Embora a área de TI costume ser vista como um setor de emprego abundante, a recente crise política e econômica do Brasil tem posto em xeque essa percepção. Nesse contexto, é importante entender o que os recrutadores da setor procuram em profissionais para saber como aumentar suas chances de arrumar um emprego – ou mudar para outro melhor.
O Olhar Digital conversou com três especialistas em recrutamento de empresas voltadas para esse mercado. Pedimos a eles informações sobre a situação atual do mercado de trabalho de TI, dicas de como montar seu CV e de como mostrar às empresas que você tem as características que eles desejam num profissional. Confira:
Como montar seu CV
Para Fábio Saad, gerente da divisão de tecnologia da Robert Half, o ideal é que o currículo tenha apenas uma folha frente e verso, no máximo. Logo no topo, é importante que o candidato inclua seu telefone e e-mail de contato para mostrar que pode ser facilmente chamado. Não é necessário – ou mesmo recomendável – incluir sua idade ou uma foto nessa primeira parte.
Em seguida, o especialista recomenda um resumo de experiências de até cinco linhas, seguido por um histórico profissional. Esse histórico deve listar as últimas empresas em que o candidato trabalhou, e a área delas em que ele atuou, em ordem cronológica reversa. Ou seja: a primeira empresa da lista deve ser aquela em que ele atualmente trabalha (ou a última na qual ele trabalhou), seguida pelas anteriores na ordem.
Outros pontos importantes a se ter no CV são uma seção de certificações técnicas, incluindo os principais certificados que o candidato tem, e uma seção de línguas nas quais ele tem facilidade em se comunicar. Nessa parte, Saad ressalta que só vale dizer que se tem “fluência” em um idioma se o candidato se sente à vontade falando naquela língua – se não, é “avançado” no máximo. Ele ressalta também que é importante não mentir nessa parte, até porque muitas dessas mentiras podem ser facilmente reveladas em uma entrevista ou prova no processo seletivo.
Mesmo que o candidato não seja selecionado para a vaga à qual se candidatou, a empresa costuma guardar o CV dele em um banco de dados. E aqui, segundo Saad, entra mais uma preocupação: é importante montar o CV tendo em mente as palavras-chave que podem trazê-lo como resultado de busca. Nesse caso, atente para destacar essas palavras-chave – se possível em inglês também.
Já o campo de “características pessoais” é considerado desnecessário. As informações que normalmente se coloca nessa área “podem ser facilmente aferidas numa entrevista”, segundo ele.
Diferencial
Segundo Emerson Gouveia, vice-presidente comercial da STATO, demonstrações claras de resultados valem muito mais que páginas e páginas de certificados. Ele considera que um bom CV possui uma parte pequena de aspectos técnicos, seguida de uma parte grande de demonstrações dos “resultados desses conhecimentos”.
“Por exemplo: o candidato pode informar que trabalhou do período A a B na empresa X e que, nesse período, automatizou 50% dos processos da área comercial, oferecendo um ganho de 66% no tempo de elaboração de novos contratos”. Experiências desse tipo não apenas mostram que o candidato tem conhecimento técnico, mas também deixam claro que ele soube aplicar esses conhecimentos de forma a trazer ganhos mensuráveis à empresa onde atuou.
Outro ponto importante que Gouveia ressalta são as referências. “Um bom CV deixa claro às pessoas às quais aquele profissional se reportou”, diz. Essas pessoas não precisam ser identificadas pelo nome- basta que seu cargo seja especificado.
Para Marcia Vazquez, gestora de capital humano da Thomas Case, a estrutura tradicional de um CV – máximo de uma folha frente e verso, resumo de experiências, objetivo, idiomas, etc. – ainda é, infelizmente, muito usada. Infelizmente, segundo ela, porque é muito difícil que um profissional demonstre seus diferenciais ou suas competências nesse formato.
“O CV não permite mostrar competências, e ainda exige um longo processo seletivo para comprovar o que está escrito nele”, diz. Mesmo assim, ela considera que é importante ter um CV bem feito, com uma “sinopse das competências e experiências” do candidado, e enviá-lo a empresas que tenham a ver com o perfil do candidato.
Na entrevista
Durante a entrevista, Saad recomenda que os candidatos façam perguntas para entender melhor o que se espera deles naquele cargo e para demonstrar interesse na organização. A entrevista, segundo ele, deve ser uma via de duas mãos, tanto para a empresa conhecer o candidato quanto para que ele conheça a empresa.
É importante, por isso, que o candidato “seja ele mesmo” e “não force uma situação estranha”, nas palavras de Saad. Se ele fingir que tem perfil para uma vaga que não é para ele, o resultado pode ser pior tanto para ele quanto para a empresa.
Um ponto que os três especialistas consideram essencial para todos os candidatos é a capacidade de comunicação. De acordo com Gouveia, o profissional de TI ideal é uma pessoa que “frequenta reuniões de outras áreas para entender suas necessidades e propor soluções de tecnologia” a elas. “Mas, para isso, ele precisa saber se comunicar com clareza com pessoas que não entendem de TI”, ressalta.
Segundo Saad, essa capacidade é ainda mais importante quando se trata de cargos de liderança. “Áreas de liderança, análises de negócio e consultorias, mesmo dentro do setor de desenvolvimento, exigem muito isso”, diz. Uma das oportunidades que o candidato tem de demonstrar essa competência é justamente durante a entrevista – o que reforça a importância de se fazer perguntas nesse momento.
O mar de TI não está para peixe
Segundo Marcia, a crise econômica brasileira também afetou mercado de TI. Nos últimos meses, ela tem percebido um “decréscimo muito, muito acentuado” no número de contratações nessa área. Mesmo as vagas altamente especializadas, de acordo com ela, têm muitos candidatos. E até mesmo empresas de TI, ou empresas com áreas de TI muito grandes (como organizações de e-commerce, por exemplo) têm contratado num ritmo bastante lento.
Gouveia concorda que o setor vem sendo afetado pela crise. Uma leve recuperação na economia, no entanto, já seria suficiente para aumentar a disponibilidade de vagas, segundo ele. “A TI é essencial para a eficiência e para automatizar os processos da empresa”, analisa. Essa recuperação pode já estar acontecendo, segundo Saad. Um indicador disso é que as posições mais técnicas (as chamadas “vagas para especialistas”) voltaram a aparecer.
Preocupante nova era
Ainda assim, essa recuperação tem limites. Marcia e Gouveia ressaltam que, durante o último ciclo de demissões pelo qual a economia passou, as empresas investiram em tecnologias e automações de processo que eliminaram uma série de cargos. Mesmo após a economia se recuperar, Marcia acredita que “dificilmente voltaremos à situação de fartura de vagas que tínhamos há quatro ou cinco anos”.
Para ela, essa situação éc“preocupante”, especialmente por causa dos jovens que estão entrando agora no mercado. Não há, segundo a recrutadora, espaço para absorvê-los, e as empresas, quando contratam, preferem profissionais mais velhos, porque eles lhes dão uma impressão de segurança e confiabilidade. “Numa crise, ninguém quer investir no jovem”, resume.
A consequência desse fenômeno, que de acordo com Marcia se repete em diversos mercados, é que “estamos criando uma geração de desempregados”. A falta de contratação de jovens profissionais deverá gerar, em três a cinco anos, uma “lacuna de gente experiente”, o que pode se traduzir numa falta aguda de profissionais capacitados para cargos-chave.
Acima do nível da água
Embora o mercado tenha sido afetado pela crise, ainda há áreas específicas dentro de TI que vem enfrentando esse momento hostil melhor do que outras. Para Saad, algumas delas são as de tecnologias de nuvem, cibersegurança e desenvolvimento móvel. Mais especificamente, alguns dos conhecimentos pelos quais o mercado continua a ter boa demanda são a linguagem angular.js, desenvolvimento para Android e iOS e programação com foco em Stack.
Gouveia, por sua vez, considera que busca-se hoje em dia num profissional de TI capacidades de comunicação e de relacionamento que vão além dos seus conhecimentos técnicos. Na visão dele, o profissional de TI deve ser alguém que entende de negócios e que “facilita a vida dos outros”. “Ele precisa entender as necessidades da empresa”, diz. Gouveia ainda considera que um curso de MBA ou outras capacitações em marketing ou administração podem dar aos profissionais dessa área uma importante nova visão sobre o mercado.
Para Marcia, a forma de contratação de profissionais do mercado de TI tende a mudar bastante nos próximos anos – uma situação que ela identifica como “a morte do emprego, mas não do trabalho”. Isso significa que os profissionais de TI deverão ser contratados mais para projetos, em contratos com prazo determinado.
Ela considera ainda que, para os jovens, essa situação – somada à dificuldade de entrar no mercado de trabalho – acaba sendo um incentivo ao empreendedorismo. “Para o jovem que se forma e não consegue se empregar, acaba às vezes sendo a única opção”, ressalta.
Muito além do CV
Marcia reforça que, embora muitas empresas ainda foquem em processos seletivos tradicionais, com CV, dinâmicas de grupo e entrevistas, isso é “um atraso”. “A gente fica numa situação paradoxal de falar sempre de tecnologina, inovação e criatividade, mas ainda conduzir os processos de uma maneira muito tradicional”, opina.
Para ela, a empresa se beneficiaria de, por exemplo, olhar as redes sociais dos candidatos, ver os conteúdos que aquela pessoa compartilha e os comentários que ela faz. “Com isso, ela vai conhecer muito mais daquela pessoa do que o que ela escreve no CV”, diz, “e vai ter uma ideia muito melhor dos valores daquela pessoa”.
O LinkedIn, por exemplo, é uma rede social que reúne basicamente todas as informações que as empresas esperam de um CV tradicional. “E mesmo assim, você ainda tem empresas que divulgam vagas pelo LinkedIn e, quando você clica, ela pede para você anexar um CV”, comenta Marcia.
Embora ela reconheça que o CV tem a vantagem de resumir a carreira de um candidato, ela considera que ele deixa muito pouco espaço para que ele inove, se diferencie ou comprove suas competências. CVs mais criativos poderiam até chamar a atenção dos responsáveis pelas vagas, mas eles ainda esbarram numa série de obstáculos.
Um desses obstáculos, segundo a recrutadora, são as próprias plataformas de recrutamento. “O LinkedIn, por exemplo, até tem uma plataforma de busca de CVs. Mas ela não reconhece imagens e ícones, por exemplo, então CVs que usem esses recursos acabam não aparecendo nas buscas”, ressalta.
Gouveia também considera que o LinkedIn pode ser uma plataforma excelente tanto para recrutadores quanto para candidatos. As recomendações recebidas pelos candidatos, por exemplo, podem servir como comprovação de suas habilidades de relacionamento e de comunicação – algo que nenhum CV poderia trazer. “Há um risco envolvido [em escrever uma recomendação para um profissional] – você vai estar valorizando aquele profissional, e pode ter problemas em retê-lo na empresa. Mas você vai ter um profissional mais satisfeito e envolvido”, diz.