A HBO anunciou que finalmente vai liberar seu serviço de streaming, o HBO Go, para usuários que não possuem TV por assinatura no Brasil. A novidade, porém, é exclusiva para os estados da Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e para o Distrito Federal. Além disso, somente assinantes da internet fixa da Oi podem experimentar o serviço.
A notícia, divulgada nesta sexta-feira, 2, pegou alguns dos leitores do Olhar Digital de surpresa. Afinal, o serviço não parece levar em conta a concorrência da Netflix, que funciona em todo o Brasil, independentemente da operadora de internet, e com um preço bem menor: a partir de R$ 19,90, contra os R$ 34,90 da HBO.
Mais do que isso, alguns leitores chegaram a questionar se a oferta não representa um caso de “venda casada”, o que é vedado pela lei. O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor diz que é proibido, a qualquer empresa, “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço”. Ou seja, condicionar o uso do HBO Go à assinatura da internet da Oi.
A reportagem do Olhar Digital procurou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) para sanar essa dúvida. Em resposta, o pesquisador em telecomunicações do órgão, Rafael Zanatta, nos disse que há, sim, espaço para esse tipo de interpretação na oferta do HBO Go exclusivo para assinantes da Oi.
“O Código de Defesa do Consumidor veda, desde 1990, a venda de um serviço vinculado a outro”, diz. “O caso é que não existe jurisprudência para isso, porque este caso de parceria entre a HBO e a Oi é novo. Esse tipo de parceria comercial não existia. Não tem como avaliarmos se existe uma violação clara da lei, mas existe espaço para essa interpretação.”
Mais do que ferir o Código de Defesa do Consumidor, Zanatta argumenta que a oferta do HBO Go no Brasil pode até ferir o Marco Civil da Internet. O artigo 9 do decreto-lei que regulamenta o Marco Civil no Brasil diz que são proibidos “acordos entre o responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e os provedores de aplicação” que “privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico”.
Em outras palavras, oferecer um serviço Over the Top (OTT, aplicações como Netflix, WhatsApp ou o HBO Go) não pode ser exclusividade de uma só operadora. O problema, neste caso, também depende do ponto de vista. “A principal disputa jurídica neste caso se dá na interpretação do Marco Civil. O decreto não deixa claro o que esse ‘privilegiar’ significa”, diz Zanatta.
Procuramos também as assessorias de imprensa da Oi e da HBO. A HBO disse que não pode comentar o assunto porque é uma “provedora de conteúdo, e não uma empresa de tecnologia”. A empresa afirmou apenas que não tem como dialogar diretamente com o consumidor e cobrá-lo pelo uso de sua plataforma de streaming. Por isso, precisa de uma operadora como a Oi.
Sobre possíveis violações do Código de Defesa do Consumidor e ao Marco Civil, a HBO orientou a reportagem a falar diretamente com a Oi. Foi o que fizemos. Em nota, a assessoria de imprensa da operadora negou que esteja infringindo qualquer lei ou regulamentação, e que o acordo entre as duas para oferecer o HBO Go tem caráter promocional.
“A Oi informa que segue as regras do mercado e não pratica venda casada. Sobre a oferta mencionada pela reportagem, a companhia esclarece que o conteúdo do parceiro citado pelo veículo será oferecido promocionalmente aos clientes com gratuidade nos três primeiros meses após a assinatura da oferta. Depois desse período, o cliente que tiver interesse no produto deverá contratá-lo diretamente com o parceiro. A companhia reforça ainda que sua oferta também está de acordo com as regras do Marco Civil da Internet, uma vez que não há privilégio para oferecer a aplicação”, disse a empresa.
A argumentação da Oi é de que a oferta do HBO Go é exclusiva para clientes do Oi Total, seu plano que inclui internet e telefone, mas que a promoção dura apenas três meses. Depois disso, é provável que o serviço seja aberto para clientes de outras operadoras, mas não há confirmação, por enquanto.
Zanatta diz que essa é uma argumentação que pode ser sustentada pelas duas empresas, caso esse acordo acabe sendo avaliado por órgãos de controle. “Para determinar se existe uma infração aí, é preciso consultar a Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações], a Senacon [Secretaria Nacional do Consumidor] e o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]”, afirma.
Em outras palavras, só será possível determinar se HBO e Oi estão infringindo a lei, seja com uma suposta “venda casada” ou ferindo o Marco Civil, se o caso for apresentado judicialmente diante dos órgãos competentes. Enquanto um juiz não se pronunciar, a princípio, o acordo entre as duas é legalmente válido, e o HBO Go continuará como exclusividade da Oi. Pelo menos por enquanto.