LGPD entra em vigor; entenda como a lei de proteção de dados afeta sua vida

Assinatura do presidente Jair Bolsonaro faz com que a legislação passe a valer imediatamente após anos de discussões
Renato Santino18/09/2020 18h23, atualizada em 18/09/2020 18h30

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Após longas discussões, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira, que começa a vigorar a partir desta sexta-feira (18). Apesar da vigência imediata, ainda haverá algum tempo de adaptação para empresas, que só poderão receber punições por infrações a partir de agosto de 2021. Mas você sabe o que muda com a legislação?

De forma resumida, a legislação nacional vai exigir que as companhias mudem a forma como lidam com as informações de seus usuários. “A LGPD estabelece três figuras principais durante o tratamento de dados: o titular, o controlar e o operador”, explicou Vanessa Lerner, advogada especialista em direito digital da Dias Carneiro Advogados. “Em sua essência, a lei não é nada mais do que um conjunto de direitos e obrigações dessas três partes em diferentes momentos, que gera uma rede capaz de proteger a privacidade e a autodeterminação dos titulares de dados pessoas no Brasil.”

Patrícia Peck, também advogada especialista em direito digital, resumiu as mudanças: as companhias precisarão de consentimento das pessoas antes de poderem mexer com seus dados, terão que fazer de forma transparente e serão obrigadas a garantir a segurança de tudo que armazenam e processam.

Quer saber mais? Reunimos abaixo alguns dos pontos principais tratados pela lei para você entender melhor o que ela significa.

Definição de dados pessoais: O texto define como dado pessoal “qualquer informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”. Sobre dados sensíveis, no entanto, a lei é bem mais específica, e inclui na conta origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, informações genéticas ou biométricas, entre outros pontos.

Consentimento dos usuários: A legislação também é precisa aqui. Consentimento é a “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada”. As empresas também precisam deixar clara a finalidade (“realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados”) do uso dos dados e limitar o uso das informações a esse fim.

Transparência: O consentimento citado acima deverá vir por meio daqueles já conhecidos termos de uso, é claro. Mas a lei obriga que as empresas sejam claras em seus textos e específicas na hora de definir a finalidade do uso. “O consentimento deverá referir-se a finalidades determinadas e serão nulas as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais”, diz a legislação.

Você já deve ter percebido um aumento de janelinhas pedindo o seu consentimento quando acessa algum site. O pop-up é uma forma de alertar o usuário de que seus dados estão sendo coletados. É uma resposta à LGPD.

O texto também visa garantir que o titular dos dados possa acessar facilmente as informações que as empresas têm sobre ele — e que possa revogar sem dificuldades o consentimento sobre o uso das informações. A medida pode afetar bastante empresas que lidam com muitos dados, como as de big data. Samanta Oliveira, chefe de proteção de dados da Acesso Digital, disse ao Olhar Digital que, em situações assim, os pedidos deverão analisados “caso a caso” pelas companhias.

Responsabilidade sobre os dados: O “titular” dos dados mencionado acima é a pessoa a que os dados se referem, como especifica a legislação. Já os responsáveis são, como explica Peck, “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privada que realizada decisões sobre o tratamento de dados” — basicamente, as empresas. Mas há uma divisão: o “responsável” propriamente dito decide como vai ser feito o tratamento, enquanto o “operador” realiza o tratamento dos dados. Ambos, no entanto, são responsáveis pela segurança das informações.

Segurança: Falando no tema, o artigo 46 da lei é categórico (e um pouco longo): “os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado”. É algo que muitas das marcas que lidam com dados já precisam fazer graças à implantação do GDPR europeu — caso do Google e do Facebook, por exemplo.

Ainda assim, isso vale para qualquer empresa que entrar no meio do tratamento e também obriga as companhias a informar abertamente (e rápido) quando houver um problema. É algo que muitas já precisam fazer pelo bem dos consumidores, mas que nem todas fazem direito. Com a lei de proteção de dados, esse tipo de ação vira regra com punição em caso de descumprimento

Alteração e exclusão: Além do cenário mencionado no tópico “Transparência” acima, a lei também destaca que os usuários têm todo o direito de alterar e excluir os dados que as empresas têm sobre eles. Quer dizer, exceto em casos, como destaca Peck, como quando as informações têm fins fiscais ou é usada por estudos de órgãos de pesquisa (desde que seja garantida a anonimização, claro). O tratamento de dados pessoas também será terminado caso a finalidade seja alcançada, o período de tratamento chegue ao fim, as informações deixem ser necessárias ou o órgão regulador solicite.

Sanções: Quatro artigos definem as punições às empresas que descumprirem as regras, que vão de um advertência a multas diárias de até 2% do faturamento da companhia (com limite de 50 milhões de reais no total por infração).

E a Autoridade Nacional?

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) foi um ponto polêmico desde o início do projeto, e chegou a ficar de fora do projeto assinado por Michel Temer em 2018. Jair Bolsonaro, no entanto, já havia regulamentado a criação desse órgão em 2019, responsável por acompanhar e impor as normas previstas na nova legislação, e sua estrutura foi aprovada emagosto deste ano.

Após decreto que determinou a criação da ANPD, o governo declarou que o órgão será dotado de autonomia técnica e decisória para proteger os “direitos fundamentais de liberdade e privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.

“A criação da ANPD é um importante passo tanto para dar a segurança jurídica necessária aos entes públicos e privados que realizam operações de tratamento de dados pessoais e que terão de se adequar à LGPD, como também para viabilizar transferências internacionais de dados que sigam parâmetros adequados de proteção à privacidade, o que pode abrir novos mercados para empresas brasileiras”, divulgou, em nota, a Secretaria-Geral da Presidência da República.

De acordo com decreto publicado no DOU, estas são algumas das competências da ANPD:

  • Zelar pela proteção dos dados pessoais, nos termos da legislação;
  • Elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade;
  • Fiscalizar e aplicar sanções ao descumprimento dos termos dispostos na LGPD;
  • Promover, entre a população, o conhecimento das normas e das políticas públicas sobre proteção de dados pessoais;
  • Estimular, entre as empresas, a adoção de padrões para serviços e produtos que facilitem o controle pelos clientes sobre seus dados pessoais;
  • Averiguar reclamações não solucionadas entre clientes e empresas, no que tange à violação de dados e privacidade;
  • Promover e elaborar estudos sobre as práticas nacionais e internacionais de proteção de dados e privacidade.

No entanto, mesmo que a LGPD passe a valer imediatamente, a fiscalização pode demorar um pouco mais do que se imagina. Como requisito para implementação, é necessário que sejam realizadas as nomeações para os cargos da agência, o que ainda não aconteceu. Isso significa que a ANPD “não existe” até que esse processo seja realizado, já que a lei determina que o órgão só passa a existir após a nomeação do diretor-presidente.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital