Qualcomm x Justiça Americana: entenda a briga que pode mudar o mundo dos smartphones

A Comissão Federal de Transações americana (FTC) acusou a Qualcomm de operar um monopólio em chips wireless, forçando clientes a trabalhar exclusivamente com seus produtos.
Redação28/01/2019 03h52, atualizada em 28/01/2019 10h00

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Um caso no tribunal que está se desenrolando pode afetar o futuro dos nossos smartphones.

A FTC (sigla em inglês para Comissão Federal de Transações), uma espécie de Procom anabolizado dos EUA, e que também combate práticas empresariais anticompetitivas, acusou a Qualcomm de operar um monopólio em chips wireless, forçando clientes, como a Apple, a trabalhar exclusivamente com seus produtos e taxando excessivas licenças para esse tipo de tecnologia.

As audiências começaram no dia 4 de janeiro deste ano e, desde então, o juiz está ouvindo argumentos das partes envolvidas para decidir se realmente esse é o caso.

A Qualcomm, além de ser a maior fornecedora de chips do mundo, criou tecnologias essenciais para conectar telefones e redes de celular. Uma parte significante dos rendimentos da companhia vem das licenças de suas invenções para centenas de fabricantes de devices. As tarifas são baseadas no valor dos celulares, e não em seus componentes.

Como a Qualcomm é a dona das patentes relacionadas com tecnologias de redes 3G, 4G e 5G – assim como de softwares – todos os fabricantes que produzem devices que conectam telefones e redes de celular são obrigados a pagar uma taxa de licença, ainda que não usem os chips da marca.

Mas o caso da FTC pode quebrar esse modelo. Essa é a mais recente das batalhas judiciais envolvendo a Qualcomm, que inclui o seu maior comprador, a Apple, contra seus reguladores na Coréia do Sul, China e União Europeia. Em janeiro de 2017, nos EUA, a FTC acusou a Qualcomm de manter o monopólio cobrando taxas em cima de royalties e enfraquecendo a concorrência no mercado. Também alegava que a Qualcomm forçava a Apple e outros fabricantes de celulares a usar seus chips exclusivamente em troca de um descontinho nas taxas de licenciamento. Uma prática que exclui e prejudica concorrentes.

A Qualcomm negou as acusações e disse que o FTC não tem provas de comportamentos anticompetitivos de sua companhia contra suas rivais.

Abaixo, confira uma série perguntas e respostas para que você entenda melhor o que se passa no caso:

O que está acontecendo neste julgamento?

O julgamento começou no dia 4 de janeiro deste ano e vai durar 10 dias. O fechamento das acusações será no dia primeiro de fevereiro. As audiências são realizadas as segundas, terças e sextas-feiras em San Jose, na Califórnia, e presididas pela juíza Lucy Koh, que também atuou na batalha épica de patentes entre Apple x Samsung. Não já júri nesse caso, ou seja, as decisões de Koh serão definitivas, não importa quando ela as fizer.

Mas qual o tamanho da Qualcomm?

São altas as chances de você já ter usado a tecnologia da companhia. A Qualcomm é bastante conhecida pelos seus chips que conectaram telefones e redes de celular, assim como seus processadores Snapdragons, que agem como os cérebros dos smartphones. Sem um modem no seu aparelho, você não seria capaz de pedir um Uber para te deixar em casa ou checar o Facebook, enquanto está indo para o trabalho.

Além disso, companha é um dos componentes-chave da Samsung, LG, Motorola, Xiaomi e outros fabricantes de smartphones. Sem contar que foi a primeira fornecedora de modens para iPhones. Mais tarde, graças à uma batalha judicial com a Apple, a Maçã substituiu a Qualcomm pela Intel.

Quais tecnologias fabricadas pela Qualcomm?

Além de processadores, a Qualcomm inventou outras tecnologias que são usadas em aparelhos móveis. A companhia diz que investiu mais de 40 bilhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento nas últimas três décadas. Seu portfólio contém mais de 130.00 patentes e ações de patentes pelo mundo.

Algumas delas estão relacionadas com padrões multimídia, sistemas operacionais de mobiles, gerenciamento de energia, Wi-Fi, Bluetooth e até o “Modo Avião”. A companhia também é pioneira em CDMA, o serviço de rede 3G usado pelas operadores norte-americanas Verizon e Sprint, que foi transformado nas conexões 4G e 5G.

“Os investimentos da Qualcomm são necessários para que as redes de telefonia móvel inteiras funcionem – elas são tecnologias ilimitadas nos modems dos chips e celulares”, alegou a companhia na batalha judicial contra a Apple.

Quem licencia as tecnologias da Qualcomm?

A Qualcomm licencia suas tecnologias para mais de 340 empresas, principalmente operadoras e fabricantes de smartphones. Ela não licencia suas patentes para fabricantes de chips, o que originou os problemas com a Apple e os governos citados. Entretanto, a Qualcomm argumenta que as fabricantes de chips não precisam de licença, porque os fabricantes de celulares já cobrem o custo de uso dessa tecnologia.

