Ao procurar no sistema de busca do YouTube por “tratamento para o câncer” e “cura para o câncer” em várias línguas, como português, russo, inglês, árabe, alemão, francês, italianos, entre outras. A BBC descobriu mais de 80 vídeos com desinformação sobre a doença e promessas sem embaseamento científico.
Um vídeo intitulado “Remédio Caseiro Contra o câncer, tumores e outros” já alcançou 142 mil visualizações na plataforma e já atraiu anunciantes, ou seja, trata-se de um conteúdo monetizado. No vídeo, um homem do interior do Espírito Santo diz que “a planta combate tumores e câncer” e que “80% a 90% das células de câncer são desfeitas com melão-de-são-caetano”. A promessa, assim como outras encontradas, não possui base científica para comprovar a veracidade da citação.
A BBC descobriu que pessoas com membros da família em situação grave acabam procurando diretamento os autores dos vídeos. É o caso de Reginaldo dos Santos, vendedor em Vitória da Conquista, na Bahia, que possui uma irmã com câncer de mama. Reginaldo disse que que o YouTube oferece soluções que ele não enxerga na medicina. “Remédio caseiro é sempre melhor que remédio de farmácia. Se os médicos falarem que funciona, eles param de ganhar dinheiro. Eu acredito neles em parte. É que, quando a pessoa está boa, a quimioterapia parece matar mais que a própria doença”, afirmou o vendedor.
Algumas das plantas ou frutas divulgadas nos vídeos como soluções milagrosas, de fato, são objetos de pesquisas com o intuito de contribuir para o tratamento de diferentes doenças. No entanto, são estudos preliminares, que requerem mais pesquisas. Outras, ao contrário, são objetos de pesquisas que apontam dados negativos e não são indicados para ingestão, algo completamente omitido nos vídeos.
Yasodara Córdova, pesquisadora-sênior sobre desinformação e dados na Digital Harvard Kennedy School, em Cambridge, afirmou que o Brasil tem uma cultura de “sabedoria secular e confiança nos recursos naturais”. Em outras palavras, a pesquisadora acredita que o Brasil tem um potencial científico que não foi aproveitado de maneira estruturada. “O que não está sendo devidamente transformado em ciência, muitas vezes por falta de recursos, está sendo colocado no YouTube como fake news“, disse.
No caso do melão-de-são-caetano, há pesquisas que apontam que a fruta tem potencial para fornecer compostos anticancerígenos, mas, apesar de diversos links e vídeos apontar a fruta com segurança de um remédio absoluto contra o câncer, os próprios estudos dizem que mais pesquisas e testes são necessários para concluir algo que vá nessa direção.
O médico David Robert, pesquisador de câncer na Universidade Oxford, no Reino Unido, explicou que, diferentemente das curas falsas divulgadas no YouTube, “a medicina é cuidadosamente regulada, rigorosa e objetiva”. “Fazemos pesquisas científicas para verificar se algo funciona. Se funciona, pode virar um remédio, e isso é testado de novo e de novo e de novo. Sua eficácia pode ser medida. A ciência é um processo aberto e todo mundo pode testar a ideia de todo mundo”, afirma.
Segundo ele, “isso não acontece no campo da chamada medicina alternativa. Você tem que simplesmente acreditar no que alguém está dizendo. Quem oferece uma ‘cura mágica’ para o câncer está mentindo. Quando as pessoas oferecem soluções fáceis para questões complicadas, devemos desconfiar”.
Em nota, o YouTube disse que “a desinformação é um desafio difícil” e que a empresa toma “diversas medidas para endereçar isso”. A BBC enviou informações sobre os vídeos com curas falsas encontradas na plataforma nas dez línguas pesquisadas. Depois da publicação da reportagem, a empresa informou ter desmonetizado mais de 70 dos vídeos por violarem suas políticas de monetização.
A plataforma tem o poder de desmonetizar certos tipos de conteúdo e remover as receitas para os criadores dos vídeos. E essa política é global.