Google redesenha fronteiras dos mapas dependendo de quem está olhando

Territórios em disputa aparecem como pertencentes à um país ou outro, dependendo de onde o usuário acessa. Em alguns casos, a empresa toma partido de um lado - o que leva a consequências diplomáticas
Renato Mota14/02/2020 19h31

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Os mapas do Google não são os mesmos para todo mundo. Dependendo de onde você esteja, algumas das fronteiras podem mudar, linhas sólidas viram pontilhados, reconhecendo ou não conflitos territoriais entre países.

“Nosso objetivo é sempre fornecer o mapa mais abrangente e preciso possível com base na verdade”, disse explica o diretor de gerenciamento de produtos do Google Maps, Ethan Russell. “Permanecemos neutros em questões de regiões e fronteiras disputadas e fazemos todos os esforços para exibir objetivamente a disputa em nossos mapas usando uma linha de borda cinza pontilhada. Nos países onde temos versões locais do Google Maps, seguimos a legislação local ao exibir nomes e fronteiras”, completa.

Com cerca de 80% de marketshare em relação a mapas para dispositivos móveis, e mais de um bilhão de usuários, o Google Maps tem um impacto enorme na percepção das pessoas sobre o mundo. Porém, os critérios para a tomada de decisões da empresa não são muito claros. No caso dos mapas, são influenciadas não apenas pela história e pelas leis locais, mas também por negociações diplomáticas e até por seus próprios executivos.

Um exemplo é a disputa entre Índia e Paquistão pela região da Caxemira, que já dura 70 anos – e vitimou dezenas de milhares de pessoas. Para os internautas da Índia, a disputa está praticamente resolvida: as fronteiras nos mapas on-line do Google exibem a Caxemira como totalmente sob controle indiano. Em outros lugares, os usuários veem os contornos serpenteantes da região como uma linha pontilhada, ainda em disputa.

O Google Maps gera US$ 3,6 bilhões em vendas anuais para a companhia, principalmente por meio de publicidade, segundo analistas da RBC. O Google também licencia seus mapas para várias empresas, como Uber e Yelp. O Apple Maps, segundo mais popular entre os usuários, conta com cerca de 10 a 12% do mercado.

No caso da Apple, leis locais em relação à identificação de fronteiras e nomes de lugares são a regra. “Estamos analisando mais profundamente como lidamos com fronteiras disputadas em nossos serviços e, como resultado, podemos fazer mudanças no futuro”, explica porta-voz da empresa, Jacqueline Roy. A Microsoft, com o Bing Maps, recorre ao Tribunal Internacional de Justiça, às Nações Unidas ou a acadêmicos, entre outros, em relação a fronteiras.

No mundo off-line dos mapas impressos, um conselho de cartógrafos e editores se reúnem regularmente para discutir eventos mundiais e considerar as alterações propostas. De acordo com o geógrafo da National Geographic Society, Alex Tait, diplomatas, órgãos como as Nações Unidas, mapas históricos, cartógrafos concorrentes e notícias são consultadas antes de chegar a um consenso sobre qualquer mudança significativa.

Os mapas do Google combinam imagens de satélite, modelagem por computador e pontos de referência desenhados à mão. A empresa ainda contrata pessoal para monitorar a construção de novos tipos de edifícios ou estradas e consulta os governos locais para ajudar a tomar uma decisão sobre onde traçar suas linhas. Mas mudanças são feitas com pouco alarde e de forma muito rápida.

Quando se trata de fronteiras contestadas, usuários em diferentes países não recebem as mesmas informações. O corpo de água entre o Japão e a Península Coreana, por exemplo, é conhecido como o Mar do Japão. Mas para os usuários do Google Maps na Coréia do Sul, é listado como Mar do Leste. A via navegável que separa o Irã da Arábia Saudita pode ser o Golfo Pérsico ou o Golfo Arábico, dependendo de quem está online.

Fontes internas dizem que o Google tem uma equipe especial chamada de “equipe da região disputada” que aborda questões mais delicadas, como a forma de retratar as Ilhas Falkland, cuja propriedade é disputada entre o Reino Unido e a Argentina desde 1982 (internautas ingleses não veem o nome ‘Islas Malvinas’).

Em alguns casos, Google toma partido em disputas fronteiriças. A representação da fronteira entre a Ucrânia e a Rússia, por exemplo, leva em conta a Península da Criméia como controlada pela Rússia, enquanto ucranianos e outros veem uma fronteira de linha pontilhada. “Infelizmente, isso legitima a ocupação ilegal da Crimeia pela Federação Russa”, disse Oleksii Makeiev, diretor político do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia.

Em uma parte da fronteira entre Costa Rica e Nicarágua, o Google transferiu o controle de uma ilha de um país para outro e foi citado como justificativa para o movimento de tropas na região em 2010. A empresa rapidamente corrigiu o erro antes de qualquer sangue fosse derramado.]

Via: Washington Post

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital