Eu me formei em gestão, mas sempre quis empreender em tecnologia. No caminho para isso, encontrei um conceito que é ainda maior: comunidade. Creio que seja um tesouro de que a maioria dos gestores não se deu conta. Porém, para contar essa história, é preciso entender um pouco mais a minha busca. Trabalhando com executivos-chefes de informação e marketing (CIOs como facilitadores em geral e CMOs como tomadores de decisão), costumamos usar a inteligência artificial no marketing, no customer service e na comunicação corporativa. Nós a usamos para melhorar a experiência do cliente, dar mais produtividade para atendentes (com automatizações), antecipar crises e tendências, e possibilitar que diversas decisões de marketing e atendimento sejam guiadas por dados e evidências.
Porém, hoje, a relação das empresas com o consumidor mudou. O consumidor hoje não busca mais as marcas e sim outros consumidores. Juntos, eles formam uma comunidade poderosa, com poder para promover o sucesso ou o fiasco das marcas. Nelas habitam consumidores, criadores (os tais influenciadores digitais) e diversos outros personagens. É uma nova arena, uma nova dimensão na forma como formamos opiniões, compramos produtos, buscamos atendimento, damos feedbacks. Nosso foco, como profissionais e gestores, portanto, deve mudar: a interação das marcas não deve ser com o consumidor, mas com as comunidades – eles devem privilegiar a conexão e integração com elas. Olhar o consumidor é olhar as árvores; a comunidade é a floresta.
Cada influenciador também é árvore, aliás, uma árvore da floresta comunidade. Inclusive, os influenciadores não seriam nada sem uma comunidade que os admirasse, os aplaudisse, os seguisse. As comunidades oferecem grandes oportunidades às marcas que as abraçam. Se se sentirem pertencendo, criam laços genuínos, respeito, retenção e vendas. Do mesmo modo, as comunidades oferecem riscos às marcas que as ignoram. Sua empresa esqueceu a comunidade? Que aceite o risco de ser esquecida por ela também. E de perder mercado para a concorrência.
Mas, há um problema: não existem óculos para enxergar a comunidade; só há óculos de árvores. Para ilustrar isso, considere uma situação de gestão de crise. Quem começa uma crise hoje é um consumidor? Ou consumidores organizados em comunidades? Quem começou a crise que parou o País no primeiro semestre foi “um caminhoneiro” ou foram “os caminhoneiros”? Alguns diriam que empresários da logística iniciaram e, mesmo assim, teríamos duas comunidades protagonizando o tumulto. Casos como esse seriam identificados analisando-se somente os influenciadores, olhando só “árvores”? Não. Mas como monitorar essa floresta, ou melhor, essas florestas – e antecipar a formação de movimentos contra a imagem das empresas?
Antes de pensar em óculos específicos, precisamos entender que a articulação dos mercados em comunidades acontece em um nível muito profundo. E que nos traz novos problemas e dilemas com que lidar. O fenômeno “fake news” nada mais é do que uma consequência da nossa sociedade densamente conectada em rede. É um novo problema de um mundo hiperconectado no qual o poder da informação mudou de mãos. Saiu das mãos de poucos para as de muitos. E podemos ir muito além das fake news como sintoma da nova força das comunidades.
As transformações associadas impactam diversos outros setores. A economia compartilhada tem em sua raiz essa descentralização, a Wikipedia (e Wikileaks) idem, os movimentos Open Source e Creative Commons também. Sempre houve comunidade, você dirá, e tem razão. Mas nunca houve uma hiperconectividade social como a que vemos hoje. Blockchain, economia compartilhada ou fake news não surgem só em razão das “comunidades”, diriam alguns. Mas é fato que encontramos comunidade e descentralização de poder na intersecção de todos esses assuntos.
Cada vez mais, se um profissional precisa vender, defender a empresa, reter consumidores e não deixar a marca ser esquecida, ele precisa ter ao seu lado sua comunidade. E precisa dos óculos da inteligência artificial para conhecê-la e gerenciá-la melhor. A IA é, como toda tecnologia, a ferramenta, o meio, não a transformação desejada, o fim. As comunidades são o fim.
Se para trabalhar com comunidade é preciso de Inteligência artificial, como se faz isso? Por meio de uma plataforma colaborativa cross-departamentos (marketing, customer service, comunicação corporativa e outros), como fazemos na STILINGUE, por exemplo. É colaborativa por termos a certeza de que essa transformação não se faz em silos, e sim em times multidepartamentais. A IA resume, organiza, identifica padrões e facilita interações ao vivo sobre “zilhões” de conversas, opiniões e feedbacks de comunidades que movem marcas e mercados. Tem a capacidade de unificar dezenas de canais digitais em uma fonte única de informação para decisões de negócio.
E quem seriam os pilotos dessa transformação? Mais do que um departamento, vejo que vale discutir a função. Já existe nas empresas um cargo chamado “gestor de comunidades” (“community manager”), infelizmente ainda pouco valorizado nos desafios que o papel exige. Com a falta dos “óculos” de comunidade, diversas empresas tratam a função de gestão da comunidade como uma simples administradora de páginas em redes sociais. Ela não está incluída na agenda estratégica das lideranças e tampouco tem visão de carreira clara para níveis mais seniores. Isso é um desperdício e um problemão. Principalmente porque IA sozinha não resolve a transformação que temos pela frente. Precisamos mudar o mindset dessa função.
Para terminar, uma breve analogia. Sabe aquele momento em que decidimos comprar um carro novo de determinado modelo e marca? Olhamos na rua e só vemos carros exatamente iguais ao que queremos comprar, não é? É que colocamos os óculos do carro novo. Faça a mesma coisa em sua empresa, e coloque os óculos de gestão de comunidades. Com tecnologia. É a tecnologia sendo usada não como fim, mas como meio, que irá transformar seu negócio.