O carro do futuro é um serviço, e não um bem material, dizem especialistas

Redação20/07/2017 19h52, atualizada em 20/07/2017 20h42

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Trânsito, engarrafamentos, transporte público caótico e alguns milhões de acidentes fatais por ano nas pistas. Esta é a realidade de muitas grandes cidades do Brasil e do mundo, como São Paulo, que recebeu nesta quinta-feira, 20, um debate a respeito do tema.

Foi o Fórum Mobilidade, organizado pelo Grupo Abril, que reuniu nomes não só da área de transportes, mas também – e principalmente – da tecnologia. Empresas como Uber e 99, além de startups que querem descobrir soluções para os problemas apresentados acima, trouxeram algumas de suas ideias à mesa.

Um dos focos da discussão foi o do papel do carro nas cidades do futuro. Não é de hoje que o volume de automóveis em grandes centros urbanos motiva críticas e queixas dos mais diversos especialistas e setores da sociedade, o que leva à questão: o carro tem espaço na cidade do futuro?

Paulo Mendes da Rocha, arquiteto vencedor do prêmio Pritzker de 2006, o mais prestigiado da área, chegou a dizer em 2015, numa entrevista ao El País Brasil, que “o automóvel virou uma estupidez muito em evidência”. “O mundo está em guerra por causa do petróleo. E você queima o petróleo para levar uma lataria que pesa 700 quilos e lá dentro tem um cretino de 70 quilos. Alguma coisa está errada.”

Os dados comprovam o excesso de automóveis nas ruas. Já existem mais de 1 bilhão de veículos de transporte individual no mundo, sendo que mais de 8 milhões deles estão na capital paulista. Foi também em São Paulo que o poder público adotou medidas para desestimular o uso do carro, como o investimento em ciclovias e corredores de ônibus.

“Todo mundo pergunta o que vai acontecer com o carro, se as pessoas vão deixar de ter e como isso funciona”, disse Matheus Moraes, diretor de política e comunicação da 99, durante sua participação no fórum. “Para nós, esse é um tema particular porque a gente acredita que o transporte e o carro vão ser um serviço.”

“Eu não tenho carro porque não vale a pena, mas eu uso carros todos os dias, carro de qualidade e que me leva rapidamente aonde eu quero chegar. Mas ele não é mais minha propriedade, ele é propriedade de alguma outra pessoa. E, quem sabe, no futuro, será propriedade só das montadoras ou de grandes empresas”, continua o executivo.

Economia compartilhada

Moraes, assim como outros participantes do evento, não acredita que o carro vá desaparecer, mas que seu papel na sociedade será outro quando plataformas de compartilhamento – seja um app de transporte, como 99 e Uber, ou de carona compartilhada, como o Waze Carpool e o Moovit – se tornarem regra no dia a dia da mobilidade das pessoas.

É o que diz, por exemplo, Walter Longo, presidente do Grupo Abril e um dos palestrantes do evento. “Ferramentas como Waze e Uber fizeram mais pela mobilidade urbana do que todos os departamentos de trânsito do mundo juntos”, afirmou o executivo. Mas, para ele, o automóvel foi erroneamente escolhido como “inimigo público número um”, o que não deveria ser o caso.

Péricles Mosca, diretor da Maven, empresa de compartilhamento de carros da GM Brasil, concordou com Longo. “O carro não vai acabar. As pessoas sempre vão precisar de automóveis, ainda mais em países grandes como o Brasil, onde a vida no campo é diferente da cidade. Mas é nos grandes centros urbanos que o compartilhamento de carros pode prosperar mais.”

Reprodução

Democratização do espaço público

O Fórum Mobilidade foi palco para empresários, executivos de grandes companhias e até representantes do poder público, como João Octaviano Machado Neto, presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET-SP), e Sérgio Avelleda, secretário de Transportes da capital paulista. Mas foi só no painel dedicado a startups que o rumo da conversa mudou um pouco.

Quando Tomás Martins, presidente da Tembici – empresa que gerencia serviços de compartilhamento de bicicletas -, subiu ao palco, era praticamente consenso entre os participantes do fórum que o carro não pode ser encarado como vilão, mas como um complemento para a mobilidade do futuro. Na opinião de Martins, porém, essa discussão “já deveria ter acontecido há muito tempo”.

Em sua breve apresentação, o CEO da Tembici falou sobre como não se pode mais pensar em “salvar o carro” quando o futuro pertence a meios de transporte alternativos ao automóvel, como bicicletas, ônibus e trens. “A discussão tem que ser sobre eficiência: qual é a melhor forma de eu me deslocar na cidade? É através da 99, Uber, Cabify, bicicleta compartilhada, ônibus…?”

É nesse cruzamento entre mobilidade e economia digital que a tecnologia faz toda a diferença, segundo Martins. “Nessa discussão, a tecnologia ajuda muito porque ela torna a forma como você se desloca muito mais eficiente”, acrescentou o executivo, em entrevista ao Olhar Digital. “Você pode tomar a decisão sobre o seu deslocamento baseado na tecnologia, e assim você pode ter um deslocamento eficiente.”

Autônomos

Falando em Uber, o diretor-geral da empresa no Brasil, Guilherme Telles, também compareceu ao evento. Sem querer falar exclusivamente com a imprensa e tomando o palco do fórum todo para si em uma apresentação de 30 minutos, o executivo não só acrescentou a experiência da Uber ao mesmo tema discutido até então como também trouxe suas visões sobre o futuro.

Essas visões, alguns diriam, parecem saídas da ficção-científica, mas são realidade. A principal delas é a sobre carros autônomos, um setor que tem crescido cada vez mais lá fora e que, segundo Telles, pode chegar ao Brasil em breve. Basicamente, a condução autônoma corresponde a um conjunto de sensores que faz com que um carro “sinta” o ambiente ao ser redor e se locomova sozinho, sem interferência humana.

A Uber tem um programa de testes em operação nos Estados Unidos atualmente com essa tecnologia. Até recentemente, usuários do aplicativo em Pittsburgh poderiam solicitar uma corrida e receber um veículo sem motorista para levá-los até o seu destino. Isso até a Waymo, empresa-irmã do Google, entrar com um processo contra a Uber por infração de patentes. Além das duas, diversas outras companhias, dos EUA, China e Europa, também estão trabalhando nessa área.

Segundo Telles, toda essa discussão sobre o “carro como serviço” ganha um novo contorno quando carros autônomos entram em cena. “Se num primeiro momento nós estamos falando de compartilhamento de carro, quando a gente tira o motorista e coloca um sistema autônomo, o transporte fica muito mais eficiente”, diz o executivo.

A conclusão do debate, segundo ele, é de que toda essa tecnologia ajuda a mudar não só a cultura, mas as cidades, fazendo com que o poder público e o mercado tomem decisões melhores e mais eficientes no gerenciamento da mobilidade urbana. “Mudanças que antes pareciam que iam levar dezenas de anos, agora, com a tecnologia, demoram dezenas de meses.”

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital