Ensino de robótica leva professora brasileira à final de prêmio internacional

Débora Garofalo ensina tecnologia na periferia de São Paulo e é finalista no Global Teacher Prize 2019, que oferece prêmio de US$ 1 mi. Ela é a primeira mulher brasileira a chegar à final do concurso
Redação26/02/2019 11h34, atualizada em 26/02/2019 11h47

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Com um projeto de ensino de robótica com sucata para estudantes de escola pública, Débora Garofalo foi selecionada entre mais de 10 mil candidatos de várias nacionalidades e está entre os dez melhores professores do mundo. A professora de Língua Portuguesa, que ensina tecnologia na periferia da capital paulista, é finalista no Global Teacher Prize 2019, prêmio internacional que reconhece métodos inovadores e criativos para lecionar e oferece prêmio de US$ 1 milhão.

Desde o início do projeto, em 2015, mais de uma tonelada de materiais recicláveis foram retirados das ruas da cidade e transformados em protótipos – produtos de um trabalho da fase de teste – na Escola Municipal Ensino Fundamental Almirante Ary Parreira, na Vila Babilônia, zona sul.

“O projeto de robótica com sucata nasceu da vontade de transformar a vida das crianças da periferia aqui da cidade de São Paulo. Eu sempre acreditei, como professora, que a educação só faz sentido se ela puder ser significativa e se ela puder ter esse caráter transformador”, disse Débora.

“Eu queria trazer essa visão para as crianças de que a tecnologia é uma propulsora da aprendizagem e que, na educação básica, a gente podia então trabalhar esses conceitos. Só que eu não tinha nenhum material para começar e eu também não queria que esse ensino fosse limitado a um grupo de alunos”. Até hoje já passaram pelas aulas de robótica cerca de 2 mil estudantes.

A realidade local também foi decisiva para o projeto, já que a comunidade sofria com enchentes e lixo nas ruas. “A primeira coisa que as crianças me relatavam é que, em dias de chuva – e a gente começa dar aula sempre no mês de fevereiro que é um mês muito chuvoso –, eles não iam para a escola porque as casas deles alagavam, o acesso para ir para a escola alagava e eles perdiam tudo”.

O sucesso do projeto trouxe grandes lições, de acordo com a professora. Uma delas é pensar em uma escola que não só produza mais conhecimento, mas que comece a contribuir com soluções locais.

Mão na massa

Jovens de 6 a 14 anos aprendem sobre montagem de motor, circuitos e programação para, então, terem autonomia e pensarem no que vão construir. “Em um primeiro momento, a gente olha bem para esses materiais que a gente recolheu porque são materiais diversos e aí [os alunos] vão começar a pensar e estruturar o que eles gostariam de construir”, contou.

Já foram construídos brinquedos, um pequeno semáforo, uma máquina de refrigerante, robôs, barata e aranha robóticas, além de soluções para questões práticas da vida. “Um aluno criou uma casa sustentável. Uma réplica da casa dele, mas totalmente sustentável, com energia solar, usando o arduino [placas programáveis] para ligar e desligar [a luz] em horários para fazer economia de energia. A gente vê que nasce um pouco de tudo, inclusive soluções para o dia a dia”, disse a professora.

“O foco do nosso trabalho realmente é um trabalho sustentável, não é só ensinar robótica, é mostrar que a gente pode intervir nessa sociedade transformando esse material, reciclando, reutilizando”, acrescentou. “Quando a gente pensa no ensino de robótica, todo mundo fala ‘precisa ter altos recursos para trabalhar robótica’ e a gente quis também desmitificar isso, porque a robótica nada mais é do que você encontrar soluções, então trabalhar de forma sustentável foi uma das nossas soluções”.

Débora comemorou a abertura e disposição da escola em apoiar o projeto. “Eu lembro a primeira vez que eu fiz uma aula no pátio, justamente porque a minha sala não tinha tanto espaço e a gente foi produzir alguns protótipos no pátio, utilizando as mesas. A coordenadora chegou e falou ‘eu nunca imaginei uma aula de tecnologia fora do laboratório’, então houve uma mudança cultural das pessoas”, disse.

Ela considera que a “mão na massa” – a aprendizagem criativa – essencial para os estudantes. “Começou a se criar uma febre na escola porque uma criança foi seguindo o modelo da outra ‘se ele conseguiu fazer, eu também posso fazer, então vou tentar também’. Isso foi mudando a cara da escola, então aos poucos os professores foram aderindo e o trabalho foi se tornando interdisciplinar, já que a gente trabalha com uma questão do lixo que dá pra abordar diversos aspectos”.

A professora promove formação em todo país para outros professores sobre o ensino de robótica com sucata. “Nós só chegamos a essa etapa do prêmio justamente por ter esses dados comprobatórios que o trabalho é replicável, porque é uma das exigências do prêmio”. Ela destaca ainda a importância de que essa experiência possa se disseminar. “Nós não somos preparados para trabalhar com tecnologia, então é muito importante que o professor também vivencie, que seja prazeroso para o professor, porque só assim ele vai ter condições de replicar”, disse.

Empoderamento

Débora é a primeira mulher brasileira a chegar à final do Global Teacher Prize 2019, que anunciará o vencedor no dia 24 de março em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. “A lição de casa é começar a valorizar os professores, é começar a envolver esses professores nas políticas públicas, mas [o prêmio é] também a quebra de muitos paradigmas, principalmente pra mim que sou mulher, sou a primeira mulher a estar nessa final pelo Brasil. E se a gente pensar que a proporção de professoras é muito maior do que a de professores é uma grande quebra de tabu”, disse.

Ela contou que chegou a ser duramente criticada no começo do projeto e que muitas pessoas falavam que seu trabalho era artesanato. “Eu era uma mulher mexendo com tecnologia, que não é uma coisa comum, principalmente por ser uma mulher formada na área de humanas, que é mais incomum ainda. Então foram vários tabus quebrados”.

Foi com muito diálogo que a professora obteve uma mudança, para depois haver o empoderamento das alunas também. “No começo, [as meninas] ficavam muito no cantinho apesar de todo o incentivo que eu fizesse para que elas participassem. Mas depois elas também começaram a trazer os seus protótipos para dentro da sala de aula e mostrar o quanto elas eram produtivas e o quanto elas eram caprichosas. E elas começaram a se tornar referência”, comemorou.

“E os meninos começaram a apoiá-las e dizer ‘que legal que você construiu e como você fez isso’. Aquela reação de preconceito começou a virar uma relação de empatia, de perceber que eles também podiam aprender com as mulheres e aí foi uma coisa muito bacana”, relatou a professora.

Fonte: Agência Brasil

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital