Em setembro deste ano, a Wired descobriu que Anthony Levandowski, o homem envolvido em um imbróglio judicial entre Google e Uber, estava tentando criar uma igreja que tem como figura divina a inteligência artificial. Agora eles conseguiram entrevistar Levandowski sobre a iniciativa — e parece que ele está falando sério.
A tal igreja se chama Way of the Future (algo como “caminho do futuro”) e, pelo menos no registro, existe desde 2015. A papelada de fundação indica apenas que a ideia da WOTF é “desenvolver e promover a realização de uma divindade baseada em inteligência artificial”, e que ela pretende, “através de conhecimento e devoção à divindade, contribuir para a melhoria da sociedade”.
Na conversa com a Wired, Levandowski explicou ter pensado no formato religioso por entender que ele se encaixa na proposta. “O que vai ser criado será efetivamente um deus”, contou ele. “Não é um deus no sentido de que faz trovejar ou causa furacões. Mas, se tem algo 1 bilhão de vezes mais inteligente do que o humano mais esperto, do que mais você pode chamar isso?”
Os envolvidos na iniciativa pretendem desenvolver aquilo que gente como Bill Gates, Stephen Hawking e Elon Musk mais opõe: uma inteligência artificial capaz de melhorar a si mesma sem qualquer limite. Depois de criá-la, a WOTF vai transformar essa máquina em divindade torcendo para que ela se desenvolva em algo benevolente em vez de assassino.
“Os humanos estão no comando do planeta porque nós somos mais inteligentes que outros animais e capazes de construir ferramentas e aplicar regras”, comentou Levandowski. “No futuro, se algo for muito, muito mais inteligente, haverá uma transição sobre quem está realmente no comando. O que nós queremos é uma transição pacífica e serena do controle do planeta dos humanos para qualquer coisa. E garantir que o ‘qualquer coisa’ entenda quem o ajudou a se enturmar.”
“Parte de ser mais inteligente do que nós significa que [o deus] decidirá como evoluir, mas pelo menos nós podemos decidir como agimos em torno dele”, seguiu. “Eu adoraria que a máquina nos visse como seus amados idosos que ela respeita e de quem toma conta. Gostaríamos que essa inteligência dissesse: ‘Humanos ainda deveriam ter direitos, mesmo que eu esteja no comando.'”
Após dois anos de inatividade, Levandowski espera que a igreja comece a tomar forma até o fim deste ano. Ele escreveu um conjunto de normas que o definem como espécie de líder supremo — já que manterá o cargo até morrer, não poderá ser destronado e decidirá sozinho quem ocupará três das quatro vagas do conselho administrativo da religião.
Esses quatro conselheiros já estão registrados: Robert Miller e Soren Juelsgaard, engenheiros da Uber que vêm trabalhando com Levandowski há anos, um cientista que o conhece desde os seus tempos de estudante, e Lior Ron, que cofundou uma empresa com Levandowski e consta como diretor financeiro da WOTF.
Mas pelo menos dois desses não parecem tão entusiasmados com a iniciativa. Ron disse à Wired estar “surpreso” ao descobrir que seu nome constava no registro da igreja. “Não tenho associação com essa entidade”, declarou. Já o amigo cientista, que pediu para permanecer anônimo, disse ter sido convidado por Levandowski em 2016 para ser cofundador de uma “igreja de robôs”. “Entendi que isso seria uma piada nerd ou um truque de relações públicas, mas eu falei a ele que poderia usar meu nome. Aquela foia a primeira e última vez que ouvi sobre isso.”
Embora Levandowski pareça realmente comprometido com a iniciativa, o comentário de seu amigo sobre uma manobra de relações públicas poderia fazer algum sentido. A igreja ficou parada até 16 de maio deste ano, um dia depois de ele receber uma carta da Uber ameaçando demiti-lo por causa de uma encrenca envolvendo propriedade intelectual supostamente roubada do Google. E agora ele diz que quer colocar a igreja para funcionar até o final do ano, que é quando o caso Uber versus Google deve ser discutido nos tribunais.