Fóssil desaparecido gera debate sobre ancestral humano mais antigo

'Toumai', um hominídeo de 7 milhões de anos, pode perder seu posto de primeiro da espécie a se diferenciar dos macacos com a análise de um fêmur encontrado na África - e desaparecido desde 2004
Renato Mota26/11/2020 23h24

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A capacidade de caminhar ereto foi o que diferenciou os ancestrais hominídeos dos macacos, há cerca de 7 milhões de anos. A descoberta do primeiro fóssil de Sahelanthropus tchadensis – apelidado de “Toumai” –  em 2001, reforça essa tese: uma análise inicial sugeriu que ele regularmente andava ereto e tinha uma combinação de características de macaco e humanos.

Porém, paleontólogos ainda debatem se Toumai andava sobre duas ou quatro patas, e toda essa polêmica gira em torno de parte de um fêmur esquerdo, que está desaparecido desde 2004. Em um artigo publicado no Journal of Human Evolution, um grupo de pesquisadores contesta o posto do Sahelanthropus como o ancestral humano primitivo mais antigo.

A análise das diferenças moleculares em nosso DNA sugere que os humanos se separaram dos chimpanzés e bonobos (nossos parentes vivos mais próximos), cerca de 6 a 8 milhões de anos atrás. Em 2001, foram descobertos os restos fossilizados do Sahelanthropus tchadensis em um local no deserto de Djurab, no Chade. O estudo subsequente mostrou que eles tinham entre 6,8 e 7,2 milhões de anos.

Os cientistas encontraram evidências indicando que o espécime caminhava ereto e, portanto, era um hominídeo e ancestral humano – fazendo com que Toumai desbancasse Lucy, a ancestral mais antiga conhecida – ela havia sido datada de aproximadamente 3,2 milhões de anos atrás. A conclusões, no entanto, foram baseadas em um único crânio.

Didier Descouens/Wikimedia Commons

Reconstrução do crânio do Sahelanthropus tchadensis. Imagem: Didier Descouens/Wikimedia Commons

Marcas na parte de trás potencialmente indicavam que esse primata tinha uma coluna ereta e, portanto, passava parte do tempo andando apenas sobre duas pernas. Seus dentes pequenos também parecem mais humanos do que de macaco. Uma reconstrução posterior corroborou esses achados.

O artigo que descrevia essas descobertas, porém, foram contestadas. Em primeiro lugar, a pesquisa foi publicada em um jornal que não fez a revisão por pares. Além disso, os pesquisadores recusaram a permitir o acesso de outros cientistas aos restos fossilizados.

Na mesma época e no mesmo local onde o crânio foi encontrado, um fêmur esquerdo parcial também foi recuperado. O fêmur desapareceu depois que outro pesquisador começou a examiná-lo em 2004. Nesse novo esforço, os pesquisadores afirmam ter encontrado evidências sugerindo que o Sahelanthropus tchadensis não andava ereto e, portanto, não era um hominídeo, mas sim um ancestral macaco.

Os paleontólogos Aude Bergeret-Medina e Roberto Macchiarelli, da Universidade de Poitiers, na França, continuaram suas análises com base em medições e fotos do fóssil. “Com base em nossas análises, o fêmur parcial carece de qualquer característica consistente com episódios regulares de viagem bípede terrestre”, escreveram em seu artigo.

Franck Guy/Université de Poitie

O “fêmur da discórdia” do Sahelanthropus tchadensis. Imagem: Franck Guy / Université de Poitie

Mas esse é só o começo do debate. Outro artigo, feito pelos autores dos estudos originais do Sahelanthropus (e que ainda aguarda revisão por pares) contesta isso, alegando que o fêmur tem uma crista superior rígida que suporta uma postura ereta. E outro paleontólogo, Martin Pickford, do Museu Nacional de História Natural da França, questiona até se o fêmur pertence mesmo a Toumai, ou pelo menos a outro Sahelanthropus.

Ainda assim, boa parte da comunidade concorda com a avaliação de Macchiarelli sobre o fêmur. “Eu vi as fotos há 10 ou 12 anos, e ficou claro para mim que é mais parecido com um chimpanzé do que com qualquer outro hominídeo”, avalia a paleontologista Madelaine Böhme da Universidade de Tübingen, que não participou de nenhum dos estudos.

No estudo mais recente, Macchiarelli e sua equipe compararam o fêmur com o de um Orrorin tugenensis, outra espécie de hominídeo, datado de 6,1 a 5,7 milhões de anos atrás e descoberto em 2000. Os paleontólogos determinaram que há pelo menos diferença no nível de espécie entre eles.

Depois de compará-los com Australopithecus, gorilas e humanos modernos, eles acreditam que essas diferenças sugerem que o modo de locomoção das duas espécies mais antigas também era diferente. Os pesquisadores suspeitam que o Sahelanthropus pode ser um parente ancestral sem descendentes vivos remanescentes – uma linhagem de primatas que foi extinta.

“Exatamente onde na África, e sob que circunstâncias a demarcação homem-macaco começou, e quando, como e por que a fronteira homem-macaco se tornou irrevogavelmente estabelecida, são desafios de pesquisa importantes que ainda não foram resolvidos”, concluem os pesquisadores.

Via: Science Alert

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital