internet e o poder das empresas de tecnologia sobre os dados dos usuários acendem a preocupação sobre a segurança da privacidade de dados. Com o debate cada vez mais quente, a criptografia ganhou espaço, mas ainda não o suficiente para conquistar a sociedade. Para o consultor em segurança da informação e membro do Instituto de Criptoanarquia em Praga, na República Tcheca, Milan Půlkrábek, isso acontece porque as pessoas ainda não sabem muito bem como lidar com a internet e novas tecnologias de criptografia, como a criptoemoda, e continuam compartilhando sem restrições seus dados em redes sociais e aplicativos.

A indiferença das pessoas quanto ao cuidado com seus dados pessoais aparece, por exemplo, no como como usuários do Facebook ainda se expõem na plataforma (e em outros aplicativos da empresa), fazendo ela crescer mesmo depois do escândalo da Cambridge Analytica. A rápida popularização do aplicativo FaceApp, que fez até celebridades usarem o efeito de envelhecimento, também mostra, para o especialista, como as pessoas não se preocupam muito com a privacidade.

Parte disso, segundo ele, é que a Internet ainda é um meio relativamente novo, então as pessoas não estão preparadas para entender e como lidar com a revolução que o virtual causou. “A Internet está sendo usada pela maioria das pessoas há menos de dez anos. Por isso, não é possível mudar isso [controle das grandes empresas] de uma forma simples e rápida. É preciso que as pessoas se acostumem com isso e sejam educadas para usar a tecnologia”, opina o especialista. 

“Seja paranoico. Seja paranoico sempre”. “E não compartilhe tudo da sua vida com o mundo inteiro. Isso é básico”, alerta o criptoanarquista. 

Criptomoedas, blockchain e deep web

Outra dica de Půlkrábek para proteger os dados pessoais de grandes corporações, do mundo digital e real (bancos e governos), é a criptografia, como nos sistemas de criptomoedasblockchain e deep web.

Considerado um criptoanarquista, ele explica que o movimento defende ferramentas de criptografia e anonimidade que garantam a privacidade e a liberdade individual e econômica, contra grandes instituições de controle. “Hoje em dia, conseguir certo nível de privacidade e segurança é mais difícil do que nunca, porque estamos compartilhando muita informação com os outros, tanto voluntária quanto involuntariamente. Governos e empresas estão nos espionando, nossos dados, nossas vidas pessoais”, explica.

Entusiasta da criptomoeda e do blockchain (livro-razão descentralizado com o registro de transações de criptomoeda até então realizadas), ele explica que as tecnologias permitem que as pessoas controlem, por completo e sem a intermediação de governos ou bancos, suas transações. Por ser um sistema descentralizado, em que os autores das transferências (monetárias ou de dados) são anônimos, a privacidade é bem maior.

“Com as criptomoedas, dentro do blockchain, não é possível que uma única identidade controle os fundos e transações, porque há forte criptografia no processo. Todas as transações no blockchain são automatizadas e confirmadas pelos chamados ‘mineradores’, e o sistema computacional não permite que esses processos sejam alterados. Com criptomoedas bem estabelecidas, como no caso do Bitcoin, é impossível. Não há nenhuma entidade capaz de alterar uma transação”, diz Půlkrábek.

No caso da Libra, anunciada como criptomoeda pelao Facebook em parceira com empresas como Uber e Paypal. “Definitivamente não é uma criptomoeda nos termos do Bitcoin, porque não é descentralizada”, defende Půlkrábek. Ou seja, é administrada por um consórcio, a Libra Association, encabeçado pelo Facebook.

Diferente do Bitcoin, com rede blockchain aberta e descentralizada, as transações com a Libra serão centralizadas nos membros da Associação Libra, grupo de grandes empresas que vão cuidar dos registros e funcionamento do sistema da moeda digital.

Por isso, Půlkrábek não sabe até que ponto a Libra poderá ajudar ou atrapalhar o mercado de criptomoedas, especificamente do Bitcoin. “[A Libra] pode de alguma forma mudar ou confundir sobre o que as criptomoedas são. As pessoas vão pensar que a Libra é uma criptomoeda, então talvez eles pensem mais sobre o Bitcoin. Mas elas vão perceber que o Bitcoin é completamente diferente”, afirma.

No entanto, a criptomoeda ainda não se consolidou na sociedade. Para o criptoanarquista, isso acontece porque é uma ferramenta supernova, a qual as pessoas ainda não se adaptaram; ela exige que o usuário se responsabilize pelas transações. “Com as criptomoedas, você é seu próprio banco. Se você perder suas chaves de criptografia privada, se você as enviar para alguém, você basicamente perde seu dinheiro. E não tem ninguém que possa responder por isso”, explica.

E acrescenta: “por cem anos, os governos nos contaram que nós não precisávamos ser responsáveis porque eles cuidariam de nós; então, as pessoas perderam sua habilidade de ter um pouco de responsabilidade e passam a depender de que os outros o façam por nós”.

Como de costume, perguntado sobre o mundo da deep web ou da dark net, o especialista esclarece que a camada da internet, que é basicamente igual à internet comum, não encontra apenas serviços e sites proibidos pela autoridade ou sites ilegais, como venda de drogas, documentos falsos, e banco de dados para credenciais ilícitas. “Lá você encontra informações de pessoas que foram perseguidas por governos, por exemplo. E até quando se trata desses chamados mercados ilegais, em alguns países onde remédios comuns são considerados drogas ilegais. Na deep web as pessoas podem ter acesso a isso e salvar suas vidas”, afirma.

Via: El País