Filadélfia é a primeira cidade dos EUA a barrar lojas que não usam dinheiro

Medida é defendida por políticos para proteger o acesso da população de baixa renda ao mercado, mas desagrada setores do comércio
Redação08/03/2019 20h26, atualizada em 08/03/2019 23h00

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Estabelecimentos comerciais que não aceitam dinheiro em espécie são uma tendência nos EUA. Tudo indica, entretanto, que os varejistas vão precisar brigar muito até que o sistema conquiste o mercado por completo. Um exemplo disso é a Filadélfia, que acaba de se transformar na primeira grande cidade norte-americana a banir lojas que não aceitam dinheiro vivo.

A lei entra em vigor em julho e deve colocar a localidade na linha de frente de um debate polêmico, que põe a inovação varejista e muitos legisladores locais em rota de colisão. Os políticos argumentam que a adoção de avanços tecnológicos pelos comerciantes não pode atropelar a população e desequilibrar o acesso democrático ao mercado, especialmente para consumidores de baixa renda.

Esse conflito se espalha e atinge o país inteiro: um vereador de Nova York tenta emplacar legislação semelhante, enquanto o estado de Nova Jersey já aprovou o fim de lojas sem dinheiro em seu perímetro — apenas a assinatura do governador está pendente. Massachusetts foi mais longe: é o único Estado que exige que os varejistas aceitem cédulas e moedas.

Os estabelecimentos que não usam dinheiro em espécie alegam maior eficiência dos funcionários —que não precisam fazer troco nem contar dinheiro no horário de fechamento — e melhorias na segurança, por não terem de levar grandes somas até o banco. Por outro lado, os defensores da proibição se preocupam com pessoas que não têm cartões de crédito ou débito. A ideia é amenizar a rápida aceleração da tendência, intensificada pela Amazon e sua influência sobre o varejo do país.

Outra causa importante é a privacidade dos consumidores, já que alguns optam por pagar em espécie para mantê-la preservada. “Eu acho que é mais o futuro do que uma moda passageira e, por isso, há uma necessidade de uma resposta legislativa”, declara Ritchie Torres, vereador democrata de Nova York que defende uma norma para proibir lojas sem dinheiro.

Um futuro sem cédulas para todos?

O prefeito da Filadélfia, Jim Kenney, do Partido Democrata, sancionou o projeto semana passada. Seu porta-voz observou que 26% dos moradores da cidade vivem abaixo da linha da pobreza e muitos não têm conta bancária. Há opções para inserir dinheiro em cartões de débito pré-pagos, mas elas estão sujeitas a taxas.

Uma pesquisa da prefeitura local apontou que uma grande rede de varejistas não operava com dinheiro. O vereador William Greenlee apresentou o projeto depois de perceber que algumas lanchonetes do centro da Filadélfia não aceitavam mais dinheiro. “A maioria das pessoas que não têm crédito tende a ser de baixa renda, minorias e imigrantes. Pareceu-me, se não intencional, pelo menos uma forma de discriminação.”

Sylvie Gallier Howard, uma das principais autoridades do Departamento de Comércio da cidade, esperava que a proibição fosse temporária. Aos integrantes da Câmara Municipal, ela afirmou, no mês passado, que “a modernização vai acontecer com ou sem a Filadélfia, mas queremos fazer parte dela”.

Enquanto uns proíbem, outros adotam como regra: isso mostra a complexidade do tema. O estádio Mercedes-Benz, em Atlanta, por exemplo, informa que será o primeiro campo da liga de futebol americano (NFL) a se livrar do dinheiro. A justificativa é que o uso de cartões e pagamentos móveis acelera as transações e reduz as filas, além de trazer benefícios de segurança e facilitar, segundo as autoridades, a queda nos preços dos alimentos. Para quem prefere usar dinheiro ou não tem cartão, dez quiosques ao redor da arena vão converter moeda em um cartão de débito pré-pago sem taxas.

A Amazon não reagiu muito bem

Antes de a Câmara Municipal aprovar a legislação, a Amazon expressou preocupação com o impacto da lei sobre sua capacidade de abrir lojas de conveniência sem caixa, a Amazon Go, na Filadélfia. Nelas, os clientes, que precisam ter conta no site, passam seus smartphones por um sensor quando entram na loja e são cobrados automaticamente pelos produtos que adquirirem.

Acontece que a legislação aprovada tem várias exceções. Ela não se aplica, por exemplo, a garagens de estacionamento ou lotes, empresas de aluguel de carros e hotéis, além de atacadistas, como a CostCo, cujo modelo de vendas é restrito a consumidores afiliados. Existe, inclusive, um dispositivo para acomodar justamente o modelo das lojas da Amazon.

Segundo um assistente de Greenland, a lei permite “transações em lojas de varejo que vendem bens de consumo exclusivamente por meio de um modelo de associação e que exigem pagamento via aplicativo de dispositivo móvel afiliado”. A Amazon reclama que isso não se aplica à Amazon Go porque não é necessário fazer uma assinatura Prime para comprar lá.

Recentemente, a gigante do comércio eletrônico tomou medidas para ampliar sua base de clientes. O foco foi a inclusão de consumidores de baixa renda ao oferecer uma versão de associação Prime com desconto àqueles que se qualificam para o Medicaid e outros programas de assistência do governo.

E a Amazon não é a única incomodada com a proibição. A National Retail Federation, que representa o setor de varejo, e a Câmara de Comércio da Grande Filadélfia também se opõem à proposta e reivindicam autonomia para os varejistas. Do lado oposto, a Comissão de Relações Humanas da cidade e vários grupos comunitários apoiam a proposição.

Vale ressaltar que as lojas que não aceitam dinheiro ainda são pouco comuns nos EUA. Muitas empresas, inclusive, preferem pagamentos em espécie para evitar as taxas de transação cobradas pelas empresas de cartão de crédito.

Fonte: The Wall Street Journal

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital