Por David González*
Quando a lei 11.196, popularmente conhecida como Lei do Bem, foi criada em 2005, havia um objetivo muito claro: acelerar a inclusão digital de uma grande parcela da população brasileira por meio de uma série de isenções fiscais sobre a produção de PCs e outros eletrônicos em território brasileiro. Estas isenções, especificamente sobre o PIS/Pasep e Cofins, foram expandidas em 2008 para contemplar também smartphones e tablets, adequando-se assim à evolução natural que pelo qual o uso de dispositivos eletrônicos passou nos últimos anos.
Os benefícios advindos pela Lei do Bem nestes 10 anos são inquestionáveis. Os incentivos para a produção nacional de computadores, notebooks, tablets e smartphones resultaram em uma expansão do número de empresas estrangeiras que optaram pela fabricação local, gerando empregos e receitas para o país. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda publicadas no Portal Brasil, até julho de 2014 a produção de computadores e outros dispositivos em território nacional saltou de 4 milhões de unidades/ano para 22 milhões de unidades/ano, incluindo notebooks e tablets nos resultados.
Além das conquistas econômicas, temos também uma grande conquista social – a inclusão digital de uma boa parte dos brasileiros. De acordo com o Pnad 2014, o número de domicílios com computadores já chegou a 49,5% do total. Avanços também puderam ser vistos na educação. Segundo dados divulgados pelo Inep neste ano, 61% das escolas possuem conexão com a internet voltada para o uso do aluno, um importante aumento de 14% em relação aos dados obtidos em 2010. Vale ressaltar que a grande maioria dos computadores usados em instituições de ensino são máquinas de entrada, com valor de custo abaixo dos R$ 1500, justamente a parcela beneficiada pela Lei do Bem.
A Lei do Bem teve um efeito em cascata. Com dispositivos mais baratos, mais pessoas passaram a se conectar, e com mais brasileiros conectados, o País começou a ensaiar um movimento interessante: multiplicou-se o número de startups de base tecnológica, trazendo mais serviços e comodidades para o dia a dia da população. Já em um nível individual, os dispositivos móveis, como PCs, notebook e os 2 em 1 continuam sendo os principais meios para promover uma inclusão digital produtiva, além de fomentar a inclusão digital pelo acesso e consumo da informação, contribuindo para a formação de uma sociedade do conhecimento.
A má notícia é que, por meio da Medida Provisória 690, o governo federal optou por antecipar o fim da Lei do Bem – as discussões estão acontecendo no governo, com o intuito de definir os rumos da isenção de impostos para os próximos anos. A medida terá um impacto direto no custo de produção desses dispositivos, que por sua vez será repassado ao consumidor. A expectativa é de que os preços subam em pelo menos 10%, isso em um setor da economia que ainda não conseguiu absorver integralmente os custos referentes à desvalorização do real perante o dólar.
É compreensível e desejável que o governo federal tome medidas que atenuem o cenário de crise econômica pelo qual o país passa hoje. Contudo, é preciso pensar nos efeitos de longo prazo do fim da Lei do Bem: como ficam os 50% de lares que ainda não tem acesso a um computador? Como o Brasil vai continuar incentivando a inovação e a criação de empresas de base tecnológica e empregos de alto valor agregado? Como fica a nossa competitividade? Tudo isso precisa ser ponderado para que o país caminhe em direção a uma sociedade do conhecimento.
Não há dúvida sobre os benefícios que a Lei do Bem – e o salto em inclusão digital que ela causou – trazem para o país. O fim dos estímulos à produção de computadores, smartphones, tablets entre outros pode não só prejudicar sensivelmente a capacidade de inovação na indústria brasileira, mas também frear de forma repentina um processo que beneficia a todas as camadas da sociedade. É uma economia de curto prazo, que pode vir a se provar cara no futuro.
* David González é diretor geral da Intel Brasil