que os jornalistas passem mais tempo em outros trabalhos essenciais.

“O trabalho do jornalismo é criativo, é sobre curiosidade, sobre contar histórias, sobre responsabilizar os governos, é o pensamento crítico, é o julgamento”, explica Lisa Gibbs, diretora de parcerias de notícias para a AP. Segundo ela, trabalhos assim são “onde queremos que os nossos jornalistas gastem sua energia”.

Em 31 de janeiro, a edição australiana do The Guardian publicou seu primeiro texto produzido com a ajuda de um computador. O material aborda um relatório de doações políticas anuais para os partidos políticos do país. A Forbes também anunciou recentemente que já testa uma ferramenta chamada Bertie para fornecer rascunhos e modelos de histórias aos repórteres.

Somam-se a esses veículos o The Post. O jornal tem um repórter robô chamado Heliograf, que cobriu com eficiência os Jogos Olímpicos e as eleições de 2016. No ano passado, graças a ele, a publicação ganhou a categoria de “Excelência em Uso de Bots” no Global Global Biggies Awards, que reconhece as conquistas no uso de big data e inteligência artificial. 

Nastaran Mohit, diretora de organização do News Guild of New York, faz parte dos executivos do jornalismo que não consideram os artigos produzidos por AI uma ameaça para as redações. Ela complementa, porém, que a associação monitora essas tecnologias para garantir que elas não sejam mesmo um risco ao jornalismo feito por humanos.

Já Marc Zionts, executivo-chefe da AI, diz que as máquinas estão muito longe de substituir repórteres e editores de carne e osso. Apesar disso, ele faz um alerta: esses profissionais precisam se familiarizar e se adaptar às novas tecnologias.

Uma forma de adaptação é a criação de alertas internos para sinalizar dados incomuns. Isso foi feito pela AP, pelo The Post e pela Bloomberg. Repórteres que veem o alerta podem determinar se há uma história maior que deva ser escrita por um ser humano. Durante a Olimpíada, por exemplo, o The Post configurou alertas com o Slack, um sistema de mensagens, para informar aos editores se o resultado estava 10% acima ou abaixo de um recorde mundial olímpico.

Assim como Zionts, o chefe de pesquisa e desenvolvimento do The Journal, Francesco Marconi, enxerga que diferentemente do que ocorria há alguns anos, quando a inteligência artificial era uma “nova tecnologia brilhante” usada apenas por empresas de alta tecnologia, ela agora é realmente uma “necessidade” no jornalismo.

O The Wall Street Journal e a Dow Jones já experimentam a tecnologia para ajudar em tarefas como a transcrição de entrevistas ou a identificação de “falsidades profundas”. “Eu acho que muitas das ferramentas do jornalismo serão, em breve, alimentadas pela inteligência artificial”, aposta Marconi.