Por que a caridade bilionária dos Zuckerberg gerou tanta desconfiança?

Equipe de Criação Olhar Digital04/12/2015 10h17

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A notícia de que Mark Zuckerberg e Priscilla Chan doarão 99% de suas ações do Facebook ao longo da vida em nome de causas filantrópicas deixou muita gente impressionada devido ao tamanho da generosidade – afinal, a participação do casal na maior rede social do mundo equivale atualmente a cerca de US$ 45 bilhões. Mas alguns prestaram atenção à situação e pontuaram que toda essa caridade carrega um preço considerável para a sociedade, pois ajuda os Zuckerberg a evitar o pagamento de uma quantidade enorme de impostos. E isso não é tudo.

Como já contamos aqui no Olhar Digital, a Chan Zuckerberg Initiative não é uma ONG, e sim uma LLC, ou seja, uma organização semelhante às “Ltda.” do Brasil. Isso significa que, ao contrário do que ocorre com as ONGs, a Chan Zuckerberg Initiative não será obrigada a destinar todo o seu dinheiro a ações sociais.

Este é só um dos pontos que levantam desconfiança. Como LLC, a organização dos Zuckerberg está livre para fazer investimentos privados, lobby e até doações políticas. Na prática, o dono da maior rede social do mundo terá muito mais influência sobre os caminhos políticos de seu país do que qualquer outro cidadão, confome aponta a New Yorker.

O New York Times ressalta ainda que, ao constituir uma LLC com aspirações filantrópicas, Zuckerberg automaticamente criou um mecanismo que o permitirá evitar o pagamento de imposto sobre 99% das ações que ele e Priscilla Chan possuírem do Facebook ao longo de suas vidas. Impostos sobre US$ 45 bilhões é muito dinheiro, e a falta desse dinheiro causa um desnivelamento nas contas do país.

No sistema democrático, a maioria da população elege representantes, e é esse corpo político que decide como o dinheiro dos impostos será reinvestido na sociedade. Ao driblar impostos, o casal escolherá, sozinho, que causas merecem mais atenção. A questão não é julgar quem é mais confiável entre políticos e Zuckerbergs, e sim respeitar o sistema democrático e a ciência que existe por trás dele – como explica o episódio abaixo do Nerdologia, o coletivo pensa melhor que o indivíduo:

Se os Zuckerberg fossem uma exceção, talvez a ideia de criar uma LLC não gerasse tanto debate, mas, como pontua a New Yorker, cada vez mais milionários americanos estão direcionando seus ganhos a iniciativas de caridade usando esse tipo de perfil, num movimento que recebeu o nome de filantrocapitalismo. As questões positivas disso são óbvias, no meio tecnológico Bill Gates tem sido um bom exemplo de como gastar dinheiro, tendo ajudado até a desenvolver uma máquina que transforma dejetos humanos em água potável.

Por outro lado, essa transferência de dinheiro pode colapsar o sistema financeiro do país. “Como entidades isentas de impostos, essas empresas de caridade não enfrentarão qualquer passivo quando eventualmente venderem as ações que recebem”, escreve a New Yorker. “Isso significa que a base tributária do país encolhe.” É por isso que o NYT acusa o casal de ter criado um canal de investimentos em vez de uma entidade filantrópica – e é preciso lembrar que 0,01% dos mais ricos dos EUA possuem 11,2% das riquezas do país, então se todos eles resolverem adotar postura semelhante, o país de fato terá um problema sério em mãos.

Entretanto, parte das ponderações em torno do que esses milionários vêm fazendo pode ter origem num sentimento egoísta, pelo fato de que esse desvio legal de verbas não causa benefício imediato nos países onde as riquezas foram geradas. Afinal, quando Bill Gates inventa uma máquina que converte lixo em água, ele não está pensando nos Estados Unidos, e sim nos países pobres – e isso ajuda a humanidade como um todo, indo além do quintal do doador.

Mark percebeu que suas decisões geraram desconfiança e resolveu se manifestar. Em seu perfil, o CEO do Facebook reconheceu que estruturou a Chan Zuckerberg Initiative como LLC para ter a possibilidade de “financiar organizações não-governamentais, fazer investimentos privados e participar de debates políticos”. Mas ele garantiu que em todos os casos o objetivo é “gerar um impacto positivo em áreas de grande necessidade” e que “qualquer lucro dos investimentos será usado para alavancar essa missão”, um compromisso que, como reportamos aqui no Olhar Digital, está registrado judicialmente.

“O que é mais importante para nós é a flexibilidade para doar às organizações que fizerem o melhor trabalho – não importa como elas estejam estruturadas”, continuou Mark, lembrando que sua entidade também olha para esforços governamentais, mas não está obrigada a dar apoio apenas a eles.