Mark Zuckerberg se aproveitou de dados de usuários do Facebook, revelam documentos

Documentos vazados mostram que o CEO do Facebook utilizou dados de usuários da rede social para beneficiar amigos e combater rivais, além de considerar vendê-los para desenvolvedores
Equipe de Criação Olhar Digital06/11/2019 22h15

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Publieditorial

O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, utilizou dados de usuários da rede social como moeda de troca, beneficiando seus aliados e controlando os concorrentes. Essas informações estão em um documento vazado de cerca de 4 mil páginas obtido pela NBC News. De acordo com os vazamentos, o período em que Zuckerberg mais utilizou tais dados para benefício próprio ocorreu entre 2011 e 2015.

Os documentos incluem e-mails, bate-papos na web, apresentações, planilhas e resumo de reuniões, e mostram como o CEO, juntamente com um conselho e uma equipe de gerenciamento, encontrou maneiras de explorar os dados. Em alguns casos, o Facebook recompensou empresas parceiras oferecendo informações valiosas dos usuários e, em outros, negou aos rivais qualquer tipo de acesso às mesmas informações.

Os vazamentos mostram que o Facebook concedeu à Amazon acesso estendido aos dados de usuários pois a empresa de Jeff Bezos estava gastando muito dinheiro em publicidade na rede social na época. No entanto, a mesma medida não foi adotada para um aplicativo de mensagens que estava em ascensão e era considerado um possível concorrente.

Durante essas invasões de privacidade, Zuckerberg concedeu diversas entrevistas incentivando a conversa privada na plataforma e declarando “novas maneiras de proteger a privacidade dos usuários”. O CEO afirmou em entrevista ao The New York Times, em 2014, que sua equipe estava trabalhando para as pessoas se sentirem “mais confortáveis” durante o uso do Facebook.

Em contrapartida, a empresa criou um esquema de recompensas, que incluíam gastos com publicidade e compartilhamento de dados. Companhias que se adequavam aos requisitos ganhavam os benefícios do acesso às informações pessoais dos usuários do Facebook. Os documentos revelam que as vendas não ocorreram diretamente, mas por meio de distribuições a desenvolvedores de aplicativos considerados “amigos” do quarto homem mais rico dos Estados Unidos.

Cerca de 400 páginas das 4 mil já foram relatadas anteriormente e citadas por membros do Parlamento Britânico após o escândalo envolvendo a Cambridge Analytica. Mas as novas páginas, obtidas por alguns jornalistas investigativos e meios de comunicação, são mais abrangentes em relação à atuação da empresa ao longo desses anos. O Facebook afirmou que nunca vendeu os dados das pessoas, mas não questionou a autenticidade dos documentos obtidos pela NBC.

Origem dos documentos

Os documentos decorrem de um processo judicial de 2015 entre o Facebook e a startup Six4Three. A empresa processou a rede social após parar de receber acesso a alguns tipos de dados dos usuários. O aplicativo desenvolvido pela startup tinha como função localizar fotos de pessoas vestindo roupas de banho e, por isso, foi seriamente afetado com a decisão do Facebook.

Na época, a rede social afirmou que os documentos eram “escolhidos a dedo” e enganosos. “Como já dissemos muitas vezes, o Six4Three escolheu esses documentos como parte de um processo para forçar o Facebook a compartilhar informações sobre amigos dos usuários que tinham o aplicativo”, afirmou Paul Grewal, advogado da empresa, na ocasião.

“O conjunto de documentos, por padrão, conta apenas um lado da história e omite o contexto. Ainda mantemos as mudanças na plataforma que fizemos em 2014/2015 para impedir que as pessoas compartilhem as informações de amigos com os desenvolvedores do Pikinis (app desenvolvido pela Six4Three). Nunca vendemos os dados das pessoas.”

Após a NBC entrar em contato com o Facebook sobre o caso, a empresa escreveu para o juiz do processo acusando o Six4Three de vazar os documentos para “uma rede nacional de transmissão”. O veículo de comunicação americano revelou que recebeu os documentos de Duncan Campbell, jornalista investigativo britânico, que afirmou ter tido acesso aos papéis por meio de uma fonte anônima.

A narrativa da privacidade

Após o processo de 2015, o Facebook enquadrou medidas de proteção aos usuários, afirmando preocupação com a disponibilização de seus dados. Com o recente escândalo da Cambridge Analytica, a empresa reforçou tais esforços e adotou uma narrativa de proteção aos usuários contra empresas que manipulam dados.

No entanto, os vazamentos relatam que pouco se falou sobre o tema nas milhares de páginas obtidas. O assunto raramente foi abordado em conversas de e-mail ou troca de mensagens. Entre as poucas vezes em que o tema é mencionado, a menção sempre fazia alusão sobre como a empresa poderia usar estratégias de relações públicas para suavizar o golpe das reformas feitas em 2015.

Venda de dados

Várias propostas para cobrar dos desenvolvedores o acesso aos dados foram apresentadas ao conselho administrativo da empresa em 2012. Entre as sugestões, uma taxa de acesso para aplicativos que solicitarem os dados e uma cobrança “premium” para a obtenção de informações mais detalhadas.

