Em maio de 2016, uma startup dos Estados Unidos focada em biotecnologia chamou a atenção do mundo inteiro, inclusive do Brasil, com uma proposta, no mínimo, ousada: trazer de volta à vida pessoas que tiveram morte cerebral.
A empresa, chamada Bioquark, obteve autorização de órgãos de saúde dos Estados Unidos e da Índia para tratar um grupo de 20 pacientes no Hospital Anupam, no estado indiano de Uttarakhand, com uma nova técnica dentro do chamado “Projeto ReAnima“.
Desde então, porém, a Bioquark não apareceu mais na mídia. O Olhar Digital entrou em contato com a companhia para saber o que aconteceu com o projeto ReAnima. E, como era de se esperar, os resultados da empreitada ainda não são tão excitantes.
“Ainda é um trabalho em andamento”, diz o doutor Ira Pastor, CEO da Bioquark. Ele explica que a autorização recebida em 2016 para tratar aqueles 20 pacientes indianos serviu para que os cientistas da empresa pudessem estudar o funcionamento de um corpo humano em estado vegetativo. Nenhum deles foi “ressuscitado” ainda, porém.
Até mesmo o vocabulário usado por Ira para descrever o projeto mudou. Num comunicado divulgado à imprensa em 2016, o CEO dizia que aqueles testes na Índia seriam um primeiro passo “em direção a um eventual [processo de] reversão da morte”. Hoje, porém, ele diz que o objetivo do projeto “não é a reversão da morte, em si”.
O que é a morte?
Para Ira, a confusão tem a ver com o que a palavra “morte” significa. Até meados da década de 1960, o conceito médico de morte se resumia ao coração e à respiração. Se o seu coração parar de bater ou se você parar de respirar, você estava morto.
No entanto, a medicina criou, ao longo dos anos, técnicas cada vez mais refinadas de ressuscitação. Na década de 1950, nasceu a reanimação cardiorrespiratória, que permitia trazer de volta à vida alguém que parou de respirar ou cujo coração parou de bater em questão de minutos ou até horas.
Socorristas do mundo todo usam essas técnicas para reanimar pessoas aparentemente “mortas” até hoje. Desde 1968, portanto, a comunidade científica internacional concordou em adotar uma nova definição de morte, que agora é a ausência de atividade cerebral.
Há 50 anos, portanto, define-se como “morta” uma pessoa cujo cérebro não apresenta mais atividade. Ira explica que o objetivo da Bioquark é acabar com mais esta definição e criar uma maneira de reanimar o cérebro de uma pessoa clinicamente morta, assim como a reanimação cardiorrespiratória traz de volta quem parou de respirar ou quem teve uma parada cardíaca.
De olho na natureza
Ira lembra que há muitas criaturas na Terra que possuem a habilidade de regenerar partes complexas do corpo, como órgãos, membros e até grandes porções do cérebro (a salamandra é um exemplo), ou retardar o próprio envelhecimento. Estas criaturas são a inspiração do projeto ReAnima.
O objetivo da Bioquark, segundo ele, é “estudar a natureza e o que aconteceu nos últimos bilhões de anos de processo evolucionário para descobrir por que nós, humanos, não somos tão bons nisso [regenerar-se], e como nós podemos, com ferramentas de biotecnologia, despertar estas capacidades, porque nós temos genomas semelhantes aos de muitas destas espécies”.
A primeira fase do projeto ReAnima é, portanto, regenerar funções do cérebro que se perderam em pacientes em estado vegetativo. Só depois é que a empresa planeja descobrir maneiras de ressuscitar uma pessoa que acaba de ser diagnosticada com morte cerebral.
Ira acredita que os primeiros resultados práticos deste projeto devem surgir nos próximos anos – “talvez até o fim de 2018, talvez em cinco anos”, segundo ele. Mas o CEO diz que ainda é muito cedo para se pensar em trazer de volta à vida um ente querido morto há meses ou anos.
“Neste momento, nosso único foco é em casos específicos de pessoas em coma irreversível devido a traumatismo craniano. Nada de cadáveres sendo retirados de túmulos, nada do tipo Frankenstein”, diz Ira. “Se isto é uma ponte para a imortalidade? Não. As pessoas ainda vão morrer. Não faz sentido trazer uma pessoa que morreu de câncer no pâncreas de volta à vida se ainda não temos uma cura para o câncer.”