A Apple licencia as tecnologias da Qualcomm através das outras empresas que fabricam peças para seus aparelhos, como a Foxconn, ao invés de pagar pela licença diretamente. A Maçã diz que há 5 anos vem tentando negociar uma licença direta com a Qualcomm, mas os termos oferecidos não eram justos.

O que o FTC diz?

O processo do FTC, aberto há dois anos, acusa a Qualcomm de manter o monopólio de chips de celular através de uma política “sem licença, sem chips”. Essa mesma política impôs uma trabalhosa mantenção dos termos de licenciamento de patentes para extrair altos royalties dos fabricantes de celulares e concorrentes mais fracos, alega a entidade.

Em sua extensa acusação, a FTC disse que as patentes da Qualcomm são básicas e essenciais – tecnologias como estas, primordiais para a indústria, devem ser licenciadas para concorrentes por um preço justo, razoável e sem termos discriminatórios. Porém, a entidade afirma que a Qualcomm consistentemente se recusa a licenciar algumas dessas patentes essenciais para fabricantes rivais de chips, o que viola os compromissos de competitividade entre as empresas do setor de telecom.

“Os clientes da Qualcomm aceitaram elevadas taxas e outros termos de licenciamento, que não refletem o cumprimento dos termos determinados pela corte ou outro arbítrio neutro para ser justo e razoável”, disse a FTC em sua acusação.

O que aconteceu antes do julgamento?

A FTC alegou que a recusa da Qualcomm em dar as licenças para seus rivais é parte de seus esforços para manter seu monopólio. Em novembro de 2018, Koh concordou e determinou que a empresa deveria licenciar suas patentes de chips wireless para concorrentes como a Intel.

Naquela época, ela concordou parcialmente com a ação da FTC contra a Qualcomm. A comissão americana divulgou declaração dizendo que “dois acordos da indústria obrigam a Qualcomm a licenciar suas patentes básicas para fornecedores concorrentes de modens e chips”. 

Quem mais está envolvido no julgamento?

As testemunhas chamadas pela FTC incluíram executivos de alguns dos maiores nomes da tecnologia: Apple, Samsung, Huawei, Lenovo (controladora da Motorola) e vários outros. Muitos, incluindo Ira Blumberg, vice-presidente de propriedade intelectual da Lenovo, afirmaram que temiam que a Qualcomm deixasse de fornecer chips se eles não assinassem o contrato de licença ou tentassem contestar seus termos legais.

O executivo afirmou “que desafiar a Qualcomm não seria uma opção viável porque não sabemos se a ela seguirá com sua ameaça de cortar o fornecimento [de chips]”, disse Blumberg em um vídeo testemunho apresentado na corte. “Não podemos correr esse risco.”

O que a Apple tem a ver com isso?

A queixa da FTC se refere especificamente à forma como a Qualcomm lidou com a Apple, uma das maiores fabricantes de celulares do mundo. A gigante de Cupertino, na Califórnia, produz seu próprio processador de aplicativos – o cérebro do iPhone -, mas conta com chips de terceiros para conectividade de rede. Do iPhone 4S em 2011 ao iPhone 6S e 6S Plus em 2015, o único fornecedor desses chips foi a Qualcomm.

No ano seguinte, a Apple começou a usar modems da Intel em alguns modelos do iPhone 7 e 7 Plus, mas ainda usou a Qualcomm em versões para a Verizon e a Sprint. Os telefones mais recentes da Apple agora só usam chips Intel 4G. A FTC disse que a Qualcomm forçou a Apple a pagar taxas de licenciamento por sua tecnologia em troca do uso de seus chips no iPhone. “A Qualcomm reconheceu que qualquer concorrente que ganhasse os negócios da Apple ficaria mais forte e usaria a exclusividade para impedir que a Apple trabalhasse e melhorasse a eficácia dos concorrentes da Qualcomm”, disse a FTC em um comunicado.

A Qualcomm “usa seu poder de monopólio para fazer com que as fabricantes de celulares paguem uma taxa de royalties – um imposto – quando compram chips de seus concorrentes”, disse a FTC em um processo judicial. “A Qualcomm prejudica ainda mais esses concorrentes ao negar que as licenças que prometeu estivessem disponíveis nos termos de justa competitividade durante a definição de normas. E a Qualcomm impediu que seus concorrentes vendessem a uma cliente excepcionalmente importante, a Apple, por meia década, usando contratos de exclusividade”.

Ainda contenda com a FTC, a Qualcomm sofreu um golpe quando Koh decidiu que o crescente relacionamento da Apple com a Intel não pode ser citado como evidência de que a empresa não operou um monopólio.

E o que está envolvido na disputa entre Apple e Qualcomm?

A Apple entrou com uma ação contra a Qualcomm três dias depois da ação da FTC, alegando que a fabricante de chips não deu condições de licenciamento justas para sua tecnologia de processador. A criadora do iPhone acha que deve pagar uma taxa com base apenas no valor dos chips de conectividade da Qualcomm, não no dispositivo inteiro. A empresa diz que a Qualcomm está “efetivamente taxando a inovação da Apple” e que a Apple “não deveria ter de pagá-los por avanços tecnológicos com os quais não têm nada a ver”.

A Qualcomm, por sua vez, diz que o iPhone não existiria sem sua tecnologia. As duas empresas têm lutado em todo o mundo. No final de dezembro, um tribunal alemão descobriu que a Apple infringiu a patente de tecnologia da Qualcomm para economia de energia em smartphones e determinou que o fabricante do iPhone deve suspender as vendas do aparelho na Alemanha.

E, no início daquele mês, a Qualcomm obteve liminares preliminares em um tribunal chinês, que determinou que quatro subsidiárias chinesas da Apple parassem de importar ou vender iPhones devido a violação de patente. Elas envolviam tecnologia que permitia que os usuários do iPhone ajustassem e reformassem o tamanho e a aparência das fotografias e gerenciassem aplicativos usando uma tela sensível ao toque ao visualizar, navegar e dispensar aplicativos.

A Apple planeja lançar uma atualização de software na China para alterar sua tecnologia, de modo a não mais infringir as patentes da Qualcomm. Mas a patente em questão na Alemanha refere-se ao hardware e não pode ser facilmente ajustada.

Como a Qualcomm respondeu?

A Qualcomm disse que o processo da FTC é baseado em uma “teoria legal falha” e pediu a corte para que desconsiderasse esse processo (o que não foi feito).

Pouco menos de um mês depois, a Qualcomm venceu previamente julgamentos na corte chinesa, que proibiram quatro subsidiárias chinesas de importar ou vender iPhones graças à uma infração relacionada a patentes da Qualcomm. Elas envolviam tecnologias que permitem que iPhones usem ajustes e formatos de tamanho e aparência de fotos, gerenciamento de aplicativos usando touchscreen quando o usuário está visualizando, navegando e excluindo aplicativos.

Para driblar essa proibição, a Apple planeja atualizar o software na China e mudar a tecnologia para que a mesma não viole mais as patentes da Qualcomm. Porém, a patente substituta tem questões na Alemanha com hardwares e não pode ser facilmente mudada.

O que as outras companhias de tecnologia dizem sobre isso?

Junto com a Apple, a Samsung e a Intel também se uniram ao FTC.

A sul-coreana, em maio de 2017, divulgou um declaração breve que amparava as alegações da entidade norte-americana. A empresa é uma das maiores compradoras da Qualcomm, mas também compete com a companhia quando o assunto é chip, com a sua linha Exynos.

“Em ambos os casos, a Samsung foi afetada diretamente pela condução excludente presente na acusação da FTC”, alegou a fabricante sul-coreana em audiência. “Isso posto, a Samsung está unicamente presente para apoiar à corte em entender a importância dos princípios antitruste envolvidos nesse caso”.

A Samsung disse em suas alegações que a Qualcomm concordou em licenciar justamente suas tenologias básicas e primordiais, que requerem o uso de suas patentes, porém voltou atrás e não manteve sua parte no acordo. Ao invés de licenciar suas tecnologias básicas para fabricantes de chip rivais, a Qualcomm deu as licenças apenas para pequenas fabricantes de celulares.

A Intel também divulgou dados para ajudar a FTC contra a Qualcomm.

“Ainda que a Qualcomm tenha chegado antes do que todos os seus concorrentes do mercado premium de chipset, a Intel não fica para trás”, alegou a a companhia em audiência.

E, no final, como isso impacta os consumidores?

A FTC diz que as práticas da Qualcomm tornaram os preços dos smartphones mais altos para o consumidor. E parte deles concorda. No ano passado, um grupo processou a Qualcomm e solicitou status de ação coletiva, o que a juiza Koh concedeu no final de setembro.

O processo poderia representar uma das maiores ações judiciais coletivas da história, com essencialmente 350 milhões de proprietários de celulares impactados. Os demandantes pediram US$ 5 bilhões em indenizações. Em outubro, a Qualcomm pediu ao Tribunal de Apelações dos EUA para permitir que ela apele decisão da juiza Koh.

Este processo está sendo ouvido em conjunto com o caso FTC. O Tribunal de Apelações, em 23 de janeiro, disse que a Qualcomm pode recorrer da decisão de Koh sobre o status de ação coletiva. Após a decisão, Koh disse em uma ordem que ela se manteria no caso, enquanto aguardava a decisão da corte sobre o recurso iminente da Qualcomm.

E o que dizem os dois lados envolvidos?

Qualcomm e FTC disseram que vêm trabalhando em uma solução, mas o juiz do caso afirmou que não atrasará o julgamento. Ambos os envolvidos se recusaram a comentar o caso.

Fonte: Cnet

Colaboração para o Olhar Digital

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