Por que o ‘Caixa Tem’ é um app problemático? Especialistas explicam

Segundo especialistas ouvidos pelo Olhar Digital, falhas podem ser desde problema de infraestrutura a erros que passaram pela 'pressa' em desenvolver a solução para o auxílio emergencial
Luiz Nogueira10/07/2020 19h25, atualizada em 10/07/2020 20h10

20200511095626

Compartilhe esta matéria

Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Desde que a primeira parcela do auxílio emergencial foi disponibilizada, o aplicativo Caixa Tem, utilizado para movimentar o dinheiro, passa por instabilidades durante o período em que o valor é depositado. O problema tem causado transtornos e virou dor de cabeça para muitos brasileiros.

Para tentar amenizar a altíssima demanda do aplicativo, a Caixa começou a divulgar calendários para pagamento de acordo com os meses de nascimento dos beneficiários; assim, nem todas as pessoas que têm direito ao auxílio emergencial precisariam acessar o aplicativo ao mesmo tempo. Não deu certo. A situação para a maioria que necessita movimentar o dinheiro não melhorou.

Relatos em redes sociais indicam que os usuários enfrentam problemas desde o acesso ao aplicativo, passando por falhas de conexão com o servidor e serviços indisponíveis, até o momento em que o app simplesmente deixa de funcionar repentinamente; assim, do nada, o aplicativo fecha. Frequentes, os problemas técnicos obrigam o consumidor a retornar ao final da fila para tentar o processo todo novamente.

A Caixa alega constantemente que os problemas enfrentados são causados pela alta demanda dos usuários. Aliás, esta já virou resposta padrão toda vez que o aplicativo apresenta alguma instabilidade. No entanto, de acordo com João Ferraz, sócio e diretor do Estúdio Digital da Reamp, empresa especializada em marketing programático, em alguns casos, os motivos para isso “podem ser os mais variados possíveis: a conexão do usuário, o próprio aparelho celular, o seu conhecimento para operar essas ferramentas, o sistema operacional que o dispositivo utiliza, a parte de experiência do usuário (UX) etc., ou seja: é muito variável”.

Entretanto, Ferraz destaca que a Caixa também poderia se proteger de problemas ao “instalar funcionalidades dentro do próprio app que coletem dados relativos à jornada do usuário; avaliar grupos de pessoas que acessam o app utilizando modelos específicos de dispositivos, ou de conexão, ou até mesmo de regiões específicas. Quem são os usuários que estão enfrentando problemas, e quais são essas intercorrências? A partir dessas perguntas, e com base em diversos tipos de análises, de cruzamento de informações, é possível identificar as intercorrências e chegar a soluções”.

Reprodução

Problemas de conexão são comuns no aplicativo. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Para Piero Contezini, CEO do Asaas, a causa das dificuldades no aplicativo pode estar ligada ao tempo para desenvolvimento do app. “Parecem ter sido bugs de software, dado que desenvolveram o aplicativo com muita pressa”, diz.

Uma solução simples para o problema seria continuar permitindo que as parcelas fossem creditadas em contas indicadas no momento do cadastro, como aconteceu com a primeira parcela, de acorod com Contezini. “Ela [Caixa] poderia pensar em interoperabilidade de aplicações, por exemplo, em vez de disponibilizar o dinheiro no app deles e permitir que o usuário pague um boleto para mover para outro banco, por que na hora do cadastro não pedir o banco de destino e já creditar lá?”, questiona.

Desenvolvimento do aplicativo

Os especialistas ouvidos pelo Olhar Digital concordam que o aplicativo foi projetado considerando a demanda de acessos dos usuários. No entanto, Ferraz destaca que, por conta de o sistema fornecer, no mesmo ambiente, acesso a dados de programas sociais, benefícios e outros serviços governamentais, é normal que o número gigantesco de acessos cause intermitências momentâneas. “Na condição de software, nenhum aplicativo está livre de apresentar problemas. O desenvolvimento de um app é sempre orgânico”, explica.

Ainda, segundo ele, “pode ser que a infraestrutura [do app] não seja o problema. É uma hipótese. Acredito que os desenvolvedores do aplicativo saibam quais tipos de infraestrutura, considerando a ampla gama de serviços existentes, o aplicativo suporta. Reforço que o ponto é analisar constantemente as intercorrências. Não é possível encontrar soluções sem essas análises, ou seja, sem os dados e as informações que comprovem e validem as hipóteses”.

Problema de segurança

Além dos problemas envolvendo o acesso ao aplicativo, alguns clientes já relataram intercorrências com os valores creditados. Dinheiro sumindo da conta para a qual foi feita a transferência – ou nunca chegando até ela – e até roubo direto do aplicativo são eventos já ocorridos.

Reprodução

Usuários enfrentam problemas de segurança no aplicativo. Foto: iStock

Como relatado por Ricardo Paulino, beneficiário do auxílio emergencial, a quantia em dinheiro foi roubada antes que pudesse transferí-la ou sacá-la. Ele relata que estava com a soma na conta desde o dia 2, mas só poderia movimentá-la em setembro, seguindo o calendário imposto pela própria Caixa.

Ao tentar pagar boletos, uma mensagem de erro sempre retornava e solicitava uma tentiva posterior. Na noite de quinta-feira (9), ao acessar o aplicativo para realizar mais uma tentativa, além da aguardar mais de uma hora, ele descobriu que alguém conseguiu invadir a conta e fazer uma transferência do valor disponível.

Na manhã desta sexta-feira (10), Paulino se dirigiu até uma agência. Lá, foi informado que teria de aguardar 15 dias até que uma investigação aberta pela Caixa fosse concluída. A única informação até então fornecida pelo banco foi o nome da conta para onde o dinheiro foi transferido, entretanto, Paulino informou à reportagem que desconhece o destinatário e aguarda uma resolução por parte da Caixa.

Arthur Melo, CEO da Pillbiz, agência de marketing digital e tecnologia, explica que, neste caso, a subtração do valor pode estar ligada diretamente à “falha do aplicativo. O nível de segurança e a codificação do app têm que deixar o usuário totalmente ciente de que ele está navegando em um ambiente à prova de fraudes”.

“Há certificados e itens de cyber security que devem fazer parte de um projeto desse porte e com necessidade de níveis avançados de segurança. Além disso, o app deveria ter passado por testes independentes de estresse de segurança antes de ser lançado ao público. Isso é fundamental para se prever falhas, encontrar brechas e corrigir problemas”, afirma.

Apesar das ínúmeras vulnerabilidades, ele diz reconhecer a urgência com que o aplicativo foi criado devido à demanda das pessoas em meio à pandemia da Covid-19, mas que isso “não justifica lançar um aplicativo sem que testes do tipo tenham sido feitos”.

Luiz Nogueira
Editor(a)

Luiz Nogueira é editor(a) no Olhar Digital