Pode a tecnologia nos tornar imortais?

"Essa região desconhecida cujas raias jamais viajante algum atravessou de volta" Hamlet - William Shakespeare (1564/1616)
Redação21/02/2018 22h48

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Reprodução

Todos vamos morrer. Nossa existência física é limitada por nosso corpo, telômeros que nos levam da infância para velhice neste intervalo ínfimo de tempo, o qual chamamos vida. A morte nos obriga a encará-la de frente, mas muitos de nós não deseja morrer. Avanços recentes nas áreas de Neurociência, computação e psicologia permitem imaginar um futuro (distópico?) onde vamos mapear, simular e incorporar nossa consciência e memórias em outro substrato não orgânico, o qual pode ser virtual, robótico ou um híbrido cibernético. Seremos deuses imortais? Talvez, mas o caminho até o monte Olimpo não é tão simples assim.

ANTES

Não há um consenso sobre o que é a consciência. Na filosofia, John Locke (1632-1704), David Hume (1711-1776) e James Mill (1773-1836) entre outros, refletiram sobre os princípios pelos quais os pensamentos ou ideias conscientes interagem entre si e nos afetam. Na Stanford Encypledia of Philosophy temos a seguinte definição: “Um animal, pessoa ou outro sistema cognitivo pode ser considerado consciente em vários sentidos diferentes. De forma resumida, temos:

• Sentiência – Ser uma criatura sensível, capaz de sentir e responder ao seu mundo;

• Vigília – Organismos estão conscientes apenas quando acordados e em alerta. Nesse sentido, os organismos não contam como conscientes quando estão dormindo ou em qualquer um dos níveis mais profundos de coma;

• Autoconciência – Um terceiro e mais exigente sentido para definir criaturas conscientes está relacionado a estarem cientes, isto é, a criatura é totalmente consciênte de si mesmo.

Mesmo assim, se estudarmos mais a fundo, entraremos no labirinto de definições, correntes e reflexões filosóficas sem fim. O que nos faz imaginar que ainda descobriremos mais coisas sobre a consciência humana.

Quanto à memória, o cérebro armazena memórias de duas maneiras: memórias de curto prazo as quais são processadas na frente do cérebro em uma área altamente desenvolvida chamada lobo pré-frontal. O cérebro pode armazenar cerca de sete itens por não mais de 20 ou 30 segundos por vez. As lembranças de curto prazo são então “traduzidas” em memórias de longo prazo no hipocampo, uma área mais profunda do cérebro. Pesquisadores do Salk Institute em La Jolla, California, descobriram que, ao contrário de um computador clássico que codifica informações

como 0s e 1s, uma célula cerebral usa 26 maneiras diferentes de codificar seus “bits”. Assim, o cérebro poderia armazenar 1 petabyte (ou um quatrilhão de bytes) de informações.

DURANTE – UPLOADING

Há uma área de pesquisa conhecida por “Emulação do Cérebro Inteiro ou Whole Brain Emulation ou ainda Mind Upload”, a qual busca migrar todas as estruturas, sinapses e organização neuronal de um ser humano para um outro substrato não biológico. Mas o desafio é colossal. Nossas experiências conscientes (ver, ouvir, pensar, etc.) estão no coração de nossas vidas mentais e são uma parte central do que dá à nossa vida significado e valor. Uma vez que experimentamos algo conscientemente, ocorre o fenômeno da memorização, o qual também irá influenciar em nossas experiências futuras, afetando nossas impressões e julgamentos sobre o que vamos viver mais adiante em nossas vidas.

Enfim, antes de fazer o upload de nossa consciência e memórias, é crucial saber se a carga resultante será não só consciente, mas se irá representar, de modo idêntico, a matriz original de nosso ser. Em seu artigo “Artificial consciousness: An update”, o Prof. Aleksander postula que: “O cérebro de um organismo consciente é uma máquina de estado cujas variáveis de estado são as saídas dos neurônios. Isso implica que uma definição de consciência seja desenvolvida em termos de elementos da teoria das máquinas de estado.” Mas há uma dinâmica no processo “para além da tecnologia atual”, pois não estamos falando de uma estrutura de dados comum, inerte, mas sim de algo dinâmico, em constante mutação, a qual é, digamos, reprogramada a cada milisegundo.

DEPOIS

Não temos nenhuma evidência para apoiar a ideia de que todo o processo de mapeamento e incorporação mesmo que tenha ocorrido de forma precisa, sem erros, irá resultar em um ser dotado de consciência. Além disso, há uma questão filosófica ainda não respondida que é determinar se este ser consciente, mesmo que dotado das mesmas memórias de seu original, será a mesma pessoa que existia antes do upload. Questões éticas relacionadas a este tipo de avanço tecnocientífico são inúmeras, já que dá o direito às pessoas buscarem a imortalidade, o que certamente irá afetar nosso sistema social, jurídico e político.

Talvez estejamos mais próximos de “adiar” a morte, mas não evitá-la por completo. Isto me faz recordar o filme “O Sétimo Selo” (1957), do genial Ingmar Bergman. Numa cena clássica, encontramos o cavaleiro Antonius Block, o qual retornando para casa das Cruzadas, encontra seu país tomado pela peste negra. Com a vida por um fio, ele desafia a Morte para uma partida de xadrez, pois deseja mais tempo de vida, o suficiente para cometer um ato final de redenção.” Ainda não somos deuses mas estamos aprendendo a jogar xadrez contra a morte.

Notas

Telômeros: Toda vez que a célula se duplica ela também duplica os cromossomos. Este processo, encurta os telômeros das células e quando esse encurtamento atinge um ponto crítico, o crescimento celular é interrompido, culminando no envelhecimento e na indução da morte da célula.

fonte: Wikipedia

Referências

Corabi, Joseph, and Susan Schneider. “The Metaphysics of Uploading.” Journal of Consciousness Studies 19.7-8 (2012): 26-44. Disponível em: https://schneiderwebsite.com/Susan_Schneiders_Website/Research_files/The%20Metaphysics%20of%20Uploading%20.pdf

Hauskeller, M. (2012): My Brain, my Mind, and I: Some Philosophical Problems of Mind-Uploading. International Journal of Machine Consciousness 04, no. 01 – 2012: 187–200. Disponível em: https://www.academia.edu/1246312/My_Brain_my_Mind_and_I_Some_Philosophical_Problems_of_Mind-Uploading

Aleksander, I. , “Artificial consciousness: An update”, This is an update on his paper “Towards a neural model of consciousness” in Proc. ICANN94, 1994.

Sandberg, A. & Bostrom, N. (2008): Whole Brain Emulation: A Roadmap. Technical Report #2008-3, Future of Humanity Institute, Oxford University. Disponível em: https://www.fhi.ox.ac.uk/brain-emulation-roadmap-report.pdf

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