O Marketplace na ótica do Poder Judiciário

As plataformas de venda online vieram para ficar, mas nesse shopping virtual cada loja tem responsabilidade por seu produto ou serviço
Liliane Nakagawa14/08/2019 16h55

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Atualmente mais de 15.000 lojas virtuais atuam em plataformas de marketplace no Brasil. O número de empresas que aderiram a esse modelo de negócios cresceu quase 100% no último ano. Uma pesquisa da Ebit|Nielsen, empresa de mensuração e análise de dados, divulgou que o e-commerce deve crescer 15% em 2019, com vendas totais de R$ 61,2 bilhões. Os pedidos também devem crescer (12%), totalizando 137 milhões de reais gastos no mundo online.

Muitas dessas compras acontecem via Marketplace, um modelo de negócio que surgiu no Brasil em 2012, como um shopping center virtual. É considerado vantajoso para o consumidor, visto que reúne diversas marcas e lojas em um só lugar e representa mais praticidade. Afinal, ele pode ver, em um único site, ofertas de vários vendedores, comparar e escolher o melhor preço.

Este mercado merece atenção. A participação dos marketplaces no faturamento do e-commerce deve passar dos 31%, registrados em 2018, para 35% ao fim deste ano, de acordo com a Associação Brasileira do Comércio Eletrônico. O modelo virtual, no entanto, traz um desafio ao operador do Direito: como delimitar a responsabilidade civil das plataformas de marketplace?

Diferente do simples e-commerce, que é uma loja virtual em que uma empresa vende seus próprios produtos, o marketplace é uma plataforma mediada por uma empresa, em que vários outros lojistas podem se cadastrar e vender.

Tecnicamente, a operação de marketplace é entendida como mero provedor de conteúdo, figurando como intermediário das divulgações realizadas pelos fornecedores e seu site e o acesso ao mercado consumerista, sem que tal atividade represente responsabilidade sobre o respectivo conteúdo.

Assim, tal como se verifica com ferramentas de marketing digital, é correto que haja ausência de responsabilidade dos meros intermediários, por não integrarem diretamente a cadeia de fornecimento, constituindo estes, na disponibilização de espaço virtual, apenas a “provedores de conteúdo”.

A responsabilidade civil desse nicho de mercado é amparada pela Lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”), que estabelece, em seu artigo 3º, VI, como um dos princípios do uso da Internet no Brasil, a “responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei”

Neste ambiente, o Poder Judiciário não pode se limitar à lógica do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), concebida para situações em que sequer se imaginava a existência de um shopping center virtual. Caminhar unicamente pelo CDC traduz uma verificação superficial e preguiçosa do intérprete do Direito. É preciso que o Poder Judiciário tenha plena consciência que o ordenamento jurídico nacional reconhece e impõe a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet.

O comércio eletrônico possui outro marco delimitador, que é a Lei 12.965/2014, e nela consigna-se expressamente que o provedor de aplicações na internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiro (art. 18).

A genérica e ultrapassada premissa da solidariedade entre todos os envolvidos na operação não pode ser a regra! E mesmo que se caminhe pelo CDC, a excludente de responsabilidade encontra-se presente, tal como a disposição do artigo 13, que indica que o comerciante somente seria responsável pelo defeito caso não seja possível identificar o fabricante.

Assim, a plataforma de marketplace não participa do processo produtivo da mercadoria, logo, não poderá ser responsabilizada por eventual comercialização indevida dos itens.

Por sorte, o mais recente entendimento dos tribunais vem reconhecendo essa condição, ganhando destaque a posição do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em 2017, já houve um julgamento cuja conclusão foi de que “os sites de plataforma de anúncios classificados e de facilitação de busca e comparação de preços não respondem pelos danos causados pelos seus anunciantes ao consumidor”.

A única diferença existente entre a atividade de um shopping e o marketplace (ambiente virtual de compra e venda), guardadas as devidas proporções, é que no último há a cessão de espaço virtual para a mesma finalidade. Espera-se que o desconhecimento de um modelo de negócios que surge pela internet, tal como o marketplace, não justifique aplicações temerárias do Direito, como têm preponderado em alguns Magistrados.

Liliane Nakagawa é editor(a) no Olhar Digital