“Hoje, o comércio fundamental é ‘dados para distribuição’, enquanto queremos alterá-los para ‘dados para $’ e/ou ‘$ para distribuição'”, escreveu Chris Daniels, diretor de desenvolvimento de negócios do Facebook, aos líderes da empresa, em um e-mail de agosto de 2012.

Essas discussões continuaram até outubro, quando Zuckerberg explicou ao seu amigo Sam Lessin a importância de controlar a capacidade de aplicativos de terceiros de ter acesso aos dados da plataforma. “Acho que não temos como fazer com que os desenvolvedores nos paguem”, escreveu o CEO em um e-mail para Lessin.

Na mesma semana, Zuckerberg apresentou uma ideia de buscar 100 acordos com desenvolvedores “como um caminho para descobrir o valor real de mercado” dos dados da empresa para, em seguida, definir uma “taxa pública” para estes desenvolvedores. “O objetivo não é o negócio em si, mas através do processo de negociação com eles, aprender o que estariam dispostos a pagar e então estaríamos mais bem informados sobre o caminho para definir uma taxa pública”, escreveu o CEO em um bate-papo.

O Facebook disse à NBC que estava explorando maneiras de construir um negócio sustentável, mas decidiu não seguir adiante com os planos.

Compartilhamento de dados

Apesar de não concretizar a venda de dados pessoais, Zuckerberg não se mostrou incomodado com a situação de compartilhar os dados com desenvolvedores. “Eu simplesmente não consigo pensar em nenhum caso em que esses dados vazaram de desenvolvedor para desenvolvedor e causaram um problema real para nós”, escreveu o bilionário para Lessin.

No final de novembro de 2012, o CEO teria dito à liderança sênior da empresa que eles não deveriam cobrar dos desenvolvedores o acesso a feeds de dados básicos, alegando que seria melhor pressionar eles para investirem em publicidade na plataforma.

“O objetivo da plataforma é amarrar o universo de todos os aplicativos sociais para que possamos permitir muito mais compartilhamento e ainda permanecer o centro social central”, comunicou Zuckerberg via e-mail.

Acordos

A partir deste momento, a empresa começou a fazer acordos com alguns parceiros valiosos, incluindo o Tinder, Sony e Microsoft. Os acordos prepararam os aliados para as mudanças que eles planejavam fazer na conferência anual de desenvolvedores em abril de 2014.

Um exemplo disso, descrito em documentos de junho de 2013, foi o fato de a Amazon receber tratamento especial para o lançamento de um produto, apesar de competir com um dos produtos do Facebook.

O então diretor de desenvolvimento de negócios da empresa, Chris Daniels, chegou a perguntar: “Lembre-me, por que permitimos que fizessem isso? Recebemos algum corte de compras?” O executivo recebeu a seguinte resposta: “Não, mas a Amazon é uma anunciante e apoia isso com propaganda… e trabalha conosco em integrações mais profundas para o Fire”.

A Amazon declarou à NBC em resposta que  “usa APIs publicamente disponíveis e fornecidos pelo Facebook para permitir experiências da plataforma para nossos produtos e usa apenas informações de acordo com nossa política de privacidade”.

Aplicativos que não foram considerados “parceiros estratégicos” receberam tratamento diferente. Prova disso foi a restrição ao app “MessageMe” de acessar os dados do Facebook. A decisão foi tomada com base na popularidade do aplicativo, que poderia se tornar um rival do Messenger. “Neste caso, gostaríamos de restringí-los”, afirmou Justin Osofsky, então diretor de parcerias da plataforma.

Legado dos documentos

Especialistas em privacidade dizem que, embora o Facebook tenha decidido não cobrar diretamente dos desenvolvedores, as extensas discussões sobre o valor monetário e os acordos podem criar problemas para a empresa.

O maior problema da rede social no momento não é a concorrência, mas sim a regulamentação antitruste, projetada para promover a concorrência justa entre as empresas em benefício dos consumidores.

O CEO da Digital Content Next, Jason Kint, afirmou que se os reguladores puderem mostrar que os usuários estavam pagando pelo Facebook com seus dados pessoais, e esses dados eram a alavanca necessária para impedir concorrentes, isso poderia expor o Facebook a uma reclamação antitruste.

“Esses e-mails estabelecem claramente o valor dos dados do consumidor para o Facebook”, disse Kint. “isso mostra que não é gratuito”. O Facebook afirmou que o serviço sempre foi gratuito tanto para usuários quanto para desenvolvedores.

Mark Zuckerberg escreveu um artigo no The Washington Post no fim de março deste ano pedindo regulamentação em áreas de conteúdos nocivo e integridade eleitoral. Mas segundo David Carroll, professor da New School, disse que o CEO está “se preparando para o impacto”. Especialistas também disseram que Zuckerberg tenta abordar a ameaça iminente da regulamentação com ‘bravata’, para alavancar as coisas em benefício próprio.

Fonte: NBC