O WhatsApp é, hoje, uma das ferramentas mais usadas para comunicação rápida. Diariamente, são trocadas ali as mais diversas impressões sobre o mundo — o que pode incluir de pequenos segredos entre amigos a provas importantes em processos judiciais, passando por exames médicos confidenciais e até listas de contatos privadas.
Hoje, quando se envia uma mensagem pelo WhatsApp, o sistema informa que a conversa é protegida por criptografia de ponta-a-ponta. Isso quer dizer que, basicamente, cria-se um túnel para que a troca de mensagens ocorra de forma completamente segura e não seja capturada por terceiros.
É como se elas estivessem trancadas e somente o remetente e o destinatário tivessem as chaves para abri-las. Esse é um dos aspectos que o Projeto de Lei Anticrime quer disciplinar. A alteração proposta para a Lei de Interceptação Telefônica é a inclusão de um artigo, o 9º-A. Veja:
“Art. 9º-A. A interceptação de comunicações em sistemas de informática e telemática poderá ocorrer por qualquer meio tecnológico disponível desde que assegurada a integridade da diligência e poderá incluir a apreensão do conteúdo de mensagens e arquivos eletrônicos já armazenado em caixas postais eletrônicas.”
Segundo Carlos Portugal Gouvêa, advogado especializado em compliance e governança corporativa, que é fundador do escritório PGLaw, no caso do WhatsApp pode-se interpretar que as caixas postais eletrônicas poderiam ser as contas que os usuários têm na plataforma. “E aí entra a discussão sobre a forma como a tecnologia do WhatsApp está estruturada — e que é algo sigiloso”, diz.
Gouvêa explica que, hoje, não se tem certeza se a ferramenta guarda as conversas que já passaram pelo sistema. Se esse backup não existir, essa alteração na lei é inútil para ocorrências passadas. Já para situações futuras, a Justiça pode pedir acesso a esse arquivo se houver indícios que justifiquem essa necessidade.
Criptografia pode ser uma barreira para o projeto
O problema maior, entretanto, é a falta de clareza do artigo proposto. Eduardo Fucci, advogado especialista em direito digital e tecnologia, explica que diferentemente do que ocorre com as empresas de telecomunicações, com as quais o poder público pode se comunicar diretamente, independentemente do conhecimento ou da permissão do cliente, no WhatsApp, isso não é possível graças à criptografia.
Isso porque essa técnica requer o uso de chaves específicas, que estão em poder apenas de quem está participando da conversa. “Esses códigos estão nos dispositivos do remetente e do destinatário. Então, não é possível o WhatsApp intermediar uma interceptação, por exemplo. Para ter acesso à troca de mensagens, seria necessário ter acesso aos próprios aparelhos.”
A plataforma, por sua vez, parece estar do lado do cliente. No Reino Unido, por exemplo, a Justiça pediu que o WhatsApp criasse uma forma de facilitar o acesso a esses dados — que seria usada em casos que envolvam terrorismo. A plataforma se negou a fazê-lo. “Essa violação controlada da privacidade, se for efetivada pela empresa, cria um precedente. Aí, o WhatsApp teria de fazer o mesmo em outros países”, diz Fucci.
Como o WhatsApp é uma plataforma relativamente nova, a forma como se olha para os dados ali contidos ainda deve ser estabelecida. Só assim é possível garantir que as violações sejam efetivamente controladas. “O dispositivo proposto não responde a todas as dúvidas, já que, em tese, não é possível interceptar comunicações criptografadas.”
Vale lembrar que muitos clientes expõem toda a sua privacidade no WhatsApp. Nesse caso, se o poder público tiver acesso a esses dados, pode acabar de posse de informações que nada têm a ver com um eventual processo. “Assim, as potenciais violações ao direito à privacidade são muito maiores do que o que ocorre hoje nas ligações telefônicas”, reforça Fucci.
Procurado pelo Olhar Digital, o WhatsApp não quis comentar o assunto.